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Meio Ambiente

Um ano após perder 26% do bioma, Pantanal corre o risco de ter incêndios piores neste inverno

Região ainda nem se recuperou direito da tragédia de 2020, e previsão é de estiagem ainda mais severa neste inverno. Comunidade ribeirinha tem sobrevivido de doações. Serra do Amolar, no Pantanal, em três momentos
Reprodução
Na comunidade ribeirinha de Barra de São Lourenço, no Pantanal de Mato Grosso do Sul, famílias que antes sobreviviam da pesca, da coleta de iscas vivas e da agricultura de subsistência dependem de doações para viver desde o ano passado, quando viram a região ser devastada pelas queimadas.
Em 2020, o Pantanal foi atingido pela maior tragédia de sua história. Incêndios destruíram cerca de 4 milhões de hectares. 26% do bioma – uma área maior que a Bélgica – foi consumida pelo fogo. Cerca de 4,6 bilhões de animais foram afetados e ao menos 10 milhões morreram.
Só no território de Mato Grosso do Sul, 1,7 milhão de hectares virou cinzas. No Mato Grosso, a destruição foi maior: quase 2,2 milhões de hectares.
A região ainda não se recuperou direito e corre agora o risco de reviver essa catástrofe — e talvez numa escala até pior, segundo alerta de cientistas. A previsão é de um novo recorde de estiagem neste inverno. Somado a isso, o país vive uma crise hídrica, que também assola a região, com o nível dos rios mais baixo para essa época.
“Não tem isca, não tem pesca, o peixe está muito ruim porque as baias e os corixos [canais] estão todos impedidos porque estão secos. Não tem como o peixe ir e vir porque não tem circulação de água. A dificuldade é imensa. Vivemos das doações que recebemos. Tentamos plantar alguma coisinha, mas está difícil de ir para frente”.
O desabafo é de Leonilda Ares de Souza, de 54 anos. Desde que nasceu, ela vive no local, que fica quase isolado no meio do Pantanal. A cidade mais próxima é Corumbá, a 250 quilômetros de distância, e o único acesso é por barco.
Diante desse cenário, autoridades se mobilizam, capacitando e ampliando equipes de combate. No entanto, especialistas questionam a distribuição do efetivo.
Nesta reportagem, você vai ler sobre:
Previsão de estiagem e situação preocupante dos rios no Pantanal
Medidas de combate a incêndio
Relatos de afetados pelas queimadas do ano passado
Impunidade X responsabilidade pelas queimadas
Raio-x do Pantanal
Elcio Horiuchi/G1
Pouca chuva e rios baixos
Com a estiagem de 2020, o nível do rio Paraguai, no Pantanal caiu e vários bancos de areia apareceram no leito
TV Morena/Reprodução
O alerta de uma nova grande estiagem no Pantanal vem a partir de estudos como o do pesquisador Marcelo Parente Henriques, do Serviço Geológico do Brasil (SGB-CPRM). Ele aponta que, pelo segundo ano consecutivo, está previsto um recorde histórico de estiagem na região.
Segundo Henriques, as sete estações fluviométricas instaladas ao longo do rio Paraguai – principal curso de água do Pantanal -, entre Cáceres (MT) e Porto Murtinho (MS), têm apresentado níveis bem abaixo da média.
O motivo é a pouca chuva na região. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a precipitação dos últimos meses na bacia do alto Paraguai ficou abaixo do esperado. O Pantanal não tem uma “cheia” há três anos, conforme dados do SGB-CPRM. A principal condição para que ela aconteça é que o nível d’água na estação fluviométrica de Ladário supere os 4 metros. A última vez foi em 2018, quando atingiu a máxima de 5,35 metros.
Situação do Pantanal em 2020
Elcio Horiuchi/G1
Desde então, boa parte da planície não é inundada, o que dificulta a navegação pelos rios que cortam o bioma e tem impacto direto no combate às queimadas porque os rios são usados pelas equipes para chegar aos locais de difícil acesso por terra.
