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Tarifas, investimentos, operações: entenda o que pode mudar na Sabesp com a privatização

Alesp deu aval ao projeto que reduz a participação acionária do governo de São Paulo na companhia. O caminho, entretanto, é longo: a desestatização ainda precisa ser aprovada pelos vereadores da capital paulista e também pode enfrentar ações na Justiça. O que pode mudar com a privatização da Sabesp
Divulgação/Sabesp
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou na semana passada o projeto de lei que prevê a privatização da Sabesp, em uma vitória simbólica do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) — que sancionou a lei já na última sexta-feira (8).
O texto de autoria do governo de São Paulo trata da redução da participação acionária do estado na companhia de saneamento básico. O objetivo é que o governo deixe de ser o controlador da Sabesp, alterando o regime jurídico da empresa de estatal para privado. (entenda mais abaixo)
Atualmente, o estado detém 50,3% das ações da companhia. A proposta, nesse caso, prevê a diluição dessa participação até uma fatia entre 15% e 30%.
Vale ressaltar que a aprovação na Alesp é apenas uma etapa de um processo mais longo. Mesmo com a sanção de Tarcísio de Freitas, o tema ainda precisa ser apreciado pela Câmara Municipal de São Paulo, já que a capital paulista representa 44,5% do faturamento da companhia.
Além disso, a mudança no controle acionário da Sabesp, uma das maiores empresas de saneamento básico do mundo, pode enfrentar ações na Justiça. A alegação da oposição é que o processo foi feito às pressas, e deveria ocorrer por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Na prática, o que pode mudar com a privatização Sabesp? Veja nas perguntas e respostas abaixo:
As tarifas vão aumentar?
Quais diretrizes a empresa terá de seguir?
A Sabesp irá mudar de nome?
Quais os impactos da privatização nas operações?
O que muda com a alteração de estatal para privada?
A Sabesp deve investir mais e captar mais recursos?
O que acontece com os contratos da Sabesp já em vigência?
Qual a diferença entre privatização e concessão?
A Sabesp pode ser reestatizada?
As tarifas vão aumentar?
O cenário ganhou ares de incerteza após Tarcísio de Freitas admitir, dias depois da aprovação do projeto na Alesp, que a conta de água pode subir mesmo com a privatização. A afirmação do governador representa uma mudança no discurso da gestão paulista, que vinha defendendo a desestatização justamente como forma de viabilizar a redução da tarifa.
Para o analista da Genial Investimentos Vitor Sousa, a tendência — até então — era de que não houvesse aumento tão cedo. Isso porque, com base no projeto aprovado, a privatização prevê a criação de um Fundo Especial de Despesa, um novo formato para subsídio de tarifas.
O fundo será composto por, no mínimo, 30% do valor líquido obtido pelo estado com a venda da Sabesp, além de dotações no orçamento estadual, de valores recebidos por meio de dividendos, entre outras fontes de recursos.
Para Sousa, esse montante deve ajudar a empresa a manter a tarifa dentro dos padrões atuais. Além disso, pode colaborar com o equilíbrio dos preços considerando diferentes regiões ou áreas de atuação — aquelas mais necessitadas ou menos.
“O fundo vai atuar exatamente nesses locais atendidos. À medida que o tempo for avançando, veremos quais formatações cada região vai ter”, explica.
Ele reforça que já existem mecanismos de diferenciação de cobranças, e que, nesse caso, o fundo é um novo elemento.
Já o professor Marco Antonio Rocha, do Instituto de Economia da Unicamp, pondera que os recursos poderiam ajudar a manter os preços inalterados em um primeiro momento, mas é algo que dependerá de sua sustentabilidade ao longo do tempo.
“No curto prazo, poderia haver certa redução da tarifa. Mas nós ainda não sabemos o volume real de capitalização desse fundo e o quanto isso significaria em termos de subsídio”, diz. O professor da Unicamp explica que, por isso, com o passar dos anos a tendência pode até ser contrária: de encarecimento.
“Uma empresa privada é exigida, por exemplo, em termos de distribuição de resultados. Já uma empresa pública é muito menos cobrada nesse sentido. É uma questão que pode criar problemas relativos à continuidade e à qualidade dos serviços, inclusive ao custo da tarifa”, afirma.
Quais diretrizes a empresa terá de seguir?
