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Meio Ambiente

População em fronteiras da Amazônia contam com apoio de bases militares para desenvolvimento

Rede Amazônica conheceu obras executadas com recursos do Calha Norte, programa voltado às comunidades de áreas isoladas do Brasil. CALHA NORTE – Floresta Amazônica.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
A população que habita a faixa de fronteira, em regiões remotas da Amazônia, conta com o apoio de bases militares para o atendimento de necessidades básicas. Essa mesma população ajuda a garantir a soberania nacional onde, para uns, o Brasil começa e, para outros, o Brasil termina.
Indiscutível é que a presença brasileira nesses locais reduz o risco de ocupação estrangeira. É nesse contexto que, desde 1985, a atenção a essas comunidades ganhou o apoio institucional das Forças Armadas por meio do programa Calha Norte, criado pra possibilitar melhores condições de vida a esses brasileiros.
São 442 municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e pouco mais de 15 milhões de pessoas beneficiadas, com recursos que passam de R$ 1 bilhão. A Rede Amazônica passou três dias nos estados do Amazonas e Acre conhecendo obras executadas pelo Calha Norte.
A reportagem viajou à convite do Ministério da Defesa, visitou quatro obras executadas pelo programa e ouviu histórias de quem viveu o antes e depois das benfeitorias:
1º Pelotão Especial de Fronteira (1º PEF) na Terra Indígena Iauaretê, no Amazonas;
Reconstrução da Feira Municipal de Tefé, no Amazonas;
Unidade para atendimento às Pessoas Especiais (APAE), em Cruzeiro do Sul, no Acre; e
Construção de passarelas em alvenaria no Bairro da Várzea, em Cruzeiro do Sul.
Segundo o diretor do Calha Norte, general de divisão Ubiratan Poty, os recursos para obras de infraestrutura, como a construção de escolas e até pavimentação de estradas vicinais, são viabilizados por meio de emendas parlamentares, que são recursos do orçamento federal, destinados por senadores e deputados federais aos estados pelos quais foram eleitos.
A execução dos investimentos se dá por meio de convênios firmados pelo programa com governos estaduais e prefeituras. Hoje, há 1.250 convênios ativos.
“A ideia é criar condições para que aquelas pessoas possam viver nas melhores condições possíveis. É dar assistência à população mais distante do nosso país”, disse o general.
Povo Iauaretê
No ponto de confluência entre os rios Uaupés e Papuri, no Amazonas, na divisa com a Colômbia, os indígenas do povoado multiétnico Iauaretê vivem como podem para manter a tradição.
Da etnia Tariana, Maria Gonçalves Cruz, de 62 anos, é uma das indígenas que cresceu no povoado. Desde os 9 anos faz artesanato que aprendeu com a mãe. As tiras do ramo de tucum que extrai da mata se transformam em bolsas, porta trecos e itens de decoração.
CALHA NORTE – Maria Gonçalves Cruz, de 62 anos (a esquerda) vive do artesanato que vende na Terra Indígena Iauaretê, no Amazonas.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
Mesmo com pouco recurso, a artesã faz questão de ajudar os filhos que moram em outros estados, principalmente o que estuda engenharia mecânica em São Paulo. “Para nós indígenas é muito difícil. Mas sempre tenho centavos para mim”, diz, orgulhosa.
A rotina de Maria e dos cerca de 3 mil indígenas de 8 etnias – Tukano, Tariano, Dessanos, Piratapuia, Uananos, Tuiucas, Rupda e Rupdér – do povoado, localizado na região de São Miguel da Cachoeira, no Amazonas, contrasta com as atividades de pelo menos 63 militares.
Desde a década de 1980, funciona na área o 1º Pelotão Especial de Fronteira (1º PEF), com a premissa de colocar em prática ações cívico sociais em prol da comunidade. As iniciativas são aderentes aos objetivos do Calha Norte.
CALHA NORTE – Terra Indígena Iauaretê: Povoado é composto por 3 mil indígenas de 8 etnias.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
CALHA NORTE – 1º PEF no povo Iauaretê é composto por mais de 60 militares, no Amazonas.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
O comandante do pelotão, o primeiro tenente de Infantaria Daniel Silva, salientou que o combate ao contrabando e ao narcotráfico também engloba a missão. “O 1º Pelotão tem a missão de proteger e guarnecer a fronteira com a Colômbia. Então a gente faz essa proteção e vigilância permanente. Aqui é terra indígena, então não é permitida a venda e consumo de bebidas alcoólicas. Também ficamos na vigilância caso ocorra algum delito, como droga”.
“Há uma interação muito grande do pelotão com a comunidade local. E um aspecto interessante: nós temos vários soldados que vêm das etnias. O índio fardado é um soldado que conhece os detalhes da selva”, declarou o general Ubiratan Poty, diretor do Programa Calha Norte.
CALHA NORTE – Terra indígena Iauaretê faz divisa com a Colômbia.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
No total, são 21 pelotões, uma companhia e um destacamento localizados ao longo da faixa de fronteira no Norte do país. Tropas que incorporam em seus efetivos indígenas locais. Alguns chegam a somar até 7 anos de atividade militar.
Um deles é Carlos Vieira Garcia, de 24 anos, da etnia Piratapuia. Como soldado, ajuda pai, mãe e irmãos. Mas a ideia é sair do povoado para estudar Direito. “Quero melhorar meu português, mas tenho até o ensino médio. Quero ajudar mais e mais minha família”, explicou.
CALHA NORTE – Carlos Vieira Garcia, de 24 anos, é da etnia Piratapuia e faz parte da equipe militar do 1º PEF no povo Iauaretê.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
No outro lado do braço de apoio militar há o atendimento médico e odontológico. No 1º Pelotão, a médica Gilksânnia Moura é quem faz os atendimentos. Rondoniense e única no local, chegou à comunidade pelo Programa Mais Médicos. Para ela, o maior desafio é cuidar dos indígenas sem interferir nas crenças e nas tradições medicinais que ainda praticam.