No início de junho, o nível do rio Paraguai em Ladário, por exemplo, ficou abaixo de 1,50 metro. Com isso, a Marinha do Brasil passou a adotar restrições à navegação, de acordo com o Comando do 6º Distrito Naval da Marinha do Brasil. A expectativa dos especialistas é a de que o nível do rio só volte a subir a partir de meados de outubro, o que interfere em outros aspectos da vida pantaneira.
“No ano passado, em alguns pontos, aconteceu de faltar água para rebanho. A flora e a fauna do Pantanal também dependem da água. Então, é uma questão preocupante e que demanda atenções em todas as áreas, não só na questão dos incêndios florestais”, afirma o secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck.
Medidas de prevenção
Trabalho dos brigadistas são essenciais para a combate dos incêndios no Pantanal.
GOV-MS/Reprodução
O bioma Pantanal é considerado uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta. Cerca de 60% do seu território está no Mato Grosso do Sul e os 40% restantes, no Mato Grosso. A proteção da região é de responsabilidade conjunta do governo federal, por meio do Ibama, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, e dos dois governos estaduais.
Em março, o ministério editou uma portaria decretando estado de emergência ambiental nos estados. A medida permite à pasta fazer, por exemplo, a alocação de recursos e preparar estruturas, como as brigadas de incêndio. Procurado pela reportagem, o ministério não informou as ações tomadas em relação ao Pantanal.
O secretário estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck, diz que até o momento não houve envio de recursos por parte do governo federal. Verruck conta que encaminhou ainda uma proposta de Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o Ibama e o Ministério Público Estadual (MPE) e o Ministério Público Federal (MPF), mas que ainda não obteve resposta.
Entre outros pontos, o secretário cita a necessidade da contratação de mais brigadistas do Prevfogo, de responsabilidade do Ibama.
“O governo federal já está sabendo da situação que o Pantanal pode enfrentar neste ano. Nós iniciamos conversas com o MPMS, MPF e Ibama, mas, até agora, não fomos respondidos”, afirma.
Procurado, o MPMS disse aguardar uma resposta do Ibama, mas que a participação do órgão no acordo não é imprescindível para o envio de recursos para o estado. O MPF informou apenas que o acordo está sob revisão do Ibama. O G1 entrou em contato com o Ibama, mas até última atualização desta reportagem não havia obtido retorno.
Recursos
Situação do Pantanal em 2021
Elcio Horiuchi/G1
Diante do cenário devastador do ano passado e com a previsão de que as condições climáticas favoreçam novos incêndios na região, os governos estaduais e organizações não-governamentais iniciaram uma série de ações preventivas antes do período mais crítico, que vai de julho a dezembro.
Ao contrário de 2020, em que não houve destinação prévia de recursos para o combate ao fogo, o governo do Mato Grosso do Sul destinou neste ano R$ 56 milhões para medidas preventivas e melhoria da estrutura de combate aos incêndios florestais.
Em Mato Grosso, o governo do estado também decretou situação de emergência ambiental entre os meses de maio e novembro e, adiantou o período proibitivo de queimadas na zona rural em todo o estado.
O estado anunciou que investiu mais de R$ 2,5 milhões e inaugurou uma unidade do Corpo de Bombeiros em Poconé, para atuar em caso de incêndios no Pantanal. Também foram gastos R$ 3,5 milhões para aquisição de materiais e equipamentos para ações de combate aos incêndios.
Monitoramento
Imagens mostram o mesmo ponto do Pantanal em 2020 com as queimadas e em 2021, o bioma mostrando o poder de resiliência.
Lucas Lélis
Entre as medidas adotadas, o governo sul-matogrossense renovou a parceria com o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA), ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O LASA possui um sistema de alerta de queimadas chamado “Alarmes”, usado pelo governo de Mato Grosso do Sul desde o ano passado e que foi atualizado para ficar mais ágil e preciso. A nova plataforma combina inteligência artificial com imagens de satélites da Nasa, agência aeroespacial dos Estados Unidos, e de focos de calor para identificar novas áreas atingidas pelo fogo.