O texto aprovado na Alesp estabelece que a Sabesp deverá:
atender às metas de universalização de serviços de água e esgoto em todos os municípios atendidos pela companhia, incluindo áreas rurais e favelas;
antecipar a universalização do acesso a água e esgoto de 2033 para de 2029;
reduzir tarifas, com foco na população mais vulnerável.
As metas de universalização já estão contempladas no marco do saneamento básico, sancionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2020.
O texto aprovado naquele ano, inclusive, acabou com a preferência das companhias estaduais na prestação de serviços de água e esgoto, uma vez que determinou que contratos sejam firmados por meio de licitação, abrindo portas para as empresas privadas.
As metas estabelecidas no marco são:
garantir que 99% da população tenha água potável em casa até 31 de dezembro de 2033;
e que 90% das residências tenham coleta e tratamento de esgoto até a mesma data.
Na prática, esses pontos não mudam muito. Uma das novidades é justamente a promessa do governo de São Paulo de que a universalização do acesso a água e esgoto será antecipada de 2033 para 2029, além da inclusão de áreas rurais e favelas no plano.
A Sabesp irá mudar de nome?
As novas regras, caso aprovadas, indicam que não. O projeto prevê uma golden share (um tipo de ação especial) ao governo estadual, o que significa que a companhia ainda terá poder de veto sobre determinadas decisões, como:
eventuais mudanças no nome da companhia;
tentativa de mudança de sede (ou seja, a Sabesp não poderá deixar o estado de São Paulo);
mudança de atividade (isto é, a companhia não poderá mudar seu objetivo social, de serviços de abastecimento de água e esgoto).
Em nota publicada após aprovação do projeto de privatização na Alesp, o governo de São Paulo foi categórico:
“A Sabesp continua em São Paulo, não muda de nome e não deixa de atuar no setor de saneamento básico.”
As regras não impedem, entretanto, que a companhia amplie seus investimentos e locais de atuação. Ou seja, com a privatização, a empresa poderá operar água e esgoto também em outros estados brasileiros.
Quais os impactos da privatização nas operações?
Especialistas ouvidos pelo g1 divergem sobre os reflexos da privatização nas operações e na execução dos serviços pela companhia.
Para Cláudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, o primeiro impacto desse processo passa pela melhoria da governança e pela questão regulatória.
“Normalmente, as empresas privadas são mais bem reguladas do que as públicas. Isso porque, em geral, há conflito de interesse. O regulador é estadual e a empresa pública é estadual. Então, é Zé regulando Zé. Isso é um problema adicional”, diz.
Vitor Sousa, da Genial, considera a execução o principal problema histórico da Sabesp — o que, na visão dele, tende a melhorar com a desestatização. “A empresa tem um endividamento sob controle. Tem capital aberto. Mas a companhia existe há mais de meio século e ainda não universalizou o serviço humano mais básico, de água e esgoto”, diz.
“À medida que você reduz custos e otimiza os investimentos, a empresa gera mais caixa, o investidor fica mais feliz e a companhia tende a alcançar a meta de universalização estabelecida no marco do saneamento”, continua.
Já Marco Rocha, da Unicamp, destaca a Sabesp como um exemplo de empresa pública de saneamento competente. Ele cita que a companhia atende, atualmente, 375 municípios, sendo 300 deles próximos de estarem 100% atendidos em acesso a água e 83% em serviços de esgoto.
“A empresa não apresenta um atraso no cronograma de universalização. Ela encara problemas que a universalização desse serviço enfrenta naturalmente no Brasil, como o déficit habitacional e de planejamento urbano”, diz.
Rocha se refere às moradias precárias e ao planejamento ruim de crescimento das cidades, o que dificulta o processo de viabilização de acesso a água e esgoto no país. Segundo o professor, são questões relacionadas a problemas sociais e que vão além das operações da companhia.
“Tudo isso cria uma certa margem que dificulta a universalização. E não é um problema de gestão ou de falta de recursos. É algo relacionado à transversalidade de temas sociais e políticos. O ente privado tem pouco a fazer em relação a isso”, afirma.
O que muda com a alteração de estatal para privada?
Na prática, o governo de São Paulo deixa de ser o controlador da Sabesp, mudando o regime jurídico da companhia de estatal para privado.
A participação em licitações para prestação de serviços a municípios também não muda, uma vez que o marco do saneamento já havia determinado que empresas públicas também entrem no certame.
“Assim, a Sabesp irá participar do mercado em igualdade de competição com as demais empresas privadas nas licitações”, explica a especialista em infraestrutura Ana Cândida de Mello Carvalho, do BMA Advogados.
