Ministério Público cita depoimentos no pedido à Justiça de afastamento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele afirmou que declarações são ‘equivocadas’ e ‘com claro viés político’. Dois servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) disseram em depoimento ao Ministério Público Federal que desde 2019 o governo federal vem tomando medidas com o objetivo de fragilizar a fiscalização ambiental.
Entre essas medidas, eles mencionaram mudança de chefias, diminuição do número de fiscais, reduções orçamentárias e inviabilização da destruição de equipamentos de desmatadores.
Na segunda-feira (6), 12 procuradores da República pediram à Justiça Federal, em Brasília, o afastamento do cargo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
O ministro disse que as declarações dos servidores no depoimento são “genéricas e equivocadas com claro viés político a exemplo do que é a própria petição inicial”, segundo informou a assessoria da pasta.
Na última segunda-feira, o ministério havia divulgado nota na qual afirmou que a ação movida pelos procuradores “traz posições com evidente viés político-ideológico em clara tentativa de interferir em políticas públicas do Governo Federal. As alegações são um apanhado de diversos outros processos já apreciados e negados pelo Poder Judiciário, uma vez que seus argumentos são improcedentes”.
MPF pede afastamento de Ricardo Salles por desestruturar o Ministério do Meio Ambiente
O MPF acusa o ministro de improbidade administrativa, pelo que consideram “desestruturação dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente”. A ação tramita na 8ª Vara da Justiça Federal.
As informações foram prestadas por Hugo Ferreira Netto Loss, ex-coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama, e Renê Luiz de Oliveira, ex-coordenador-geral de Fiscalização Ambiental do órgão, em depoimento conjunto enviado à Justiça Federal.
No depoimento, Renê Luiz de Oliveira, ex-coordenador-geral de Fiscalização Ambiental, disse que as ações e declarações das autoridades geraram retração nos fiscais, que, segundo ele, ficaram com receio de retaliações.
“Para mim, existem três formas de uma força ser aniquilada. A primeira é tirar dinheiro. A segunda é desestruturar de alguma forma, como, por exemplo, não nomear cargos estratégicos ou nomear gente sem afinidade com a causa. A terceira é gerar constrangimento, fazer baixar a guarda de quem está na linha de frente — no caso, os fiscais. As declarações das autoridades criaram uma força antagônica que causa medo ou insatisfação, levando a um estágio de baixa autoestima e consequente baixa na produtividade. É o desestímulo de forma geral”, disse Oliveira, segundo o Ministério Público Federal.
Segundo o MPF, os depoentes informaram diversas ações que geraram a diminuição das ações de combate ao crime ambiental.
Um dos exemplos citado pelos procuradores foi uma “redução enorme” na destruição de maquinário de crimes entre abril e agosto de 2019, por medo de retaliações contra os fiscais.
Hugo Loss, segundo o Ministério Público, descreveu as movimentações para inviabilizar a permanência dos servidores em suas atividades.
“No curso das operações nas terras indígenas Ituna-Itatá, Apyterewa e Trincheira Bacajá a gente percebeu, pela imprensa, uma movimentação muito grande dos envolvidos nos ilícitos que a gente estava investigando junto ao Ministério do Meio Ambiente e à Presidência da República”, disse Loss no depoimento.
“A gente não sabia se essa movimentação era pela nossa saída, pela paralisação das operações, não sabíamos. Mas isso atrapalhou bastante. Começamos a ficar receosos e tivemos que blindar as operações”, completou Loss.
Os dois servidores foram exonerados dos cargos de coordenação em abril. Em 22 de abril, um grupo de 16 fiscais ambientais do Ibama encaminharam uma carta para a presidência do órgão pedindo a suspensão dos processos de exoneração dos servidores.
Segundo funcionários do Ibama, Renê Oliveira e Hugo Loss foram ameaçados de exoneração do cargo após a exibição de uma reportagem no Fantástico da megaoperação realizada pelo instituto para fechar garimpos ilegais e proteger as aldeias de quatro terras indígenas no Sul do Pará: Apyterewa, Cachoeira Seca, Trincheira, Bacajá e Ituna Itatá.
Segundo o Ministério Público Federal, com base no depoimento dos servidores, as seguinte medidas tomadas pelo governo federal enfraqueceram a fiscalização ambiental:
mudanças de chefia por pessoas com pouco conhecimento das atividades fiscalizatórias ou demora na definição dos cargos;
diminuição do número de fiscais;
reduções orçamentárias;
inviabilização de atividades estratégicas essenciais, como a destruição de maquinário;
processos conciliatórios em vez da imposição de multas;
limitação de horas em campo;
discursos das autoridades;
utilização de remoções com desvio de finalidade.
Pedido de afastamento
No pedido de afastamento, o Ministério Público Federal acusa o ministro Ricardo Salles de improbidade administrativa pelo que consideram “desestruturação dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente”.
Para o MPF, atos de improbidade foram praticados em quatro frentes:
Desestruturação normativa
Desestruturação dos órgãos de transparência e participação
Desestruturação orçamentária
Desestruturação fiscalizatória
Segundo os procuradores, a suposta desestruturação normativa ocorreu com a edição de decretos, despachos e portarias.
Eles ainda apontam desestruturação dos órgãos de transparência e participação por meio do que considera “desmonte” do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), das informações da página do Ministério do Meio Ambiente; por constrangimento ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pela “censura da comunicação institucional” do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Ainda de acordo com o MPF, houve desestruturação orçamentária a partir da redução de recursos para a fiscalização do Ministério do Meio Ambiente e desestruturação fiscalizatória pelo “desmonte” da fiscalização ambiental.
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