O monitoramento diário da localização e da extensão das áreas queimadas permite, por exemplo, acompanhar a velocidade de propagação do fogo.
Do lado do Mato Grosso, o estado informou que também intensificou, desde o início do ano, o monitoramento por satélite de todo o território para identificar alterações de vegetação e focos de calor com rapidez.
Brigadistas
Em 2020, brigadistas foram essenciais no combate ao fogo.
Reprodução
Outra medida foi reforçar a linha de frente com o treinamento de brigadistas. “Um dos grandes problemas no ano passado foi o tempo de resposta no combate aos incêndios florestais. Este ano, estamos com um tempo de resposta mínimo, tanto pela quantidade de profissionais que estão in loco como pela antecipação de queimadas”, disse Verruck.
Se em 2020, Mato Grosso do Sul contou com uma força de combate aos incêndios florestais com cerca de 300 pessoas, agora, no segundo semestre de 2021, este efetivo quadriplicou. Aproximadamente são 1200 pessoas, entre bombeiros de Corumbá, a força-tarefa com militares recém treinados, 95 brigadistas do Prevfogo, 200 voluntários capacitados pelo órgão, mais os voluntários e brigadistas orientados pelas ONGs e o Senar/MS.
O diretor regional do Prevfogo em Mato Grosso do Sul, Márcio Yule, disse ao G1 que o efetivo no estado deve aumentar de forma tímida, em 4 pessoas, passando de 91 para 95. “Ainda não temos a autorização do Ibama para contratarmos por um período maior de dois anos, ininterruptos. Não há previsão orçamentária para isso. Então, temos os brigadistas do Prevfogo apenas por estes meses [julho a dezembro]”.
Com as restrições orçamentárias, Yule diz que a formação dos voluntários é essencial para o combate do fogo e o Prevfogo e o Ibama atual de forma direta na educação destas pessoas.
Durante os incêndios de 2020, Yule relembra que Mato Grosso do Sul chegou a receber brigadistas de outros 13 estados brasileiros. A partir daí, o combate às chamas passou a ser feito pela terra e pelo ar, com apoio de militares e aeronaves de outros estados, como Paraná e Santa Catarina e de várias esferas do poder público.
O sargento Adalto de Oliveira Campos estava lá. Com 23 anos como bombeiro em Mato Grosso do Sul, ele era um dos mais experientes no trabalho de combate a incêndio florestal. Registra na memória, em fotos e vídeos momentos de emoção por fazer um trabalho de fundamental importância para moradores da região, para os bichos, para os governantes.
“As maiores dificuldades enfrentadas estavam no difícil acesso, a comunicação com aeronave, os terrenos acidentados em que o fogo se encontrava, como morraria, regiões alagadas, vegetação alta, matas fechadas” explica o sargento, destacando que são essas as situações levadas em consideração na hora de apagar as chamas.
Momento de agradecer e pedir proteção
Adalto Oliveira/Arquivo Pessoal
“Tivemos de evacuar e orar pra Deus, para encontrar a tempo um lugar para tentar ancorar. Graças a Deus conseguimos sobressair. Já tivemos várias vezes de fugir do fogo, isto, no meio do Pantanal. O vento vira e não tem onde ancorarmos, lembra Adalto, que, além do enfrentar as chamas, passou pela morte da avó e pela Covid, ambas situações em trabalho.
Organizações não-governamentais também ajudam de forma frequente com a capacitação de brigadistas voluntários. A entidade Ecologia e Ação (Ecoa), atuante no Pantanal sul-mato-grossense, é uma delas.
Uma das estratégias, de acordo com o presidente da instituição, André Siqueira, é a criação de pequenas brigadas formadas moradores locais. O objetivo é diminuir o tempo de resposta para controlar o fogo. Com isso, eles protegem as próprias casas e param o alastramento do incêndio, diminuindo, incluindo, a necessidade do deslocamento de grandes equipes.
