O subsolo do Afeganistão tem reservas estimadas em até US$ 3 trilhões em minérios como cobre, cobalto e lítio, fundamentais para a transição para uma economia verde. Foto de 2009 mostra soldados dos EUA no deserto do Afeganistão, cujo subsolo tem reservas estimadas entre US$ 1 trilhão e US$ 3 trilhões em minérios
Manpreet Romana/AFP
Ao tomar o poder político no Afeganistão após a partida dos EUA, o grupo radical islâmico Talibã passou a deter também o controle sobre uma riqueza mineral estimada em algo entre US$ 1 trilhão e US$ 3 trilhões.
Ao mesmo tempo em que é um dos países mais pobres do mundo – em 2016, mais de metade da população estava abaixo da linha da pobreza, segundo dados do Banco Mundial -, o Afeganistão possui extensas reservas de cobre, lítio, cobalto, ferro, ouro, que permaneceram relativamente intocadas nas últimas décadas, período em que o país esteve mergulhado em diferentes conflitos armados.
Entre 1996 e 2001, quando o Talibã governou a nação, sua principal atividade econômica foi a produção de papoula para extração do ópio, matéria prima para a fabricação de heroína.
O país era considerado um pária nas relações internacionais e comerciais. Agora, porém, as coisas podem ser diferentes.
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Não porque o Talibã, que tenta vender uma imagem mais moderada ao mundo, tenha efetivamente mudado de status no xadrez global.
Mas porque as condições de exploração e sobretudo o mercado desses minérios se alterou drasticamente nos últimos anos, impulsionado pela necessidade do mundo de se mover em direção à uma economia verde.
Recentemente, um relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas mostrou que os efeitos do aquecimento global têm se acelerado e que será preciso fazer mais para impedir uma catástrofe ambiental que ameace a sobrevivência humana na Terra.
Vai ser preciso mudar – e rápido – como produzimos e como consumimos.
E é exatamente por deter recursos necessários para essa mudança que o grupo islâmico pode ter uma janela de oportunidade.
Para Rod Schoonover, cientista especializado em mudanças climáticas e ex-funcionário de inteligência americana, o Talibã “não está só sentado sobre valiosas jazidas de pedras preciosas, mas de minérios centrais para a produção industrial mundial como o ferro e, especialmente, de parte dos recursos mais críticos no processo de transição econômico ambiental no século 21”.
Afinal, o que há no subsolo afegão?
Há centenas de anos, sabe-se que a região onde fica o Afeganistão é rica em minérios.
Mas foram os soviéticos, nos anos 1960 e 1970, quem primeiro mapearam a composição geológica do Afeganistão, resultado de uma série de colisões entre placas tectônicas que liberaram para a superfície terrestre partes do manto e do magma do planeta.
Entre os anos 2000 e 2010, o Centro de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos e o Centro Afegão de Pesquisa Geológica retomaram as análises soviéticas do solo e se lançaram a um extensivo inventário de cerca de mil minas e depósitos minerais ao redor do país.
Para fazer o levantamento, os pesquisadores contaram não só com o auxílio de satélites da Nasa, mas tiveram que ser levados às regiões pesquisadas a bordo de Black Hawks, os helicópteros militares americanos, e fazer suas escavações e coletas paramentados com trajes dos Marines e sob a vigilância de soldados armados.
Basicamente, todo o trabalho foi feito em zonas de guerra.
Isso explica porque, apesar da qualidade desses estudos, boa parte do conhecimento que se tem sobre as riquezas minerais afegãs ainda estão limitadas a estimativas e a realidade em solo pode ser ainda mais impressionante.
À época do estudo, o cientista americano Robert Tucker, que liderou a expedição no Afeganistão, afirmou à revista Scientific American que suas projeções sobre quantidades dos metais eram “conservadoras”.
O esforço gerou um mapa com mais de 800 milhões de pixels de dados – onde estariam potenciais reservatórios de minérios – o que corresponde a uma área de 440 mil quilômetros quadrados, cerca de 70% do país.
Os cálculos de Tucker e seu time indicam, por exemplo, que o país poderia produzir 60 milhões de toneladas de cobre.
Em 2021, a escassez do metal levou o preço a subir mais de 40% em relação ao valor de 2020 e afetou pesadamente a indústria automotiva, por exemplo, que não conseguia produzir por falta de peças feitas de cobre.
O cobre é ainda fundamental na produção de placas de luz solar e outras soluções sustentáveis.
Há ainda estimadas 2,2 bilhões de toneladas de minério de ferro, que, em 2010 valiam cerca de US$ 420 bilhões, e são a principal matéria prima do aço. Além de quase cem minas diferentes de ouro e prata.
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Mas a análise das rochas vulcânicas do perigoso deserto afegão mostraram também a existência de 1,4 milhão de toneladas de um grupo de 17 elementos químicos conhecidos como terras-raras, como o lantânio e o neodímio, que possuem incomuns propriedades catalíticas, metalúrgicas, nucleares, elétricas, magnéticas e luminescentes.
E depósitos de lítio em quantidades tão significativas que um documento interno do Departamento de Defesa dos EUA qualificou o Afeganistão como a “Arábia Saudita do Lítio”.
Nas estimativas das autoridades americanas, apenas na província de Ghazni, na porção sudeste do país, haveria reservas de lítio de tamanho equivalente às da Bolívia, onde está o maior depósito conhecido desse metal no mundo.
“Mas pode haver muito mais do que isso, só que não foi possível analisar, dada a insegurança no terreno”, explica Schoonover.
Um mercado em ebulição
Tanto as terras-raras quanto o lítio são fundamentais no desenvolvimento de produtos de alta tecnologia verde.
