Plataforma divulgou na última sexta (16) que derrubaria conteúdos que recomendassem o uso de hidroxicloroquina ou ivermectina para o tratamento ou prevenção da doença. Bolsonaro recomenda uso de cloroquina contra Covid-19 em vídeo de 9 de julho de 2020
Reprodução/YouTube
Mesmo com a nova política do YouTube de proibir vídeos que recomendem o uso de hidroxicloroquina ou ivermectina para o tratamento ou prevenção da Covid-19, publicações do presidente Jair Bolsonaro que indicam esses medicamentos continuam no ar.
Esses remédios não têm eficácia comprovada contra a doença.
Na última sexta-feira (16), a plataforma divulgou que “canais que publicarem conteúdos que desrespeitem a regra terão o material removido”. E que faria isso também de forma retroativa.
No mesmo dia, o G1 enviou ao YouTube trechos de uma das lives de Bolsonaro, de 14 de janeiro, em que ele cita esses medicamentos, questionando se ela contrariava as regras. Na noite de segunda (19), a empresa confirmou à reportagem que removeu o conteúdo por violação da sua política.
No entanto, ao menos outros três vídeos publicados no perfil do presidente em que ele fala sobre tratamentos sem eficácia para a Covid ainda estavam disponíveis na plataforma nesta terça (20).
São lives de 9 de julho de 2020, 10 de dezembro de 2020 e 15 de abril de 2021 – o presidente costuma fazer transmissões ao vivo às quintas-feiras.
Após a publicação da reportagem, o YouTube disse ao G1 que “diversos vídeos estão sendo revisados e podem ainda ser removidos”.
Em uma das lives, Bolsonaro fala que tomou cloroquina e “se safou”, apesar de o remédio não ter a eficácia comprovada contra a Covid.
O presidente também afirma, em outro vídeo, que os medicamentos “são eficazes no tratamento do coronavírus”.
As alegações são similares às do vídeo que foi removido, onde Bolsonaro diz que “mais de 200 pessoas contraíram Covid, e foram tratadas precocemente, nenhuma foi para o hospital” (veja em detalhes abaixo).
Remoção não depende de denúncia
O YouTube, que pertence ao Google, não depende apenas de denúncias para remover os conteúdos que estão em desacordo com a política de uso. Ele diz contar “com uma combinação de pessoas e tecnologia para sinalizar conteúdo impróprio e aplicar essas diretrizes”.
E que as sinalizações podem vir de sistemas automatizados, de membros do Programa de Revisor Confiável (ONGs, agências governamentais e indivíduos) ou de usuários da comunidade mais ampla do YouTube.
Segundo a empresa, a máquina ajuda a detectar conteúdo potencialmente violador e a enviá-lo para “análise humana”. A tecnologia ajuda a encontrar conteúdo semelhante a outro que já tenha sido removido, mesmo antes de ser visualizado. E esses sistemas são particularmente eficazes na sinalização de conteúdo com a mesma aparência – como spam ou conteúdo adulto.
Mas em fevereiro passado, quando o vídeo em que o deputado Daniel Silveira fazia apologia ao AI-5 foi derrubado do canal dele na plataforma, por violação da política, o mesmo conteúdo foi replicado diversas vezes e seguiu no ar em outros canais do YouTube, conforme o G1 apontou.
No levantamento mais recente sobre vídeos removidos, que se refere ao último trimestre de 2020, a empresa diz ter derrubado 9,3 milhões de postagens que violavam alguma de suas regras, sendo que 94% delas foram “deduradas” por máquinas.
Já o total de vídeos tirados do ar por desinformação sobre o coronavírus desde o início da pandemia não chega a 1 milhão, também segundo a companhia.
O que diz a política do YouTube
A plataforma informou na sexta que serão retirados vídeos que tenham:
conteúdo que recomenda o uso de ivermectina ou hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19;
conteúdo que recomenda o uso de ivermectina ou hidroxicloroquina para prevenção da Covid-19;
afirmações de que ivermectina ou hidroxicloroquina são tratamentos eficazes contra a Covid-19;
alegações de que há um método de prevenção garantido contra a Covid-19;
afirmações de que determinados remédio ou vacinas são uma cura garantida para a Covid-19.
Além disso, em suas diretrizes, o YouTube diz que “também não é permitido o envio de conteúdo que dissemine informações médicas incorretas que contrariem as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS)”.
De acordo com a empresa, a conduta mencionada vale para:
tratamento;
prevenção;
diagnóstico;
transmissão;
diretrizes sobre distanciamento social e autoisolamento;
e a existência da Covid-19.
O que Bolsonaro fala nas lives?
Vídeo de 9 de julho de 2020
No vídeo feito a partir de transmissão ao vivo, o presidente recomenda por mais de uma vez o uso de hidroxicloroquina e da ivermectina contra a Covid-19. Ele chega a mostrar uma caixa com hidroxicloroquina. O vídeo conta com mais de 360 mil visualizações. Veja os trechos:
“… declarou que tomou por ocasião de seu tratamento, a hidroxicloroquina, e eu tomei, e deu certo. Eu tô muito bem, graças a Deus. E aqueles que criticam, pelo menos apresentem uma alternativa. Ora, não dá certo a hidroxicloroquina, você tem que tomar a ivermectina ou então a anitta, que é outra também que está muito comentada por aí, e que são eficazes no tratamento do coronavírus.”