“As comunidades locais são fundamentais para manutenção à conservação do bioma e populações tradicionais. A gente capacita, forma e instrumentaliza esses grupos. Os esquadrões são compostos por 7 a 15 pessoas, que têm a capacidade de fazer leituras das queimadas com seus vizinhos de propriedades e agirem como primeira resposta ao combate”, explica Siqueira.
Brigadistas trabalham dia e noite para conter o fogo no Pantanal de MS
O coronel aposentado da Polícia Militar Ângelo Rabelo, que preside uma das principais ONGs que atuaram na linha de frente contra os incêndios no ano passado, o Instituto Homem Pantaneiro (IHP), lembra que viveu um dos piores momentos no ano de 2020, com 90% das áreas, reservas particulares e também os parques queimados, além das perdas expressivas de biodiversidade e comprometimento da saúde das pessoas que moram no entorno do Pantanal.
“Isso nos levou a uma grande mobilização para estarmos melhor preparados neste ano de 2021 e através da participação da sociedade, empresas, parceiros, conseguimos constituir uma brigada, que está trabalhando desde fevereiro nessa região da Serra do Amolar até a região do Porto Jofre”, afirmou o coronel.
O Corpo de Bombeiros de Mato Grosso (CBM-MT) já capacitou 158 moradores e trabalhadores que vivem na região do Pantanal sobre as técnicas e ações preventivas de combate aos incêndios florestais. Os ciclos de treinamento foram realizados por equipes de militares do 1° Pelotão Independente CBM da cidade de Poconé, a 104 km de Cuiabá.
Outras medidas
Animais foram afetados drasticamente pelas queimadas no Pantanal.
Reprodução
Além das ampliações de recursos humanos e aportes financeiros, Verruck citou outras medidas adotadas. Ele disse que as 240 pontes que dão acesso as várias regiões do Pantanal sul-mato-grossense estão protegidas, reforçadas e reformadas. “Muitas estradas e pontes queimaram no ano passado. Com isso, o acesso as áreas ficou extremamente prejudicado, nós reformamos”.
Em abril foi lançado o plano de prevenção e combate a incêndios no Pantanal, pelo governo do estado. A iniciativa previa, por exemplo, que equipes dos bombeiros se deslocassem para as localidades de Rio Negro, Alto Paraguai, Paiaguás e Nhecolândia para reconhecimento das áreas quanto a acessos, pontos críticos e construção de aceiros para proteger as pontes de madeira.
Além disso, foi formalizado também o Grupo de Resgate Técnico Animal Cerrado Pantanal. A unidade foi criada emergencialmente em 2020 e com a oficialização vai coordenar as ações de resgate e atendimento aos animais silvestres vítimas de desastres ambientais no estado.
Durante os incêndios, combater as chamas é como “lutar” com as situações “humanas”. Os bombeiros conviveram de perto com o sofrimento dos bichos e cabia a eles fazer o resgate, cujo tempo-resposta era fundamental para a sobrevivência destes e consequentemente, de toda a fauna.
Alguns animais conseguiram ser resgatados, outros não. As queimaduras deixaram os bichos pantaneiros mais debilitados. Em de decorrência das chuvas e acumulo de fumaça, aeronaves nãos conseguiram aterrissar para ter acesso à fauna.
Um dos símbolos do que o fogo fez com a fauna pantaneira foi a onça macho que recebeu o nome de Joujou. Com diversas queimaduras, principalmente nas patas, o felino chegou para tratamento no Centro de Reabilitação Silvestres (Cras), em Campo Grande, dia 4 de novembro de 2020.
Onça sobrevivente das queimadas no Pantanal volta à natureza
Governo de MS/Divulgação
No dia 21 de janeiro, já curada e com 87 quilos a mais, a onça foi solta na Serra do Amolar, exatamente na mesma região em que foi encontrada queimada. O animal foi deixado com chip para monitoramento.