Eles são usados em celulares, televisores, motores híbridos, computadores, lasers e baterias de todos os tipos, incluindo os de carros elétricos.
Entre as terras-raras, há ainda algumas fundamentais para fazer supercondutores, ligas que conduzem energia com mínimas perdas presentes em diferentes indústrias.
Esses minerais são tão centrais para a economia atual que o Congresso americano os classificou como “críticos para a segurança nacional”.
“A crescente demanda por cobre, lítio e cobalto, em particular, está sendo impulsionada em grande parte pela transição para a energia verde.”, afirmou à BBC News Brasil Michaël Tanchum pesquisador do Instituto Austríaco para Europa e Política de Segurança e do Instituto do Oriente Médio, em Washington D.C.
Até 2030, os EUA planejam ter metade de sua frota automotiva composta por veículos elétricos (hoje são cerca de 2%). E em 2035, a União Europeia espera eliminar todos os carros com motor à combustão.
O que está escrito na bandeira talibã?
Em sua fabricação e funcionamento, carros elétricos demandam em média seis vezes mais minerais, como lítio e cobalto, dos que os convencionais.
Assim, é fácil entender porque, nos próximos nove anos, a projeção é que a demanda mundial por lítio aumente cerca de quatro vezes. Já a demanda por terras-raras deve quase triplicar até 2030.
Em maio, a Agência Internacional de Energia alertou que a produção de lítio, cobre, cobalto e terras raras precisa crescer drasticamente ou o mundo perderia a chance de combater o aquecimento global.
A entrada do Afeganistão no mercado também representaria uma bem-vinda diversificação de fornecedores.
Atualmente, apenas 3 países – China, Congo e Austrália – respondem por 75% da produção global de lítio, cobalto e terras-raras.
O fator China
“Não resta dúvida que as potencialidades econômicas para os afegãos da exploração desse subsolo seriam enormes e essenciais, mas se fosse assim tão fácil os próprios americanos já teriam começado a exploração.
É impossível criar condições de mineração industrial ao mesmo tempo em que se tenta desviar de balas”, afirma Schoonover.
Não apenas os sucessivos conflitos militares explicam o motivo pelo qual a riqueza mineral afegã nunca foi sistematicamente explorada.
O país não tem vias rodoviárias asfaltadas ou malha ferroviária capaz de escoar a produção.
Além disso, a atividade mineradora exige enorme quantidade de energia elétrica – recurso escasso em um país onde somente 35% da população têm acesso à eletricidade – e de água, também limitada e com distribuição precária no país.
Nessas condições, o pouco de mineração até hoje foi irregular e artesanal.
Todos esses problemas já existiam antes, mas agora, sem os EUA por perto, há também novas oportunidades.
“Em contraste com a primeira vez em que o Talibã chegou ao poder na década de 1990, a China, vizinha do Afeganistão, é agora uma potência manufatureira com alcance global. Isso muda a equação, já que o controle do Talibã sobre o Afeganistão agora chega em um momento em que há uma crise no fornecimento desses minerais no futuro próximo e a China precisa deles”, afirma Michaël Tanchum.
De acordo com Tanchum, se o Talibã oferecer aos chineses condições mínimas de segurança para a operação, é possível que a China seja capaz de cruzar a fronteira – com maquinário, pessoal treinado e até com insumos para construções de vias – e criar as condições para uma produção em escala de minérios.
A depender do mercado, seria inclusive uma solução lucrativa.
E a China não é conhecida por relações internacionais baseadas em sanções por assuntos de direitos humanos e liberdades individuais, temas, aliás, que frequentemente trazem problemas ao governo de Pequim.
“Fora da própria China, os maiores produtores desses minerais são a Austrália, o Chile e a Argentina. Assim, o Afeganistão poderia ajudar a China a obter maior segurança de abastecimento a uma distância muito mais próxima, reduzindo a participação de mercado para os produtores de lítio da América Latina”, diz o pesquisador.
Embora não costume operar em zonas de guerra, a própria China já tem uma posição pioneira no Afeganistão para extrair minerais.
Em 2007, a Corporação Metalúrgica da China (MCC) adquiriu um contrato de arrendamento de 30 anos para minerar cobre em Mes Aynak, no Afeganistão, por US$ 3 bilhões, no que é considerado o maior investimento estrangeiro na história do país.
As operações de mineração da MCC foram duramente afetadas pela instabilidade no país devido ao conflito entre o Talibã e o ex-governo afegão.
Agora, com a queda do governo afegão, as condições mudam sensivelmente.
“Se houver condições operacionais estáveis, então as explorações de cobre sozinhas podem gerar dezenas de bilhões de dólares de receita, estimulando o desenvolvimento de operações de mineração de lítio e outros metais”, diz Tanchum.
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Outros países da região, como o Paquistão, certamente teriam interesse nisso, já que a produção poderia ser transportada por suas rotas comerciais até a China, o que geraria receitas aos paquisteneses e aumentaria os incentivos para que eles atuem em favor da estabilidade da área.
O Paquistão é o principal aliado estrangeiro do Talibã, que possui bases no país vizinho.
A situação no Afeganistão após a tomada de Cabul pelos radicais islâmicos segue incerta.
Uma parte da população luta para fugir enquanto o Talibã tenta colocar em pé o governo do novo Emirado e estabelecer as bases – legais e repressoras – em que seu poder vai se assentar.
Há, no entanto, uma sensação de que a ascensão ao poder do grupo é um fato dado.
Em 2010, o geólogo americano Jack Medlin afirmou que as recém-descobertas reservas minerais do país eram “uma riqueza que autorizava os afegãos a sonhar com um futuro que eles desconheciam”.
É possível que o Talibã, agora no comando de tudo, tenha herdado a possibilidade de concretizar esse sonho de mais de uma década.
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