A advogada ressalta que, internamente, a empresa não precisará mais de licitações para adquirir bens e contratar serviços. Cai também a necessidade de concursos públicos para contratação de funcionários.
Nesse sentido, Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B, acredita que a empresa pode ampliar seu potencial de contratação de gestores notáveis no mercado. Isso porque, na maioria dos casos, profissionais deixariam de atuar em empresas públicas devido às amarras e burocracias vigentes.
“Mesmo quando uma estatal tem uma administração razoavelmente boa, o gestor público está sujeito as regras do direito público, o que gera enorme desvantagem. Isso significa que você perde muitas pessoas excelentes”, diz.
“Já ouvi de muitos bons gestores: ‘Você não tem ideia do que é gerir uma empresa pública. O que demora um mês na rede privada, demora um ano na estatal’. Ou seja, por melhor que seja, você tem dificuldade de trabalhar”, continua o consultor.
A Sabesp deve investir mais e captar mais recursos?
A estimativa do governo de São Paulo é que a Sabesp aumente em R$ 10 bilhões os investimentos para antecipar a meta de universalização de saneamento.
A companhia já tem R$ 56 bilhões previstos até 2033. Caso a privatização se concretize, a estimativa é ampliar esses investimentos para R$ 66 bilhões, informou o Executivo estadual.
Nesse contexto, especialistas ponderam que captação de recursos não tem sido um problema para a empresa. O professor Marco Antonio Rocha, da Unicamp, lembra que a companhia tem financiado seu cronograma de investimentos com sua própria receita operacional.
“Em 2022, por exemplo, a Sabesp teve R$ 22 bilhões em receita operacional. De lucro, foram R$ 3,1 bilhões. Ou seja, são demonstrativos de que a empresa é rentável e funciona com uma margem de lucro considerável”, afirma.
Já para Frischtak, da Inter.B, a privatização tende a colaborar com a capacidade de investimentos da Sabesp. Isso porque as empresas privadas são mais “bem vistas” no mercado de capitais, uma vez que os riscos atribuídos a seus negócios costumam ser menores. Ele cita, nesse contexto, questões de governança.
“Como uma empresa pública sofre restrições fiscais e pertence ao Estado, a autonomia dela é relativa. Mesmo a Sabesp, que é uma gigante do saneamento, possui restrições que uma empresa privada não teria”, diz.
A mudança para empresa privada é um dos pontos que devem ajudar na captação de recursos, afirma Frischtak.
Na B3, a bolsa de valores brasileira, a previsão é que as ações da Sabesp sejam vendidas por meio de oferta pública, chamada de follow-on — tipo de operação em que uma empresa já tem ações na bolsa e oferece uma nova quantidade de papéis para os investidores.
O objetivo do governo de São Paulo é atrair um conjunto de investidores de referência, que detenham maioria das ações e foquem no longo prazo da companhia.
O que acontece com os contratos da Sabesp já em vigência?
Alguns dos 375 municípios atendidos pela empresa, incluindo São Paulo, têm legislação que prevê extinção de contrato caso a companhia de saneamento seja privatizada. Os acordos terão de ser revistos um a um, e o governo de São Paulo busca a renovação de contratos de prestação de serviço com os municípios até 2060.
Nesse sentido, Tarcísio de Freitas reiterou que irá conversar com todas as cidades atendidas pela companhia para construir uma substituição contratual e definir o plano de investimento de cada município, considerando que a adesão por eles é voluntária.
“Estamos tentando mostrar para cada um as vantagens, os investimentos que serão feitos nos próximos anos, como vai ficar para o cidadão daquele município, para que eles possam ter clareza”, afirmou.
Ana Cândida Carvalho, do BMA Advogados, explica que a maioria dos municípios que possuem contratos com a Sabesp faz parte da unidade regional de saneamento básico “URAE 1 – Sudeste”, o que prevê a negociação dos contratos com o Conselho Deliberativo do grupo.
“No entanto, embora a negociação com os municípios que compõem a URAE 1 possa ser coletiva, os aditivos de prorrogação do prazo também deverão ser celebrados com cada município no contexto da privatização”, explica, reforçando que isso acontece porque os contratos já foram celebrados individualmente com cada cidade.
Qual a diferença entre privatização e concessão?
Apesar de, muitas vezes, serem tratados como sinônimos, privatização é diferente de concessão.