O pesquisador da fauna pantaneira Walfrido Thomas comenta ainda que como o Pantanal é um ecossistema muito resiliente, já está em processo de recuperação. “Todos os animais que vivem na área queimada foram de alguma forma afetados. Isso serve para dar a magnitude do impacto potencial dos incêndios, mas não a dimensão, que seria medir exatamente esse impacto. Esse número contém os animais que morreram diretamente pelo fogo, indiretamente pela falta de alimentos, abrigo e predação, bem como os que, mesmo tendo sobrevivido, sofreram algum efeito negativo após o fogo”, comenta.
Fogo com fogo
Pedaço de terra que mostra o solo em combustão natural, no Pantanal.
Reprodução
Uma das iniciativas que ganha espaço para evitar ou controlar os incêndios florestais em Mato Grosso do Sul é o uso do próprio fogo para controlar as queimadas, por meio do Manejo Integrado (MIF).
O secretário estadual de Meio Ambiente explica que a prática consiste em analisar a biomassa, o material que está sujeito a queimar em determinado local, e colocar fogo nessa matéria orgânica de maneira controlada, antecipadamente. Dessa forma se elimina o material que pode alimentar um foco de incêndio descontrolado.
“O estado identifica algumas áreas de risco, assim o produtor poderá fazer o manejo. O produtor rural pode identificar que uma área e apresentar uma solicitação de autorização dessa queima controlada acompanhados por um órgão ambientação”, explicou o secretário.
Diante da premissa das entidades ambientes, há uma fiscalização, para que as proporções não saiam do controle. Este manejo já vem sendo executado desde janeiro de 2018 na reserva indígena Kadiwéu, por meio do projeto Noleedi, iniciativa desenvolvida pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e o Prevfogo.
A reserva indígena possui cerca de 540 mil hectares localizados em Porto Murtinho, no sudoeste de Mato Grosso do Sul. O estudo tem como objetivo estudar o efeito do fogo e dos diferentes regimes de inundação na fauna e na flora do Pantanal.
Brigadistas usam o fogo para combater o fogo, em MS.
Divulgação / SSP-Ba
Segundo o coordenador do projeto e professor do Instituto de Biociências da UFMS, Danilo Bandini Ribeiro, já foi possível avaliar o impacto do manejo integrado no controle dos incêndios ilegais que ocorrem na região, sendo possível notar a redução na quantidade de queimadas e também dos focos de calor.
“Além disso conseguimos notar uma diminuição da dependência do clima do fogo. Porque existe um padrão, quanto mais quente e seco, mais incêndio. Esta dependência diminuiu quando a gente começou a manejar o fogo na terra indígena”, explicou ao G1.
Conforme o coordenador, o manejo do fogo consiste em usar o conhecimento tradicional aliado com conhecimento científico para manejar principalmente o combustível que é a mata de vegetação seca que fica na região e pode causar os incêndios. “A principal tarefa é manejar a carga de combustível, pois estamos em um ambiente dependente do fogo como é o caso do Pantanal e do cerrado”, finalizou.
‘Onde o fogo passou foi tragédia’: Mais vítimas
Ribeirinhos
Leonilda mostra como nível do rio Paraguai já está baixo esse ano; o local em que ela está na foto, nas margens do rio em Barra do São Lourenço já estaria alagado em uma situação normal nesta época do ano
Leonilda Ares/Divulgação
Junto com o marido, Leonilda Ares, ribeirinha na região de Barra do São Lourenço, olha com desolação para a paisagem ainda em processo de recuperação. “O nosso futuro está muito duvidoso, as coisas estão muito complicadas”, comenta, completando que a situação já fez várias famílias abandonarem o local e irem para a cidade.
