Economista-chefe do banco Credit Suisse avalia que a proposta que tramita no Senado é fundamental para o país conseguir manter o teto de gastos nos próximos anos. A economista-chefe do banco Credit Suisse, Solange Srour, acredita que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial vai funcionar como uma ponte até o fim do governo para que o país consiga lidar com os seus desequilíbrios fiscais.
A proposta, que tramita no Senado, cria mecanismos emergenciais de controle de despesas públicas para União, estados e municípios. Ela permite, por exemplo, a redução da jornada e do salário dos servidores, abrindo espaço nos orçamentos.
Se a PEC não for provada, Solange avalia que haverá um aumento da desconfiança entre os investidores, em relação ao rumo das contas públicas e à capacidade de o governo cumprir o teto de gastos nos próximos anos.
“Se a gente não aprovar a PEC Emergencial, vamos ter uma minicrise no Brasil, ainda que o cenário internacional esteja muito favorável”, afirma Solange. “Esse risco vai acabar empurrando o Congresso a aprovar a proposta.”
Economista-chefe do banco Credit Suisse, Solange Srour
Wilton Junior/Estadão Conteúdo
O G1 e a GloboNews ouviram economistas sobre os desafios para 2021. A seguir, os principais trechos da entrevista com Solange Srour, economista-chefe do banco Credit Suisse.
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Como será a recuperação da economia?
A recuperação da economia no final de 2020 se dará pela volta da normalidade da oferta. A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus foi abrupta, porque paralisou a oferta de uma forma nunca vista antes. Essa volta se dá pelo fato de as pessoas poderem retornar aos seus trabalhos, há uma movimentação, e isso já traz uma recuperação.
É claro que existe o fator do impacto fiscal. O país gastou 8% do PIB no combate ao coronavírus, com medidas de auxílio à renda, ao crédito e ao emprego. E isso está trazendo um impacto importante no segundo semestre. Então, o país teve uma recuperação expressiva no terceiro trimestre, depois do tombo no segundo. E no quarto a gente ainda espera algum crescimento diante desses dois fatores.
E para 2021, qual é o quadro?
Para o ano que vem, a questão é quão rapidamente a gente volta para a normalidade. Hoje, as expectativas são mais otimistas, com a aproximação da aprovação da vacina. Ela já vai ser aplicada no primeiro trimestre em vários países do mundo, mas para os grupos mais expostos, que é o pessoal de saúde e os mais idosos. E aí, no segundo e terceiro trimestres, para a população em geral. Com isso, a gente tem uma puxada de PIB mundial importante, que tem impactos no Brasil.
A volta da oferta vem com mais vigor ao longo do segundo e terceiro trimestre do ano que vem. Se o Brasil conseguir manter a credibilidade fiscal, a gente pode ter uma recuperação cíclica favorecida pelos juros baixos, pela volta do crédito e do emprego, ainda que os programas de sustentação do crédito, da renda e do emprego comecem a ser retirados.
Você vê esse cenário positivo mesmo que o país não consiga fazer uma aterrisagem com responsabilidade fiscal do Auxílio Emergencial para o Renda Cidadã?
Não, não vejo. O meu cenário base pressupõe a aprovação de uma PEC Emergencial no primeiro trimestre do ano que vem, depois da eleição na Câmara e no Senado. Essa PEC é super importante, não só para a criação do programa Renda Cidadã, mas para a manutenção do teto de gastos em 2022.
A criação do Renda Cidadã é importante por uma questão de lidar com o aumento da desigualdade social, principalmente no pós-Covid. A crise vai trazer impactos de médio e longo para o Brasil. E existe uma demanda por gasto social.
E o que deve puxar a recuperação?
A gente está saindo este ano de um programa de 4,5% do PIB, que foi o Auxílio Emergencial, para algo muito mais modesto, que é o Renda Brasil ou Renda Cidadã. Não é isso que vai ser o condutor do crescimento. O condutor do crescimento vai ser conseguir aprovar a PEC Emergencial, mantendo o teto de gastos até 2022 e 2023, mantendo as condições frouxas no mercado financeiro: um câmbio mais valorizado, uma taxa de juros mais baixa, e um aumento da confiança, que traz o investimento e o crescimento para o Brasil.
Então, é muito mais importante manter o teto para o crescimento, para as condições financeiras, do que criar um programa fora do teto que acabe ruindo com a confiança. O estímulo do ano que vem vai vir da volta da confiança, de juros baixos e da manutenção da inflação.
A inflação é um tema que preocupa para o ano que vem?
Me preocupa e muito. A gente tem uma inflação para o ano que vem que é de 3,9%. Não é nenhuma projeção de inflação super elevada. Mas é um tema preocupante, porque este ano tivemos um impacto muito relevante da depreciação do câmbio e da alta de commodities nos índices de atacado. E isso vai trazer o repasse para 2021, mesmo que a atividade não tenha uma recuperação extraordinária.
