Ministro diz que ‘queima controlada’ não foi permitida e, por isso, região tinha acúmulo de matéria orgânica que ajudou a disseminar as queimadas. ONGs dizem que destruição é causada por ação do homem e que resíduos só ajudam a piorar a situação. Onça-pintada que teve as patas queimadas foi resgatada no Pantanal de Mato Grosso no dia 11 de setembro de 2020
Ailton Lara
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, relacionou o aumento das queimadas no Pantanal à proibição do uso do fogo controlado e, consequentemente, a um acúmulo de matéria orgânica. Entidades que atuam na região rebatem o argumento e dizem que os incêndios que já destruíram mais de 12% do bioma estão relacionados à ação do homem.
Na terça-feira (15), Salles compartilhou um vídeo que circulou nas redes sociais e que foi usado para acusar brigadistas do ICMBio de provocar queimada criminosa. O ministro divulgou as imagens para defender que o uso controlado do “fogo frio” contra o acúmulo de matéria orgânica é uma técnica correta. Em entrevista à Rádio Bandeirantes, também na terça, o ministro repetiu a defesa da queima “preventiva”.
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“Quando você fica dois anos praticamente sem permitir a queima controlada, o uso do fogo frio, que é como eles chamam ali no Pantanal, para tirar o excesso de matéria orgânica que vai se depositando ao longo do tempo, quando você não permite que isso aconteça, e o fogo pega de uma vez como agora, o volume de massa queimando é muito maior”, disse Salles.
A proibição do uso do fogo controlado ocorre desde 2014 e vale entre 1º de agosto e 31 de outubro. No ano passado o período foi ampliado, com a autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), por causa das condições climáticas adversas que impediriam o controle das queimadas.
Vinícius Silgueiro, engenheiro florestal e coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), organização que atua na proteção do Pantanal, diz que a proibição do procedimento de queima de material antes da época de seca é uma causa de intensificação do problema, mas não a origem.
“Não há uma relação direta entre o acúmulo de matéria orgânica e a existência do fogo no Pantanal. Há uma relação com a intensidade do fogo, né, mas essa não é a causa principal. O acúmulo de matéria orgânica não é a causa principal dos incêndios”, afirma Silgueiro.
“A causa principal são as ações antrópicas (humanas). E aí, recentemente, nos últimos anos, a chuva tem ficado muito mais concentrada em alguns períodos do ano e regiões que deveriam estar alagadas, ainda alagadas ou úmidas, nessa época seca, elas já estão totalmente expostas e secas e com o acúmulo de matéria orgânica. Então, quando o fogo se alastra, essas áreas são atingidas e fazem com que o fogo tenha uma intensidade muito maior”.
Relação entre seca e desmatamento
A seca pantaneira está relacionada com outra área em destruição pelo desmatamento e pelas queimadas no Brasil: a Amazônia. Pesquisadores relacionam o aumento do fogo no Pantanal também ao desmatamento – é da floresta amazônica que vem a maior parte da umidade que alimenta o bioma do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, explicam. Os números confirmam o problema: as áreas de desmatamento aumentaram 34,5% no período de um ano, de agosto de 2019 a julho de 2020.
“Essa baixa quantidade de chuvas fez com que nós tivéssemos, este ano, a menor cheia dos últimos 47 anos. E, segundo as nossas estimativas, é bem provável que nós teremos também a maior seca desse mesmo período”, disse Carlos Padovani, da Embrapa.
A floresta lança no ar a umidade que é levada pelas correntes até esbarrar na Cordilheira do Andes. Volta, então, distribuindo chuva para toda a região que vai até o Sul do Brasil. Quando esse maciço verde começa a ser fragmentado, não lança tanta umidade assim e falta chuva no Centro-Oeste.
PF investiga origem do fogo
Além da falta de chuva, a Polícia Federal investiga a origem do fogo: cinco fazendeiros são suspeitos pelas queimadas que destruíram 25 mil hectares do Pantanal de Mato Grosso do Sul, na região da Serra do Amolar, em Corumbá. Nenhum deles foi preso.
A operação Maitáá, que significa fogo no idioma guató, foi deflagrada nesta segunda-feira (14). Durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão, um dos fazendeiros foi preso em flagrante por posse irregular de arma de fogo e munições.
A suspeita é que os produtores rurais tenham colocado fogo em vegetação nativa para transformá-la em pastagem para criação de gado. “Você extrai a mata nativa, e aí fica a pastagem para o gado”, explicou o delegado da operação.
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Comparação com os incêndios na Califórnia
Durante a entrevista na terça-feira, Salles também disse que a queimada na Califórnia, nos Estados Unidos, “com certeza é muito maior do que o incêndio do Pantanal”.
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AP Photo/Eric Risberg
“Não sei mensurar o que está acontecendo na costa oeste dos Estados Unidos, mas com certeza é muito maior do que o incêndio do Pantanal. Tanto que você vê praticamente milhões de americanos se deslocando para fugir dos incêndios da costa oeste dos EUA. É um incêndio muito maior do que a proporção do Pantanal, só que o Brasil mais uma vez é colocado nesta exposição que o pessoal vai deixando a Califórnia de lado”.
Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace, explica que a comparação apresentada pelo ministro não pode ser feita.
“Aquela vegetação específica na Califórnia evoluiu com o fogo. Algumas espécies inclusive necessitam fogo para poder completar seu ciclo de vida, por exemplo, para as sementes perderem a dormência, isso é feito naturalmente pelo fogo”, explicou.
“Os jornais que eu consultei falam em torno de 3,5 milhões de acres afetados na Califórnia. Isso, convertido em hectares, dá em torno de 1 milhão e 400 mil. A título de comparação, e aí o ministro mais uma vez falta com a verdade, somente até o final de agosto no Pantanal, foram 1 milhão e 864 mil hectares perdidos, destruídos pelo fogo, isso sem contar esses últimos 15 dias em setembro”, completou.
Prejuízo à biodiversidade
Salles disse, no entanto, que a “queimada no Pantanal é muito forte” e admitiu os prejuízos à biodiversidade.
“De fato, o prejuízo à biodiversidade, a nossa fauna, ele é grande. A flora, a parte de vegetação, ela se recompõe. Inclusive, é da dinâmica de certos biomas que se recomponha. Agora não pode ser um fogo da proporção gigantesca que está sendo. Por isso que nós estamos combatendo”, disse.
De acordo com Silgueiro, a recuperação dita por Salles irá depender, claro, da redução da ação do homem nos próximos anos e também do tipo da vegetação. Segundo o engenheiro florestal, o Pantanal tem áreas de campos nativos, tem áreas de Cerrado, tem áreas de floresta, e cada um desses tipos de vegetação tem condições diferentes de regeneração.
“As estimativas do Instituto Nacional de Áreas Úmidas mostram que pode levar até 3 ou 4 décadas para que algumas áreas retornem às suas condições prévias aos incêndios”.
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