Crise é uma soma da seca meteorológica — com déficit pluviométrico que chegou a 77% em média em julho — associada a uma seca agrícola, resultante de solos muito ressecados e temperaturas acima do normal desde abril. Rachaduras são vistas em uma parte seca do leito do rio Loire em Ancenis, oeste da França, nesta terça-feira (11), conforme as condições de seca prevalecem em grande parte do oeste da França
Sebastien Salon-Gomis/AFP
A exemplo do que já foi observado nos dois últimos anos, o verão de 2020 na França é marcado pela seca, com as ondas de calor que invadem o país agravando ainda mais a crise de fornecimento de água. Ao todo, 72 departamentos estão em estado de alerta, de acordo com o site oficial Propluvia, e 146 decretos municipais ordenam ou incentivam a economia de água.
Com um déficit pluviométrico que chegou a 77% em média em julho, três quartos do território francês são afetados pela escassez de água. A crise atual é uma soma da chamada seca meteorológica – forte déficit de chuvas – associada a uma seca agrícola, resultante de solos muito ressecados e temperaturas acima do normal desde abril. O instituto Météo-France aponta que o mês de julho teve o verão mais seco em 60 anos.
A seca se tornou tão regular que começa a ameaçar não somente a sustentabilidade da atividade agrícola, mas também os pastos e, consequentemente, a criação de animais. Sem acesso às quantidades ideais de água, os criadores se veem divididos entre realizar grandes deslocamentos em busca de outras fontes naturais ou utilizar as redes convencionais de fornecimento, onerando drasticamente seus custos produtivos.
“Eu preciso bombear água, faço isso pelo menos oito ou nove vezes por dia. Geralmente nós temos alguma fonte, uma para cada propriedade de terra, que é suficiente para os animais. Mas agora, este ano, não há nada”, lamenta Yves Henri, que detém uma pequena propriedade na região de Creuse (sudoeste).
Com os pastos secos, os criadores são obrigados a antecipar o uso das reservas que seriam destinadas para alimentar seus rebanhos durante o outono. Como o custo da ração é elevado, muitos se veem obrigados a vender os animais antes do previsto.
Bombeiros combatem um incêndio em um campo de trigo em chamas durante a temporada de colheita em Aubencheul-au-Bac, na França, em 21 de julho
Pascal Rossignol/Reuters
O ano mais quente
Apesar disso, a Europa, no entanto, não é a região do mundo mais afetada pelas mudanças climáticas. “Há diversas áreas do mundo que são afetadas, mas de maneiras diferentes. Cada região tem suas fases de baixas ou altas de temperatura. Não podemos confirmar porque este ano ainda não terminou, mas 2019 foi um dos períodos mais quentes registrados desde que começamos a fazer os controles de temperaturas pela meteorologia”, revela o meteorólogo Guillauyme Séchet, especialista em fenômenos climáticos extremos.
Em sua opinião, é preciso saber fazer uma diferenciação entre as variações climáticas normais, como ciclones, secas, ondas de calor, frentes frias, e aqueles fenômenos realmente excepcionais, provocados pelo processo de aquecimento global.
“Uns são fenômenos que sempre observamos. Mas também é verdade que observamos mudanças em função do aquecimento global desde o final dos anos 1980. Existe uma tendência de agravamento desses fenômenos extremos, causando eventos que nós não conhecíamos”, ele explica.
São nas regiões polares que as oscilações climáticas mais acentuadas realmente ocorrem, ainda que não sejam observadas com facilidade por estarem congeladas de forma permanente.
“E como as temperaturas estão sempre mais elevadas que de hábito, as anomalias térmicas são mais altas nessas regiões, registrando também maiores consequências, como o derretimento das geleiras”, exemplifica Séchet, que é autor, entre outros, do livro “Météo extrême: Au coeur des phénomenes climatiques spectaculaires” (Ed. Hugo Image).
Vacas charolesas são vistas em um campo seco em uma fazenda no vilarejo de Saint-Nicolas, centro da França, na segunda-feira (10). A criação de gado charolês é praticada em prados naturais não irrigáveis e é totalmente dependente da chuva
Philippe Desmazes/AFP
Aquecimento subestimado
O especialista revela que sua maior preocupação é constatar que as projeções climáticas realizadas nos últimos anos estavam subestimadas em relação ao que realmente está acontecendo no que diz respeito ao aquecimento global, dificultando as avaliações sobre o que nos aguarda.
“De um lado, a redução cada vez maior das superfícies geladas vai refrescar cada vez menos a incidência dos raios solares. Com um aquecimento cada vez mais acentuado, o sol vai aquecer cada vez mais e derreter ainda mais as geleiras. Há também um problema nas regiões de terras sempre geladas, em que a redução do Permafrost vai liberar uma enorme quantidade de dióxido de carbono, contribuindo para acelerar o aquecimento global”, acrescenta.
Embora as catástrofes estejam se tornando mais frequentes e mais fortes, Séchet identifica e denuncia uma tendência midiática de atribuir a todos os fenômenos climáticos um status de exceção, o que geraria desinformação sobre o assunto.
“É preciso diferenciar as coisas: as variações climáticas sempre vão existir, e essas têm suas estações, suas regiões. Nós perdemos um pouco essa noção e tendemos a acreditar que tudo é um fenômeno recente, que tudo é ligado ao aquecimento global, mas isso não é verdade”, critica o especialista.
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