Em termos simples, a privatização é caracterizada pela venda de uma empresa estatal ou de um bem público para a iniciativa privada. Ou seja, o Estado deixa de ser o dono ou gestor principal daquela companhia. Um dos exemplos é a mineradora Vale, privatizada em 1997.
Já a concessão ocorre quando o Estado transfere por um período específico de tempo a execução ou o gerenciamento de determinados serviços públicos. Nesse caso, o ativo continua sendo propriedade do governo. Um exemplo é a gestão dos aeroportos, como Congonhas, concedido em 2022.
A distribuidora de energia Enel, por exemplo, presta serviços no Ceará, no Rio de Janeiro e em São Paulo, e opera nos estados por meio de contrato de concessão junto à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
A multinacional de capital misto chegou a São Paulo em 2018, quando comprou 73% das ações da Eletropaulo, e recentemente tem enfrentado um cenário turbulento após o “apagão” na capital paulista com os temporais no início de novembro.
Na ocasião, o prefeito da cidade, Ricardo Nunes (MDB), chegou a pedir pelo cancelamento do contrato de prestação de serviço. A concessão da Enel para operar a distribuição de energia em 24 municípios da Região Metropolitana de São Paulo vence em 2028.
Vamos, então, à separação dos termos:
A Enel é uma empresa privatizada (oriunda da Eletropaulo), mas que opera por meio de concessões a distribuição de energia elétrica em municípios de São Paulo, do Ceará e do Rio de Janeiro.
Nesse sentido, a Sabesp pode seguir o mesmo caminho da Enel: se tornar uma empresa privatizada e com concessão para operar o sistema de água e esgoto — isso por meio de contratos com os municípios e unidades regionais.
“Concessão se refere, geralmente, ao serviço ou infraestrutura pública. Nesse caso, o Estado concede a utilização desse patrimônio para a iniciativa privada”, diz o professor Marco Antonio Rocha, da Unicamp.
Em definições jurídicas mais específicas, explica a advogada Ana Carvalho, a concessão é celebrada entre um ente público e um privado, enquanto o contrato firmado entre dois entes públicos (sendo um deles uma empresa estatal) é definido como contrato de programa. “Em essência, são equivalentes.”
“Os bens usados para a prestação dos serviços públicos — ainda que transferidos para o privado através de contrato de concessão — continuam sendo de propriedade do governo”, continua a advogada.
O mesmo acontece com a Sabesp em relação aos bens que ela recebeu dos municípios para prestar serviços de saneamento. “Enquanto isso, todos os demais bens da Sabesp permanecem com ela e são ativos avaliados e pagos pelo novo controlador no contexto da privatização”, conclui.
A Sabesp pode ser reestatizada?
Sim. De acordo com o professor Marco Rocha, o estado de São Paulo precisaria recomprar no mercado de capitais as ações da Sabesp, tornando o poder público novamente acionista majoritário com mais de 50% dos ativos da empresa.
“É um processo relativamente simples. O problema é que ele tem um custo da aquisição dessas ações”, diz Rocha.
O que tem ocorrido em processos recentes, diz o professor, é a inserção de algum dispositivo que torna essa recompra mais difícil. Geralmente, é utilizado o chamado “tag along”, mecanismo que prevê proteção a acionistas minoritários (que possuem menos ações) em caso de venda do controle de uma empresa.
Na prática, ele garante que os minoritários vendam suas ações a um valor que corresponda a pelo menos 80% do oferecido pelos papéis dos majoritários. Ou seja, os pequenos investidores podem se desfazer de suas ações com garantia de preços melhores, elevando o custo de recompra pelo Estado.
A possibilidade de recompra da Sabesp, portanto, dependerá da inclusão ou não de dispositivos ao longo do processo de privatização da companhia.
“Um exemplo mais drástico é a privatização da Eletrobras, recentemente. Nesse caso, a recompra foi blindada não só por esses dispositivos, mas também por um acordo de acionistas que limita os majoritários, impedindo esse processo. Isso também pode ocorrer com a Sabesp”, conclui.
Ana Carvalho, do BMA Advogados, reforça que a reestatização ainda teria que ser aprovada pelo Legislativo estadual. “Uma eventual nova troca de controle através da reestatização pode ser gatilho de aprovação legislativa em nível municipal, a depender das previsões legais de cada município envolvido”, diz.
A advogada explica que a reestatização também pode envolver apenas os serviços de saneamento nos âmbitos municipais, “mediante retomada dos serviços pelas cidades que hoje possuem contrato de programa com a Sabesp”.

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