Ela se emociona quando lembra que algumas casas da comunidade chegaram a ser atingidas pelas chamas dos incêndios e do esforço que foi feito para impedir que o fogo se espalhasse. “Em toda a nossa vida, nós nunca vimos uma situação com fogo tão ruim como esse ano que passou. Muitos animais se perderam. Muitos peixes morreram nas bacias, nos corixos, nos lagos e nos rios, pois todos praticamente ficaram secos”.
“Foram momentos de desespero. Achamos que não iríamos conseguir conter o incêndio. Nós lutamos com balde e com o que a gente tinha com apoio de outras pessoas como brigadas e bombeiros”, relembra Leonilda.
Com a forte estiagem que já atinge a região, Leonilda se preocupa em enfrentar novamente a catástrofe do ano passado. “Esse ano está muito seco e temos medo de outros incêndios. A gente fica nesse pânico. Aqui tá muito quente, chuva não tem e os rios secando. Fora os muito resíduos que tem para queimar”, conta, explicando que as 23 famílias que permaneceram na comunidade estão sendo capacitadas pelo Instituto Homem Pantaneiro para atuarem como brigadistas.
Na região da Baía Negra, a 25 quilômetros de Corumbá, a produtora rural Julia Gonzáles, de 62 anos, diz que muitas pessoas estão passando por dificuldades também e dependem das doações de organizações não governamentais e do trabalho de voluntários.
Julia conta que não sabe de onde tirar a comida para por na mesa, pois a “roça” que plantava foi destruída pelo fogo no ano passado e agora, como a nova seca, as plantações não brotam. “A sensação é de tristeza, porque a gente estava acostumado ter armário cheio, fartura, como batata- doce e mandioca da roça e hoje não tem nada”, lamenta.
Milho que a ribeirinha Júlia Gonzáles plantou este ano não se desenvolveu por causa da seca e roça foi tomada pelo mato
Júlia Gonzáles/Arquivo Pessoal
Indígenas
Queimada que ocorreu em 2020 próximo a ilha Ínsua onde vive a comunidade Guató
Sesai/Divulgação
Segundo o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais, os incêndios destruíram no Pantanal no ano passado 261,4 mil hectares de terras indígenas em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Foram atingidas a Baia dos Guatós, Cachoeirinha, Guató, Kadiwéu, Perigara, Taunay/Ipegue e Tereza Cristina.
Na aldeia Guató, que está localizada a cerca de 300 quilômetros de Corumbá e onde vivem cerca de 40 famílias, o cacique Oswaldo Correia da Costa, diz que o fato da comunidade viver em uma ilha, a Ínsua e o trabalho de prevenção feito pelos próprios moradores, com apoio de brigadistas e bombeiros, reduziu os impactos das queimadas, mas que a seca teve consequências mais severas.
Com a redução do nível do rio que cerca a ilha, o acesso da comunidade, antes feito por barco, passou a ser feito somente por trilha. Além disso, os moradores passaram a ter muita dificuldade para pescar e para sobreviver começaram a plantar próximo as margens do rio, que tem uma área mais úmida.
Com nível do rio Paraguai muito abaixo do normal, Guatós desciam de barco para andar no meio do leito buscando bancos de areia que pudessem atrapalhar a navegação dos poucos barcos que ainda chegavam a aldeia
Oswaldo Correia da Costa/Arquivo Pessoal
Produtores
Assim como os ribeirinhos, grandes produtores rurais da região também sofreram com os incêndios. Muitos, como o pecuarista Carlos Augusto de Oliveira Botelho, de 70 anos, chegaram a participar diretamente do combate ao fogo.
Ele possui propriedades em Corumbá, próximo a região de fronteira com a Bolívia e assim que soube do fogo, ficou intercalando entre as fazendas que possui na região. Botelho comenta que se lembra, exatamente, do cenário de destruição nestes locais.
“Fiquei sabendo dos incêndios tanto pelo meu gerente como pela televisão. Na época, saí de Goiânia imediatamente, peguei um voo e fiquei lá em meio aos brigadistas. Tive prejuízo grande de gado e de animais, mas o que é incalculável é o prejuízo ambiental”, lamentou.
