Para o movimento negro, estrutura das empresas brasileiras privilegia os brancos. ONG quer que Bolsa de Valores institua critérios de diversidade racial para que companhias possam operar ações no mercado. Racismo estrutural no mercado de trabalho brasileiro
Os dados oficiais do mercado de trabalho mostram que os pretos formam a parcela com as piores condições de emprego e renda do país. Com a pandemia, foram eles que mais sofreram os efeitos da crise.
De acordo com o movimento negro, isso é resultado de um processo histórico, fruto do chamado racismo estrutural. Para reverter isso, uma entidade pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que a Bolsa de Valores (B3) cobre diversidade das empresas que operam no mercado de capitais do país.
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Foi entre os trabalhadores pretos que ocorreu o maior aumento do desemprego no 2º trimestre deste ano, marcado pela pandemia do novo coronavírus. Também foi entre eles que ocorreu o maior recuo da ocupação no mercado de trabalho.
“Nós entendemos que o desemprego está ligado com a cultura da marginalização do negro, está ligado com o racismo estrutural”, disse o diretor da ONG Educafro, Frei David dos Santos.
O diretor do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), Daniel Teixeira, pontuou que todos os relatórios de indicadores sociais sempre apontam condição pior para os negros. A crise da pandemia, segundo ele, apenas “escancara” as desigualdades, que seriam fruto do racismo estrutural.
“É o sintoma de um mesmo patógeno que é o racismo na estrutura das relações sociais do Brasil e de acesso a direitos. E isso, quando há uma crise, fica mais evidenciado”, disse.
Os dois ativistas explicam que o racismo estrutural se apresenta como “um sistema de opressão” que subjuga a população negra, reservando a ela os postos de trabalho menos qualificados e, consequentemente, com menor remuneração. O diretor do Ceert enfatizou que “quanto mais você investe em termos de educação, mais você tem discriminação”.
Para exemplificar, Teixeira citou um estudo realizado pelo Ceert, batizado Censo da Aliança Jurídica pela Equidade Racial, que envolveu os nove maiores escritórios de São Paulo e do Brasil.
“O que a gente percebeu é que menos de 1% dos advogados nestes escritórios são negros. Então, por mais que você tenha hoje um contingente crescente de advogados negros, há uma diferença maior entre os que estão nos melhores empregos, nos melhores escritórios, e aqueles que têm que se virar com pequenos escritórios ou contratações com menos remuneração dentro da advocacia”, destacou.
Teixeira ressaltou que essa diferença fica ainda mais evidente quando considerados os cargos de liderança nas empresas brasileiras. Recente levantamento feito pelo Vagas.com mostrou que menos de 5% dos trabalhadores negros no Brasil ocupam cargos de gerência ou diretoria.
“A população negra está mais que qualificada a ocupar estes postos, mas o mercado de trabalho permaneceu estigmatizando essa população. É como se os negros não fossem vistos como aqueles que podem ocupar espaços de decisão, espaços de comando nas instituições, e sempre e tão somente cargos que, obviamente têm a sua importância também, mas são cargos braçais, trabalhos que não são intelectualizados”, disse Teixeira.
Ele reiterou que “essa subalternização dos profissionais negros, estigmatização mesmo, vem de uma estrutura racista que está no pensamento, no ideário social do Brasil”.
Avanço nos sistemas de cotas
Nos últimos 20 anos, o movimento negro conseguiu emplacar no Brasil o estabelecimento de cotas raciais em universidades e em concursos públicos com o objetivo de diminuir as desigualdades. Mas defendem que precisa haver maior avanço das políticas de equidade racial no mercado de trabalho.
“O trabalho que fizemos foi muito suado ao conquistar cota para negro nas universidades, no serviço público, em todos os cargos de estagiário, nos concursos do Ministério Público, no concurso da Defensoria Pública. No entanto, não é suficiente enquanto as empresas particulares não entrarem na dinâmica da inclusão”, afirmou o diretor da Educafro, Frei David dos Santos.
Pensando nisso, a entidade decidiu recorrer à B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, para que inclua a diversidade racial entre seus critérios de elegibilidade para que as empresas possam operar ações no mercado de capitais do país.
É na B3 que as maiores empresas brasileiras, mais de 350, negociam suas ações. As companhias precisam seguir vários critérios de governança para que possam operar na bolsa e, por isso, a Educafro defende que a inclusão de negros entre estes critérios pode ajudar a reduzir o racismo estrutural.
“Ela coordena todas as empresas que empregam no Brasil e, na questão da mulher ela cobra alguma coisa, na questão do deficiente físico ela cobra alguma coisa, na questão da ecologia ela cobra alguma coisa, mas na questão do negro a Bolsa de Valores é 99% omissa em exigir das empresas a inclusão”, apontou Frei David.
“É uma incumbência dos atores econômicos, das empresas, portanto, promover maior equidade social. E no Brasil não dá para falar de equidade social sem falar de relações sociais, de promoção da equidade racial, porque senão mais da metade da população negra não está incluída nessa discussão”, diz o diretor do Ceert, Daniel Teixeira.
O que diz a Bolsa de Valores
Em nota, a B3 esclareceu que está em diálogo com a Educafro para tratar das questões apresentadas e se disse sensível ao tema. Afirmou que, a partir das interações pessoais e por escrito com a entidade, “já decidimos incorporar várias delas no plano que contempla o desenvolvimento de novas iniciativas para indução do mercado de capitais”.
“A ampliação da diversidade, não apenas de raça, é importante para o país, para o mercado financeiro e a B3 tem o compromisso de participar dessa mudança fomentando as melhores práticas nas companhias brasileiras”, enfatizou a B3.
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