Embaixador da UE no Brasil diz que há preocupação com dados negativos sobre Amazônia e que isso tem efeito na cooperação. Ele espera que declaração do governo Bolsonaro de que vai melhorar no tema se reflita em números. Iniciativas de investidores para pedir a redução do desmatamento na Amazônia começam a dar resultados na esfera do discurso e criaram “vontade política” em Brasília para proteger a floresta, avalia embaixador da UE no Brasil
Reuters
As iniciativas de investidores estrangeiros, CEOs de empresas brasileiras e de países europeus para que o governo brasileiro se comprometa com a redução do desmatamento na Amazônia começam a dar resultados na esfera do discurso e criaram “vontade política” em Brasília para proteger a floresta. Mas ainda não está claro se essa vontade se converterá em números concretos.
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A avaliação é do embaixador da União Europeia (UE) no Brasil, Ignacio Ibáñez, em entrevista à DW Brasil. No posto em Brasília desde julho de 2019, uma das prioridades de Ibáñez é fazer avançar o acordo de livre-comércio entre o bloco europeu e o Mercosul. O pacto ainda depende da aprovação do Conselho e do Parlamento da União Europeia, além dos legislativos dos países europeus e do Mercosul.
O acordo tem um capítulo dedicado ao desenvolvimento sustentável, que tem sido usado por alguns países europeus para pressionar o Brasil a adotar políticas contra o desmatamento e queimadas ilegais na Amazônia. O governo brasileiro deseja que o acordo entre em vigor, e projeta que as exportações do país para a Europa poderão mais do que duplicar até 2035.
“Acho que as ações que os investidores e atores internacionais estão fazendo estão começando a dar resultado nas declarações. Mas queremos ver que essa vontade vá se converter em dados mais positivos do que os tivemos até agora, porque até agora os dados não são positivos”, afirma Ibáñez.
Ele não vincula a entrada em vigor do acordo de livre-comércio à queda do desmatamento, e elogia o compromisso assumido recentemente pelo vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho da Amazônia, de combater a derrubada ilegal da floresta na Amazônia.
Ibáñez é espanhol e já foi secretário de Estado no Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de seu país e embaixador da Espanha na Rússia. Indagado sobre a reação do Brasil à covid-19, afirma que a pandemia mostrou que nenhum país estava totalmente preparado para enfrentar algo do tipo e como a cooperação internacional é necessária para aprender com os erros e prestar auxílio aos que necessitam.
DW Brasil: O governo brasileiro tem sofrido pressão externa e interna para reduzir o desmatamento, e parte dessa pressão vem de alguns países europeus que ameaçam não aprovar o acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul. Questões ambientais podem impedir que o acordo entre em vigor?
Ignacio Ibáñez: Não gosto da palavra pressão. Todos que têm parceria estratégica com o Brasil, sejam investidores privados, estados ou a própria União Europeia, têm vontade de estabelecer uma relação baseada nos valores que cada um deles defende. O meio ambiente e a sustentabilidade estão hoje na agenda internacional, e muito particularmente na agenda europeia e dos investidores. Há uma preocupação com coisas que aconteceram nos últimos tempos com o desmatamento. Essa situação tem um efeito sobre o acordo, não do ponto de vista da pressão, mas do acompanhamento e da cooperação.
Os parlamentos da Áustria e da Holanda e o presidente da França, Emmanuel Macron, já disseram que se o Brasil seguir desrespeitando compromissos ambientais, não haverá a aprovação do acordo de livre-comércio. Eles podem bloquear o acordo?
São mensagens fortes. Há uma preocupação de todas as sociedades na União Europeia sobre esse tema, parte importante do acordo. A agenda da nova Comissão Europeia é pacto verde e transformação digital. São elementos centrais no nosso desenvolvimento interno e dos nossos esforços exteriores.
Há uma preocupação, e a temos expressado a diferentes níveis do governo brasileiro, que está respondendo. Respondeu na reunião com investidores, mas também para a União Europeia. O vice-presidente [Hamilton] Mourão chegou a ir a uma reunião dos embaixadores da União Europeia, apresentou os planos do governo e a preocupação em reduzir esses número [do desmatamento] e em apresentar uma situação melhor do que a do ano passado. Logicamente, queremos que essas declarações se reflitam em dados.
Estamos dispostos a cooperar para ajudar o Brasil a enfrentar essa situação do desmatamento e dos incêndios, que acontecem não somente na Amazônia brasileira. No ano passado, fizemos uma cooperação intensa com países como a Bolívia, e gostaríamos de fazer o mesmo com o Brasil.
A revista Science publicou neste mês um estudo que concluiu que de 18% a 22% dos produtos brasileiros exportados à União Europeia estão ligados ao desmatamento. Essa revelação influencia o andamento do acordo com o Mercosul?