E a segunda questão, ainda mais importante, é a parte fiscal, porque ela impacta a inflação. Se a gente mantém a incerteza fiscal por muito tempo, se existem dúvidas de que o Brasil vai voltar para uma trajetória de sustentabilidade da dívida, esses choques de câmbio e oferta têm uma propensão a se espalhar mais para os preços da economia.
A gente viu muito isso em 2015. A inflação atingiu o patamar acima de 10%, porque esses choques se propagaram para outros preços, muitas vezes não relacionados aos choques primários de oferta, porque não havia um âncora fiscal. E o teto é hoje a nossa âncora fiscal.
Economista-chefe do Credit Suisse, Solange Srour
Wilton Junior/Estadão Conteúdo
O que leva vocês a acreditarem que o governo vai aprovar a PEC Emergencial? Dado que ele tem dificuldade em avançar na agenda de reformas fiscais…
Eu não vejo a PEC Emergencial como uma reforma. Na verdade, ela é uma ponte, a única ponte que a gente tem para chegar até 2023, sem sofrer uma verdadeira crise de confiança.
Sem a PEC, vai ser impossível manter o teto em 2022. Em 2021, já vai ser muito difícil, mas a gente conseguiu o acordo com estados e municípios, o governo não vai dar aumento de salário para funcionalismo público, então ainda é possível em 2021. Mas o país precisa discutir como manter o teto em 2022, no ano de 2021. Por isso que não vejo como uma reforma. Na verdade, a gente não tem uma alternativa.
No final, o que faz o governo aprovar a PEC Emergencial é que a alternativa é uma situação muito ruim para a economia, uma situação de câmbio depreciado, uma inflação mais alta, queda de PIB com a puxada da taxa de juros longa… Muito provavelmente o Banco Central terá de subir mais fortemente a Selic no ano que vem.
Qual será o cenário no caso de uma não aprovação da PEC Emergencial?
Se a gente não aprovar a PEC Emergencial, eu acredito que a desconfiança vai voltar, assim como aconteceu há poucos meses, quando teve a história dos precatórios, de dar um furo no teto. Vimos o câmbio desvalorizar, as taxas de juros longas no mercado subirem muito.
O Tesouro teve dificuldade de rolagem (trocar dívidas antigas que vencem por novas), mesmo encurtando o prazo. Se a gente não aprovar a PEC Emergencial, vamos ter uma minicrise no Brasil, ainda que o cenário internacional esteja muito favorável. Esse risco vai acabar empurrando o Congresso a aprovar a proposta.
Eu digo que ela não é uma reforma, porque ela tem medidas temporárias. Todas as medidas de contenção de gastos são válidas por dois ou três anos, no máximo.
E a agenda de reformas, quando deve sair?
No começo do próximo governo, a gente deve ter uma agenda forte de reformas, principalmente a reforma administrativa porque, assim como a da Previdência, ela é muito importante, porque traz uma economia no médio prazo e espero, também, no curto prazo.
Se a reforma administrativa só trouxer economia de muito longo prazo, não vai resolver o problema da credibilidade. Com isso, eu estou dizendo que não vejo a reforma administrativa que foi mandada sendo aprovada nos próximos dois anos. Só vejo no início de um próximo governo e valendo, em algum grau, para os atuais servidores para poder trazer economias importantes e ajudar a trazer essa trajetória da dívida para um nível mais baixo.
Qual é a projeção para o mercado de trabalho em 2021?
O Brasil adotou medidas muito importantes de sustentação do emprego, que vão fazer a situação ser menos dramática do que poderia ser. Todas as medidas adotadas para redução de jornada e afastamento temporário evitaram que a situação fosse mais agravada com o fechamento de empresas e postos de trabalho.
Com a retomada da oferta, essas medidas de sustentação de emprego saem, e o mercado retoma lentamente. O desemprego vai subir, porque é a recuperação mais demorada. Mas a gente tem boas notícias. Você pega os dados do Caged, a contratação formal, está vindo mais forte que o esperado, assim como está vindo mais forte do que o esperado o consumo, a produção industrial, enfim, a parte da construção civil.
E como a economia chega em 2022?
Na verdade, a base de comparação é muito baixa. A minha projeção é de 4,1% para o ano que vem. Pode parecer um número muito forte, mas o carrego estatístico é elevado, em torno de 2,5%, mas pode chegar a 3%. Ou seja, se a economia crescer 3% no ano que vem, é como se ela tivesse estagnada no mesmo patamar do final de 2020.
O desafio de crescer de forma sustentável pós-2021 é muito grande, muito elevado. E aí a manutenção do arcabouço fiscal é o mínimo necessário. Lembrando que o país fez a reforma da Previdência e nem por isso conseguiu crescer fortemente em 2019 e entrou neste ano com um ritmo gradual de recuperação, antes da crise do coronavírus.
Ou seja, é preciso avançar além da questão fiscal. A agenda fiscal está incompleta, por isso a reforma administrativa é tão importante, e outras reformas que foquem no gasto obrigatório. Mas para crescer é preciso fazer reformas que aumentem a produtividade. E aí o Brasil está muito atrasado, estamos discutindo, por exemplo, a reforma tributária há séculos. E ela nunca sai do papel de verdade.
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