“Nós temos relatos de centenas de médicos no Brasil e de centenas e centenas de pessoas, que foram infectados, e foram tratados com isso [hidroxicloroquina e ivermectina] e deu certo”.
Vídeo de 10 de dezembro de 2020
Em vídeo do final do ano passado, Bolsonaro garante a eficácia de hidroxicloroquina e ivermectina contra a Covid. A publicação tem mais de 168 mil visualizações. Veja o trecho:
“O que que tem no hospital? O respirador. Salva gente? Salva gente, sim, salva gente, mas tem que se evitar aí o intubamento da pessoa. Evita-se como? Numa primeira fase, o tratamento, que é a tal da hidroxicloroquina, ivermectina e anitta, entre outras coisas, vitamina D, azitromicina. Hoje os médicos sabem disso, se o teu médico fala que não, você tem o direito de procurar outro médico.”
Vídeo de 15 de abril de 2021
Em live de 15 de abril de 2021, o presidente Jair Bolsonaro afirma que tomou cloroquina e “se safou” da Covid
Reprodução/Youtube
Na live da última quinta (15), um dia antes de o YouTube anunciar as novas regras, Bolsonaro relacionou a cloroquina como um tratamento eficaz contra a Covid-19. O vídeo tem mais 486 mil visualizações. Veja os trechos:
“Eu não quero discutir a cloroquina aqui. Eu tomei e me safei, muita gente tomou e se safou. E isso se chama tratamento precoce ou tratamento imediato, ou tratamento ‘off-label’, os médicos têm o direito de bem receitar o que ele achar que é o melhor para o paciente.”
“É exemplo de Chapecó, o prefeito lá, o João Rodrigues, lá os médicos têm liberdade para receitar o que ele achar melhor. Se ele acha que vai ser a cloroquina, vai ser, a ivermectina, vai ser, seja lá o que for.”
Vídeo de 14 de janeiro de 2021
O vídeo que foi retirado do ar após questionamento do G1 continha afirmações similares às da live de 9 de julho de 2020. Na publicação, que tinha mais de 270 mil visualizações, o presidente recomendava o uso de hidroxicloroquina e ivermectina contra a Covid-19. Veja o trecho:
“Se fosse esperar uma comprovação científica, teriam morrido quantas pessoas naquela Gerra do Pacífico, que não morreram. É a mesma coisa o tratamento precoce da Covid com hidroxicloroquina, com ivermectina, uma tal da anitta, mais azitromicina, mais vitamina D. E não faz mal isso aí. Se, lá na frente, for comprovado que não surtia efeito, que não vai acontecer porque, repito, nesse prédio que eu tô aqui, mais de 200 pessoas contraíram Covid, e foram tratadas precocemente, nenhuma foi para o hospital.”
O G1 procurou o Palácio do Planalto, que disse que não vai comentar a derrubada do vídeo.
Ele continua no ar no Facebook, onde as transmissões ao vivo também são realizadas.
Vídeo da live de Bolsonaro de 14 de janeiro de 2021 foi removido pelo YouTube na última segunda (19)
Reprodução
Além das lives de quinta, Bolsonaro conversa frequentemente com apoiadores no Palácio do Alvorada, na saída ou na chegada do trabalho. Esses encontros costumam ser compartilhados pelos apoiadores e trechos são editados e publicados pelo canal Foco do Brasil.
Neles, o presidente também já defendeu o tratamento precoce e outras medidas que vão contra as recomendações da OMS, como a vacinação e o distanciamento social.
Em janeiro passado, o Twitter afirmou que um post de Bolsonaro sobre “tratamento precoce” da Covid violava regras da plataforma, mas manteve a mensagem no ar. Ela foi acrescida de um alerta sobre “publicação de informações enganosas”. Este tipo de medida restringe a circulação do tuíte, mas ele continua disponível na rede social.
Posição da OMS
No início de março, a OMS publicou uma diretriz na qual pede fortemente que a hidroxicloroquina não seja usada como tratamento preventivo da Covid-19.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o fabricante da ivermectina já alertaram que o medicamento não é eficaz contra o coronavírus.
Recentemente, entidades médicas disseram que o uso de medicamentos sem comprovação científica deve ser banido.
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Recentemente, o Facebook e o Instagram anunciaram que iriam exibir um selo em conteúdos que abordassem tratamentos sem comprovação científica.
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‘Kit Covid’ no Brasil
No Brasil, os medicamentos chegaram a ser recomendado como um dos integrantes do “Kit Covid”, voltado ao suposto “tratamento precoce” da doença.
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O presidente Jair Bolsonaro costuma defender o uso da hidroxicloroquina, mesmo sem comprovação científica contra a Covid-19.
O governo federal também adquiriu e distribuiu a medicação a estados e municípios.
Em janeiro, o Ministério da Saúde lançou um aplicativo que recomendava o uso do medicamento. Ele saiu do ar dias depois.
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