Pecuarista Carlos Augusto de Oliveira Botelho participou diretamente do combate aos incêndios em sua propriedade, dando apoio a brigadistas e voluntários
Carlos Augusto de Oliveira Botelho/Arquivo Pessoal
Além de pecuarista, Botelho também é empresário e biólogo por formação. Para este ano, o pecuarista fala que as perspectivas também não são boas e por isso estão fazendo um aceiro nas cercas, que é uma medida para conter a propagação do fogo nas pastagens.
“Estamos fazendo o aceiro para o fogo não pular. Infelizmente, para este ano, a perspectiva é muito pior, porque o tempo está muito seco. Eu cheguei ontem lá da fazenda e daqui a alguns dias vou novamente. Lembro da ponte que vai para lá, no morro azul, estrada da manga”, relembrou.
“A gente viu ela queimar e não podia fazer nada. Jogamos água, água, mas, não adiantou. Onde o fogo passou foi tragédia”, lamentou pecuarista.
O também pecuarista José Benedito de Arruda Boabaid, de 72 anos, conta que teve incalculáveis prejuízos na propriedade, uma herança de família comandada por ele há 6 décadas e que foi cerca de 80% queimada na região do Paiaguás, em Corumbá.
“A minha fazenda fica bem na divisa de Mato Grosso do Sul com Poconé, no Mato Grosso. Quando cheguei, o fogo já estava incontrolável e onde ele passava foi uma tragédia. Acabou com meu pasto, acabou com o gado e o mato, depois, começava a querer brotar, só que não tinha chuva”, detalhou.
Durante o período de combate, Boabaid conta que ficou impressionado diversas vezes. “Foram vários momentos que não esqueço. Um deles é quando o fogo pulou uns 50 metros de distância. Acho que foi um redemoinho de vento e, com isso, estou me precavendo este ano, comprando bombas, colocando energia solar, já que a seca parece estar vindo novamente este ano”, ponderou.
Cidadãos de cidades pantaneiras conviveram com a fumaça
Cidade de Corumbá encoberta pelas queimadas do Pantanal em agosto de 2020
Cristiano Gomes/TV Morena
Corumbá, a 425 quilômetros de Campo Grande, está localizada dentro da região do Pantanal sul-mato-grossense. A cidade também foi impactada pelas queimadas que atingiram o bioma no ano passado. Durante o período mais crítico dos incêndios, uma camada de fumaça provocada pela queima da vegetação encobriu o município.
Segundo a gerente de Atenção à Saúde de Corumbá, Patrícia Daga, houve um aumento de cerca de 30% nos atendimentos de idoso e crianças com problemas respiratórios nas unidades de saúde em razão da fumaça das queimadas.
Patrícia diz que todos os anos Corumbá sofre com o tempo seco e as queimadas, porém 2020 foi excepcional e provocou o aumento na procura pelos postos de saúde. “Nós tivemos, principalmente, um aumento nos grupos das crianças e dos idosos, que precisaram muito dos serviços de saúde, sempre apresentando problemas respiratórios, como irritação na garganta, nos olhos e falta de ar”, conta a especialista. Veja o vídeo da explicação dela abaixo:
Gerente de atenção a saúde fala sobre aumento de atendimentos durante a queimada
A gerente diz ainda que, por conta da grande quantidade de fumaça que tomou conta da cidade aqueles que já possuíam problemas respiratórios viram seus quadros se agravarem e que muitos outros começaram a desenvolver uma dificuldade antes inexistente.
“A gente orientava sempre as pessoas a deixar os ambientes o mais úmidos possível, quem tem umidificador deve usar ou se não tem, colocar uma bacia com água, ou uma toalha com água no interior da casa. Tudo isso porque quanto mais úmido estiver o ambiente, melhor fica para respirar”, explica.
