O jornalista Paul Sullivan reflete sobre a dissonância cognitiva e moral presente no ato de viajar em um mundo que enfrenta mudanças climáticas e sofre com impactos do excesso de turismo. Trecho da Grande Barreira de Corais, na Austrália
Sarah Lai/AFP
Foi há pouco tempo, estava num voo a 10 mil milhas acima do esplendoroso interior da Islândia, olhando pela janela do avião para as dobras suaves e os tons em pastel das montanhas riólitas, com a neve branca recuada no topo de seus glaciares, quando me peguei questionado se o meu trabalho como escritor de viagem seria ainda moralmente justificável.
Viajava para atualizar um guia turístico e avaliar alguns hotéis para um jornal. Excelentes notícias para a economia local, evidentemente, e certamente um trabalho divertido. Mas os relatos que sublinham o impacto devastador do turismo no planeta – que ocorre majoritariamente via avião, automóvel, trem ou navio, com o restante proveniente principalmente da indústria hoteleira – são impossíveis de ignorar.
Voar, por si só, constitui uma parte relevante da porcentagem total. Embora seja um setor relativamente pequeno, a aviação tem um impacto desproporcionalmente grande na quantidade global total de emissões – entre 3% e 7%, dependendo dos relatórios.
O setor, no entanto, não tem planos de desacelerar. Livre, em grande parte, de regulamentações governamentais, a indústria da aviação recebeu um status especial e foi excluída dos acordos climáticos de Quioto e Paris. Estima-se que o número global de passageiros chegue a 7,2 bilhões em 2035, quase o dobro dos 2,8 bilhões registrados em 2016.
Embora companhias aéreas, como a Boeing, estejam desenvolvendo biocombustíveis para aeronaves, não há soluções para toda a indústria neste momento.
Enquanto isso, grandes atrativos naturais, como a Grande Barreira de Corais, as Ilhas Galápagos e geleiras tão remotas quanto a Islândia e a África, estão desaparecendo diante de nossos olhos. As mudanças climáticas ameaçam ainda diretamente 1 milhão de espécies de plantas e animais. Cidades como Veneza, Amsterdã, Barcelona e Reykjavik sofrem com o que recentemente se tornou conhecido como “excesso de turismo”.
Enquanto estive em Reykjavik, os moradores reclamaram que comércios locais estavam sendo fechados para dar lugar a lojas genéricas de souvenires, hotéis sem graça e redes multinacionais de restaurantes. A natureza local também estaria sendo prejudicada pelo excesso de turismo.
Como então justificar nossas viagens num contexto tão problemático? Uma resposta imediata seria reduzir as emissões pessoais de carbono. Isso é algo que muitos de nós, inclusive eu, já faz, por exemplo, viajando de trem sempre que possível e compensando a quantidade de voos. No entanto, não parece ser o suficiente.
Somado a isso está o meu papel como escritor de viagens, que provoca níveis crescentes de dissonância cognitiva e culpa moral por fazer parte de uma indústria que, por um lado, ajuda as economias locais, mas, por outro, apoia efetivamente danos ambientais. Novamente, uma resposta imediata é escrever artigos mais ambientalistas, escrever sobre trens e não aviões, sobre hotéis ecológicos e destinos desconhecidos.
Apesar de toda a boa vontade dos esforços da indústria do turismo neste âmbito, a ideia de ecoturismo e até de “viagens lentas” aparentam já serem uma contradição em termos.
Precisamos reduzir as viagens
A conclusão, até onde vejo, é que o setor do turismo necessita desesperadamente de regulamentação, mas também devemos estar dispostos a assumir alguma responsabilidade pessoal – vamos talvez chamar de “viagem ética” em oposição ao ecoturismo.
No mesmo espírito dos movimentos “flexitarianos”, que surgiram em torno do consumo de carne ou do uso de plástico, isso significaria questionar, em primeiro lugar, se realmente precisamos viajar – espero que a conclusão seja, pelo menos em parte do tempo, não precisamos – e, somente depois decidir como viajar.
De certo modo, certas escolhas de viagem estão sendo tiradas de nós de qualquer maneira. Cada vez mais, passeios e viagens são cancelados ou adiados por falta de neve ou gelo, ou porque lugares – incluindo grande parte da Europa neste verão – estão muito quentes ou muito úmidos.
Ironicamente, essa situação deu origem ao que está sendo chamado de “turismo de última chance”. Irônico, porque o afluxo de turistas a destinos precários serve para acelerar seu desaparecimento. E é por isso que a Unesco, por exemplo, lista oficialmente o turismo como uma das maiores ameaças ao arquipélago de Galápagos.
Parece-me óbvio que precisamos reduzir urgentemente as viagens. É claro que isso significa que as economias sofrerão e empregos, incluindo o meu, serão perdidos. E, por esses motivos, além de querer continuar viajando, espero que as coisas não fiquem tão extremas a ponto de precisarmos parar completamente, que possamos encontrar alguns compromissos, talvez na forma de biocombustíveis ou outras inovações tecnológicas, ao longo do caminho em direção a um final óbvio de gestão planetária.
Caso contrário, e pensando de maneira positiva, as férias nas redondezas de onde moramos podem restaurar a conexão com nossas próprias paisagens e comunidades – talvez não seja algo ruim em tempos de polarização política. Talvez elas possam até combater a anomia que é o lado sombrio das promessas utópicas de conectividade suprema da globalização. Talvez uma pausa nas viagens possa nos permitir apreciá-las novamente como uma experiência mais autêntica.
No final das contas, acredito que é melhor fazer sacrifícios proativos mais cedo, em vez de sermos forçados a eles mais tarde, e que pessoas e economias podem se recuperar de uma maneira que um planeta devastado não pode.
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