O acordo é bem abrangente e moderno do ponto de vista da sustentabilidade. A ideia é que o comércio é positivo para as duas partes, mas não pode se fazer em detrimento do meio ambiente e dos direitos humanos. Notícias como essa são preocupantes, e vamos fazer com o governo brasileiro uma análise das informações e ver como se pode reduzir isso.
O agro brasileiro é moderno e a legislação brasileira a respeito também, o Código Florestal segue sendo um instrumento útil. Muitos dos problemas, e essa é a informação que recebemos do governo brasileiro, não são por aplicação dentro das normas, mas algumas atividades fora das normas. Esse foi o compromisso do Mourão, combater as atividades ilegais. Acho que as ações que os investidores e atores internacionais estão fazendo estão começando a dar resultado nas declarações. Essa vontade política está lá. Mas queremos ver que essa vontade vá se converter em dados mais positivos do que os tivemos até agora, porque até agora os dados não são positivos.
O acordo pode entrar em vigor mesmo se o desmatamento seguir em alta nos próximos dois anos?
Não gosto de contrapor o acordo aos temas de proteção do meio ambiente. Ao contrário, o acordo será um elemento importante na relação entre os dois blocos. Vai criar oportunidades de negócio para as duas partes, mas também vai criar e reforçar as obrigações que cada um dos estados signatários tem a respeito de acordos internacionais e os acordos ambientais, como é o acordo de Paris. Ele aporta mais elementos na ideia da sustentabilidade e da proteção do meio ambiente.
Qual é a fase atual de tramitação do acordo e o que vem pela frente?
Após uma longa negociação, em junho de 2019 houve o acordo entre os países do Mercosul e os da União Europeia. Depois começou a verificação dos textos. São textos muito longos, com uma parte comercial, uma parte política e de cooperação e as exposições finais, onde estão estabelecidos os elementos de aplicação e possível suspensão do acordo. A covid não ajudou, mas ainda assim conseguimos fazer todo esse trabalho durante este ano. Em junho os textos foram revisados pelas duas partes, são textos finais e não há mudança possível.
Agora estamos sobretudo no processo de tradução para os 22 idiomas da União Europeia, isso será feito durante os próximos meses. A vontade das instituições europeias é chegar à assinatura durante a presidência da Alemanha [no Conselho da UE, que se encerra em 31 de dezembro de 2020]. A assinatura do acordo está dentro das prioridades da presidência da Alemanha.
Depois começaria o processo no Parlamento Europeu. Em seguida, teria que ir para cada um dos parlamentos [dos países] europeus. Como será feito esse processo é algo que ainda tem que ser decidido pela Comissão Europeia. E essa discussão vai acontecer neste segundo semestre. Em paralelo, tem também o processo nos países do Mercosul, mas a percepção que temos é que todos consideram esse acordo importante para seus países.
O fato de a Alemanha estar na presidência do Conselho da UE influencia a chance de o acordo entrar em vigor?
Sim, a Alemanha sempre foi um país muito favorável ao acordo, e é positivo que também seja um país com um peso muito significativo dentro da União Europeia. Isso vai favorecer.
De zero a dez, qual é a chance de o acordo realmente entrar em vigor, sendo zero, nenhuma, e dez, total?
Não gosto de dar números. Mas os resultados do acordo são muito positivos para os dois lados, e numa situação pós-covid terá a possibilidade de criar riqueza entre a União Europeia e os países do Mercosul. Não digo que as coisas estão ganhas, tem que se explicar bem o acordo, é um esforço de comunicação importante para as nossas sociedade. Acho que no final vamos chegar a esse dez.
Como o senhor avalia a forma como o Brasil lidou com a pandemia da covid-19?
Estamos vivendo todos uma situação excepcional, ninguém tinha visto o que realmente poderia acontecer com a covid. A lição que temos que tirar da covid é que juntos podemos aprender sobre o erros dos outros, que é importante a cooperação internacional. Cometemos muitos erros dentro da União Europeia, como também conseguimos coisas que deram certo, e isso é um pouco a experiência que queremos transmitir ao Brasil. Vocês também fizeram coisas não tão boas, e fizeram coisas muito boas também. Nenhum de nós estava bem preparado para esta situação. Todos tivemos que fazer muitas mudanças, vamos ter que fazer muitas mudanças para o futuro, e essas mudanças passam pelo reforço da cooperação internacional entre os estados e as empresas.
Em que aspectos o Brasil não lidou tão bem com a pandemia?
Vocês tiveram aqui algo que aconteceu aconteceu no mundo inteiro, esse difícil equilíbrio entre a proteção da saúde das pessoas e a proteção do desenvolvimento econômico. Algumas vezes isso criou uma contraposição entre uns e outros. Mas esse mesmo debate aconteceu nos nossos países, há exemplos dentro da União Europeia de países que tiveram uma forma de confrontar a covid no início, que depois foi mudando. Alguns também tinham no início essa preocupação maior com o desenvolvimento econômico e depois tiveram que perceber que a primeira prioridade era a saúde. Mas vocês são um grande país, e qualquer coisa aqui no Brasil, quando se traduz em números, são números muito grandes.
