Rieli Franciscato monitorava a migração do grupo à distância quando foi atingido por flecha nesta quarta-feira (9). Coordenador da Funai morre após levar flechada no tórax em Seringueiras, Rondônia
Os indígenas isolados que vivem no território Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia têm a migração como forma de sobrevivência. Um dos trabalhos de Rieli Franciscato, que morreu nesta quarta-feira (9) após ser atingido no tórax por uma flecha, era monitorar essa circulação à distância (veja mais no vídeo acima).
Rieli tinha 56 anos e era coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau, que pertence à Fundação Nacional do Índio (Funai).
RELATO: ‘A gente só escutou o barulho da flecha no peito dele’, diz testemunha
PERFIL: quem era Rieli Franciscato
Junto com o amigo Roberto de Barros Ossak, que é agente da Pastoral da Terra e pesquisa o direito agrário na região, Rieli fez uma expedição no território Uru-Eu-Wau-Wau para entender o motivo de os indígenas circularem do interior da reserva para áreas afastadas do núcleo. O encontro do indigenista com membros da tribo ocorreu perto de um acesso viário conhecido como Linha 6, em Seringueiras (RO).
O grupo que disparou a flecha contra Rieli é formado por 5 indígenas, segundo testemunhas. Eles são identificados como Isolados do Cautário (nome de um rio da região). Não se sabe a quantidade total de pessoas que compõem esse povo indígena.
O trabalho de Rieli era justamente tentar conscientizar a população sobre a importância da preservação da reserva para que os povos continuassem no interior da mata.
Rieli Franciscato foi morto após ser atingido por flechada em Seringueiras
Roberto de Barros/Arquivo pessoal
Ao G1, Ossak explicou que a circulação dos indígenas está diretamente ligada às invasões de território, principalmente na região de Buritis, Parecis e Campo Novo: “Estão vindo para a borda em busca de alimentos. Eles são coletores, não cultivam, então precisam migrar de uma região para a outra coletando alimentos, como: castanha, mel, açaí”.
A partir da expedição, segundo o pesquisador, foi possível notar que as invasões começam pelos madeireiros e depois por latifundiários que querem desmatar a região para criação de gado. Também há a ação de garimpeiros.
Em maio, a Funai e a Polícia Federal flagraram um garimpo e atos de extração de madeira no entorno da terra indígena, no município de Campo Novo de Rondônia. Ninguém foi preso.
Barracas montadas por garimpeiros foram encontradas durante fiscalização da Polícia Ambiental e Funai em terra indígena de Rondônia.
Divulgação/Associação Kanindé
A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau é uma área habitada por nove povos indígenas. No ano passado, ela ficou entre as 10 terras mais desmatadas do país. Com 1,8 milhão de hectares de área, a Uru-Eu-Wau-Wau já perdeu 42,54 km² entre 2008 e novembro de 2019, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau
Juliane Souza/G1
A análise de Ossak é que o avanço das invasões fez com que os indígenas ficassem acuados no centro da terra indígena.
“No período que eles ficaram reclusos ao centro, começou a faltar alimento. Então, agora eles estão retornando às bordas. Essa é minha análise enquanto técnico agrícola. A falta de alimento é o que vai ocasionando que os indígenas venham para a borda da reserva, onde tem mais caça, mais fartura de alimento. E é na borda que eles são avistados”, diz o especialista.
Para a Associação Etnoambiental Kanindé, também colaborou para ação o fato de os indígenas isolados não saberem a distinção entre defensor e inimigo. O entendimento em caso de contato com não membros é que o território do grupo “está sendo invadido e os índios estão tentando sobreviver”.
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Investigação
O G1 teve acesso à averiguação policial que detalha a chegada dos indígenas às proximidades do acesso viário conhecido como ‘linha 6’ em Seringueiras.
Segundo o documento, por volta das 10h desta quarta, um morador da área estava sentado na frente de sua casa quando olhou para o pasto que faz divisa com a Funai e viu cinco indígenas não contactados, despidos e se deslocando com cautela no sentido da casa de um homem conhecido como Monteiro.
“Eles estavam em formação de leque, e os dois da ponta estavam portando arcos aparentemente para caça”, lembrou.
O morador disse que vive no local há 25 anos e é a primeira vez que avista os indígenas naquela região.
Quando a polícia foi informada sobre esse relato, acionou Rieli para, na condição de representante da Funai, auxiliar o monitoramento. A partir disso, eles adentraram na região seguindo as pegadas dos indígenas. A intenção era fazer um trabalho, à distância, mas Rieli acabou sendo visto e atingido com uma flecha no peito.
Ouça abaixo o relato do policial Paulo Ricardo Bressa, amigo de Rieli, narrando os momentos que antecederam a morte:
Indígenas foram avistados em junho
Em junho deste ano, um grupo de indígenas isolados foi visto por uma dona de casa no quintal de um sítio em Seringueiras. Eles trocaram uma carne de caça por uma galinha e levaram um machado. A moradora Gabriella Euvira Moraes disse que correu para o banheiro e filmou a visita.
“Eu nem cheguei a sair ou me colocar para fora. Eu vi pela fresta na porta e vi um homem parado. Foi quando prestei atenção, e ele estava sem roupa. Nisso que eu me escondi, escutei três homens chegando perto da casa e conversando. Não dava para entender nada. Eles andaram ao redor da casa”, contou Gabriella na época.
Segundo a Kanindé, esse é o mesmo grupo que Rieli cruzou antes de ser atingido.
Protetor dos índios
Rieli Franciscato, de 56 anos, morreu na quarta após ser atingido no tórax por uma flecha de bambu, de 1,5 metro, disparada pelos indígenas. Logo que foi atingido, houve uma tentativa de socorro, mas o sertanista chegou morto ao hospital.
Ele era uma das grandes referências nos trabalhos de proteção aos indígenas isolados da Amazônia. O coordenador defendia o não contato com o grupo e atuava para evitar um conflito com a população local. Também fez parte da equipe que demarcou a primeira terra exclusiva para indígenas isolados.
Indigenista morre após levar uma flechada no peito em Rondônia
*Colaboraram Mayara Subtil, Maríndia Moura e Fábio Diniz
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