Responsabilidades
Queimadas também foram de responsabilidade humana, diz MPs
GOV-MS/Reprodução
Relatório técnico publicado em abril deste ano pelos ministérios públicos estaduais de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso (MPMS e MPMT) classificou como “impressionante” que boa parte dos incêndios tenha se originado em somente 286 locais, destes 152 em propriedades privadas (registradas no Cadastro Ambiental Rural – CAR), 80 em áreas indígenas, 53 e áreas não identificadas e apenas 1 em unidades de conservação.
Além dos dados iniciais, o estudo sugere:
4,5 milhões de hectares atingidos pelo fogo em 2020;
21 municípios afetados;
2.058 propriedades rurais, 16 unidades de conservação e 6 terras indígenas atingidas;
57,7% dos focos de incêndio se originaram em propriedades privadas;
333 propriedades apontadas como prioritárias para conter o fogo.
Polícias
Segundo a Polícia Militar Ambiental de Mato Grosso do Sul (PMA), em 2020 foram autuadas 56 pessoas físicas e jurídicas por incêndios em áreas rurais do estado. Esse número representa um crescimento de 250% frente aos 16 de 2019. Veja mais dados:
12 autuações, o equivalente a 16,6% do total, foram em municípios do Pantanal;
Aplicados R$ 65 mil em multas pela destruição de 64,51 hectares;
Valor representa 1,02% das penalidades aplicadas pela PMA por incêndios ilegais em 2020;
O total chegou que a R$ 6,324 milhões e a 1,15%.
A Polícia Militar Ambiental passou a fazer visitas periódicas para investigar as queimadas no Pantanal.
Reprodução
O secretário estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul disse que somente em 30% dos locais que foram fiscalizados pela PMA foi possível identificar e autuar o responsável pelos incêndios ilegais.
A Polícia Federal também investiga queimadas florestais criminosas na região. Uma operação, inclusive, foi realizada em setembro do ano passado, “Mataá”, para apurar um incêndio em uma das regiões mais preservadas da região, perto do Parque Nacional do Pantanal, na divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o fogo teria começado de forma criminosa, dentro de uma fazenda, segundo a corporação.
De acordo com a PF, foram instaurados quatro inquéritos policiais com o intuito de investigar as queimadas que aconteceram no Pantanal no ano de 2020. A Polícia Federal aponta que os inquéritos estão apurando crimes como:
Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção (1 a 3 anos de detenção);
Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação (1 a 5 anos de reclusão);
Provocar incêndio em mata ou floresta (2 a 5 anos de reclusão);
Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora (1 a 4 anos de reclusão).
A PF ressalta ainda que intensificou os esforços no combate aos crimes ambientais nos últimos anos e destaca uma maior presença no bioma com o apoio da PMA, além do desenvolvimento e capacitação de Policiais Federais na utilização de ferramentas que utilizam imagens satélites como forma acompanhar eventuais danos ambientais na região.
Segundo o Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (PRMS), “Não foram apresentadas denúncias até o momento, já que os inquéritos instaurados em razão das queimadas do ano passado de competência federal ainda não estão concluídos, com pendência de perícia. As investigações ainda possuem sigilo decretado.
Por sua vez, a Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Sistema Famasul), aponta que a instituição e o Senar/MS, atuam de “forma conjunta orientando e capacitando produtores, trabalhadores rurais e outros profissionais que desempenham funções no campo, com o intuito de prevenir e combater incêndios em áreas rurais e minimizar impactos sociais e econômicos, protegendo a fauna e flora, bem como a integridade de pessoas”.
A instituição ressalta também que, por meio dos 69 sindicatos rurais, faz constante alerta e promove atualização e treinamento de técnicos de campo, prestadores de serviço e demais parceiros. A Famasul diz ainda que se antecipa de forma enérgica, fazendo parte de grupos de trabalhos, comissões e comitês de meio ambiente e realizando campanhas de conscientização e prevenção, anualmente, além de outras parcerias que permitem o alcance de um público ainda maior.

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