Atividade é sustentável e envolve centenas de famílias da região, mas exige tempo e investimento. Produção comercial de castanhas na Amazônia ajuda na recuperação de florestas
A castanha do Brasil é um dos principais produtos do extrativismo da Amazônia. A coleta tradicional ocorre no chão da floresta e gera renda para milhares de famílias da região. Esse já é um método conhecido.
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A novidade é que agora existe também o cultivo comercial da castanheira, um trabalho que ganhou impulso nos últimos anos e já envolve centenas de agricultores. Mesmo com a pandemia do coronavírus, a atividade segue e, por enquanto, sem prejuízos.
Em Itacoatiara, município a cerca de 250 km de Manaus, no Amazonas, foi o local escolhido em 1968 pelo engenheiro agrônomo paulista Sérgio Vergueiro para uma criação de gado.
Ele chegou na região por meio de um programa do governo federal para desenvolver a Amazônia por meio de projetos agropecuários.
“Nós abrimos 3 mil hectares em dois anos. Dentro do princípio de que um solo que aguentava uma floresta tão grande, ia aguentar uma pastagem sensacional, mas não foi bem assim…”, relembra.
Mas, com o tempo, o solo perdeu sua fertilidade natural e plantas daninhas e pragas tomaram conta. O pasto se degradou e a criação de gado não foi para frente.
Recuperar um solo desses exige muito investimento, como adubação, preparação da terra e novo plantio do pasto. Para muitos criadores, o melhor pode ser abandonar o local e abrir uma nova área.
Porém, Vergueiro foi por outro caminho: ele preferiu procurar uma alternativa econômica para a propriedade.
“Ou eu ia embora e deixava um buracão na floresta ou descobriria alguma outra atividade que desse frutos”, explica o agrônomo.
Foi aí que entrou a castanha.
“Ela demonstrou o seguinte: ‘olha, eu me chamo bertholletia excelsa, e mando nesta floresta’”, brinca Vergueiro.
Bertholletia excelsa é o nome científico da árvore da castanheira que dá a conhecida castanha do Brasil, ou castanha do Pará ou castanha da Amazônia.
O cultivo
Na natureza, ela é uma árvore de tronco único, reto, que pode chegar a 50 metros de altura. No cultivo para produção de frutos, quando ela atinge 3 anos no campo, a muda é enxertada com material mais produtivo e, quando adulta, ela fica mais baixa: entre 15 e 20 metros.
O cinegrafista Douglas Campos e o operador de áudio Anderson Oliveira têm 1,90 m de altura, mas ficaram pequenos perto da castanheira
Helen Martins/Acervo Pessoal
Como a castanheira é uma árvore nativa, foi apenas aos poucos que se aprendeu a lidar com ela.
Raimundo Nonato Paes, funcionário da fazenda de Sérgio Vergueiro, foi responsável por enxertar muitas das castanheiras da fazenda. Ele utilizou diversos materiais produtivos, vindos de vários lugares, inclusive da Embrapa.
Nessas idas e vindas ele aprendeu uma técnica importante para a cultura: o anelamento, que consiste em amarrar o enxerto na muda. Isso garantiu o crescimento de mais de 150 mil plantas na fazenda. Depois disso, o processo ficou mais simples.
“Você planta ela, dá uma conversadinha, diz que ela precisa se desenvolver, e daí a natureza se encarrega de fazer o resto”, diz Nonato.
A tática dá certo: atualmente, a propriedade tem 1,3 milhão de castanheiras em várias fases de crescimento.
Só depois de 15 anos as árvores passaram a produzir fruto, o ouriço, em uma boa quantidade para comercialização. Agora, o ciclo de produção na fazenda é de 15 meses, da flor até o fruto maduro.
A coleta
Os ouriços caem dos pés de janeiro até meados de abril e aí começa a hora de catar. Nesta safra, 200 mil frutos foram coletados e o trabalho continua.
Ouriços coletados na fazenda do produtor Sérgio Vergueiro
Helen Martins/Acervo Pessoal
Depois de lavados, eles vão enchendo o paiol. Quando o depósito é aberto, vem a próxima etapa do processamento: hora de passar facão para abrir o fruto.
É dentro dele que estão as famosas castanhas. Um ouriço pode ter entre 12 e 16 castanhas, dependendo do tamanho.
Retorno financeiro
As castanhas, antes de passarem pela secagem, são separadas. Algumas seguirão para o desenvolvimento de novas mudas. A produção da fazenda vai exclusivamente para o mercado interno, as castanhas são vendidas em lojas do segmento de produtos orgânicos e naturais.
Mas não é só da castanha que vem a renda da propriedade do agrônomo Sérgio Vergueiro, o castanhal por si só virou um produto.
Metros cúbicos de madeira de lá valem dinheiro, vendidos na forma de crédito de reposição florestal para quem desmatou e está em dívida com os órgãos ambientais.
Trabalhadores coletando ouriços de castanhas no meio da propriedade do agrônomo Sérgio Vergueiro
Helen Martins/Acervo Pessoal
Outra renda vem da exploração da madeira da castanheira, que é resistente a pragas e doenças e tem crescimento rápido. Porém, por ser uma espécie nativa, ainda há muita burocracia neste comércio.
O engenheiro florestal da Embrapa Roberval Bezerra de Lima conta que a expansão da castanheira e outras 14 espécies na Amazônia podem recuperar cerca de 6 milhões de hectares degradados na região.
“Um estudo indica que a cada US$ 1 investido no reflorestamento, você pode ter um retorno de US$ 2,6”, afirma o pesquisador.
Prosperidade
Um floresta plantada ainda está longe de recuperar o ambiente de uma mata original, mas Lima diz que já é um avanço.
O pasto degradado voltou às origens e evoluiu. Hoje, a receita da propriedade é de R$ 110 mil por mês e pode crescer ainda mais. Porém o investimento também é alto: cerca de R$ 1 milhão por ano.
Ana Luiza Vergueiro e Sérgio Vergueiro na propriedade da família no Amazonas
Helen Martins/Acervo Pessoal
A prosperidade da fazenda garante o emprego de 41 funcionários, que têm emprego com carteira assinada e alguns também possuem moradia no local.
Para esses profissionais, as castanheiras são mais que apenas árvores.
“Como eu cresci aqui, elas são minhas irmãs, crescemos na mesma época. Então, representa muito para gente, elas fazem parte da nossa vida também”, conta a funcionária Joyce Moura da Silva, de 25 anos.
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