É bom o trabalho da imprensa, colocando a comparação entre as as situações, mas não é o nosso trabalho. Nosso trabalho é no âmbito da cooperação. Ver onde podemos ajudar ao Brasil. Nós também recebemos ajuda de outros países. Quando começou a pandemia na China, a União Europeia mandou equipes para ajudar. Depois, quando o surto foi mais intenso na Europa, foi a China que mandou cooperação.
Meu único comentário ou desejo é que o Brasil continue sendo um ator importante nos debates internacionais que vão chegar agora, como a avaliação sobre o trabalho da Organização Mundial da Saúde e como a Organização Mundial de Comércio tem que se adaptar. Precisamos de um Brasil ativo e convencido de que o multilateralismo é importante.
É possível dizer que a União Europeia tem uma opinião sobre Jair Bolsonaro, e caso tenha qual seria essa opinião?
Jair Bolsonaro é o presidente eleito do Brasil, e há o respeito por ele e por sua representatividade. Nossa vontade é estabelecer uma relação com o presidente de um país que é parceiro estratégico da União Europeia.
Do ponto de vista das políticas desenvolvidas a respeito da União Europeia, lembro que, durante a campanha eleitoral, se falava muito que se Bolsonaro fosse presidente iria sair do acordo entre União Europeia e Mercosul. Se falou também que iria sair do acordo de Paris. E essas coisas não aconteceram. Lembro que o presidente Bolsonaro fez uma grande celebração do acordo, no Japão, durante o G20. O que temos visto neste governo é uma vontade de reforçar a parceria com a União Europeia. Sob esse ponto de vista, temos uma avaliação positiva desse esforço para contar com a União Europeia como parceiro.
O Conselho da União Europeia chegou nesta terça-feira (31/07) a um acordo sobre o plano de recuperação pós-pandemia. Pela primeira vez, o bloco contrairá uma dívida conjunta para levantar recursos que serão usados para ajudar os países a superarem as crises. Como o senhor avalia essa contração conjunta de dívida pelo bloco?
Esses elementos estão lá, mas o acordo é mais geral, sobre o orçamento da União Europeia. O orçamento da União Europeia se estabelece por sete anos, e o orçamento em vigor termina ao final de 2020. Estamos preparando o acordo sobre o orçamento que vai chegar em 2021 para sete anos.
Tínhamos muitos observadores internacionais, como acontece quando se fala das coisas da União Europeia, convencidos de que o acordo não ia chegar e que teríamos uma suspensão das reuniões do Conselho. Foi uma negociação bem complicada, mas a percepção que tenho é de grande satisfação por ter chegado a um acordo com essas perspectivas futuras.
Entre os elementos da proposta está essa ideia de uma mutualização, uma dívida por todos para aplicação em cada um dos estados membros. Isso demonstra que a União Europeia é capaz de fazer frente a uma situação difícil como é da saída da covid, com um orçamento ambicioso que vai desenvolver o próprio projeto da União Europeia com a ideia da solidariedade, que é essencial a ele. Agora é o Parlamento Europeu que terá que se pronunciar sobre esse acordo.
A Alemanha costumava se aliar ao grupo dos frugais, com um perfil mais austero sobre o uso dos fundos da União Europeia, ao lado de Áustria, Dinamarca, Holanda e Suécia. Nos últimos meses, porém, Berlim se aproximou da posição da França, que defende o uso mais generoso dos recursos do bloco para apoiar os países em dificuldade, sendo os dois maiores Itália e Espanha. Como o senhor avalia esse reposicionamento alemão?
Na história do projeto europeu, os momentos de maior avanços coincidem com uma liderança da Alemanha e uma visão de que, para a Alemanha mesmo, o projeto europeu é a primeira das prioridades. E isso é aplicável, ou teria que ser, para todos os países da União Europeia.
É lógico que cada primeiro-ministro e cada presidente vai pensar nos interesses do seu país, isso é normal e é bom, mas também eles têm que se dar conta que uma União Europeia mais forte, mais unida, é boa para seu país. Acho que é o caso da Alemanha, quando veem que, para que seja um país mais forte no mundo e defenda melhor os interesses dos seus cidadãos, é bom que o projeto europeu avance. Foi isso que aconteceu ontem.
O caso contrário é quando alguns líderes têm a percepção de que irão a Bruxelas com ideias muito boas, não conseguem os acordos que queriam, voltam para seu país e apresentam “Foi Bruxelas, que tal e tal…”, e as coisas negativas são vistas como de Bruxelas. Quando se colocou todas as culpas sobre Bruxelas, isso nos levou para o Brexit. São dois extremos, o acordo de ontem e o Brexit, onde temos que ir e o que temos que evitar.
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