“Geralmente eles (indígenas) têm muitas crenças de cultura, benzimento, remédios caseiros. A gente tenta associar o que sabemos da medicina com o que eles acreditam e gostam. É especial e diferente do atendimento urbano na realidade”, explicou Gilksânnia.
Feira de Tefé
CALHA NORTE – Município de Tefé, no Amazonas.
Mayara Subtil/Rede Amazônica.
As alas do açaí, da goma de tapioca, da banana, do abacaxi, além de tantas outras frutas e produtos, agora estão bem divididas em espaços de 6m² cada. A Feira Municipal de Tefé está de cara nova, com cobertura reforçada e melhor distribuição dos espaços. As divisórias improvisadas de madeira ficaram no passado. Ao todo, 195 bancas abastecem atualmente os mais de 60 mil habitantes da cidade do interior do Amazonas.
“Ixe, a feira antes da reforma era só um galpão. Uma casona de madeira. Hoje em dia está muito melhor. É boa, bonita, bem organizada”, é o que diz o vendedor de bananas Manuel Rodrigues, de 60 anos.
CALHA NORTE – O vendedor de bananas Manuel Rodrigues, de 60 anos, na Feira Municipal de Tefé.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
Assim como a maioria dos feirantes, seu Manuel chega às 5h todos os dias ao ponto e sai apenas às 18h, horário de fechamento da feira. Com R$ 1 mil em média de renda mensal, cuida da esposa e das duas filhas, uma de 5 anos e outra de apenas oito meses.
“Tenho uma casinha de madeira, pois ali onde moramos alaga. Mas tenho energia, água, tudo. Menos internet, nem mesmo telefone. Peço todos os dias a Deus que me dê saúde e muitos anos de vida para criar minhas duas filhas. Deixá-las criadas, pois elas dependem muito de mim”.
A agricultora Nilza Cavalcante dos Santos, de 35 anos, também chega às 5h para preparar as gomas de tapioca que vende a R$ 8. Com uma média de R$ 300 por dia que ganha, consegue sustentar quatro filhos.
CALHA NORTE – A agricultora Nilza Cavalcante dos Santos, de 35 anos, na Feira Municipal de Tefé.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
Para ela, a maior diferença pós reforma está no espaço que tem hoje para guardar o produto. “Era pequeninho, bem apertado. Agora não, cada um tem seu ponto. É bom porque a hora que a gente chega tem o local da gente. Podemos chegar a hora que quiser. Já tenho meus clientes também. As vendas até aumentaram”, detalhou.
O novo visual da tradicional feira custou pouco mais de R$ 4,5 milhões ao Calha Norte e levou dois anos para tudo ficar pronto. A obra alçou a feira à posição de maior do estado e importante indutora do crescimento econômico no município. Em média, 3 mil pessoas passam pelo local diariamente, segundo o Ministério da Defesa.
CALHA NORTE – Obra da Feira Municipal de Tefé custou R$ 4,5 milhões e levou dois anos.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
O administrador da feira, Mazinho Moraes, contou que até o ano passado, os permissionários precisavam pagar uma taxa que variava de R$ 100 a R$ 500 para garantir seu ponto. Hoje, todos estão isentos.
APAE Cruzeiro do Sul
A diarista Maria das Graças da Silva, de 38 anos, se desdobra em muitas. Com um salário mínimo mensal, trabalha para garantir o básico aos seus 7 filhos. O marido também auxilia como pode nas despesas da casa sempre que arranja um bico como pedreiro. Mas a atenção da família gira em torno de Janderson, de 20 anos, que nasceu com paralisia cerebral.
O jovem precisa fazer esforço para falar, se locomove em uma cadeira de rodas, mas entende o que acontece ao redor, ouve e até brinca. Sempre que Maria chega do trabalho, Janderson está cheio de assunto. E ela garante que, como mãe, compreende tudo que o filho quer dizer.
CALHA NORTE – A diarista Maria das Graças da Silva, de 38 anos, e o filho Janderson na APAE de Cruzeiro do Sul.
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“Ele tenta se comunicar com a gente também. Entendo o que ele me diz. É meu bebê, vai continuar sendo meu bebê até quando Deus permitir. Ele é carinhoso, é conversador, chego em casa já vai falando as coisas. Ele é minha vida, minha razão de viver”, declarou Maria.
Janderson está entre os 250 alunos atendidos diretamente pelos profissionais da Unidade para Atendimento às Pessoas Especiais (APAE) de Cruzeiro do Sul, no interior do Acre, fronteira com o Peru.
Outras mil pessoas recebem a assistência necessária de forma indireta. Pouco mais de R$ 1,2 milhão foram investidos na obra da estrutura pelo Calha Norte, finalizada em 2015.
“Entre os profissionais e o pessoal de apoio, somos em torno de 20 pessoas que ajudam essas crianças, jovens e adultos. E nós atendemos a família também. Cada família tem em torno de 10 pessoas. A gente se doa muito”, explicou Caren Carvalho, coordenadora de projetos e sócio fundadora da APAE.
CALHA NORTE – APAE de Cruzeiro do Sul.
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Com espaços arejados, bem divididos e repletos de brinquedos, a sede em Cruzeiro do Sul conta com salas de computação, fonoaudiólogo, oficinas, atividades culturais e até de habilitação. O local também tem piscina e um galpão para aulas ao ar livre.
Os familiares que vivem longe da sede ainda contam com o apoio de um ônibus que os busca e os leva de volta para casa. Mas com a pandemia do coronavírus, os profissionais vão até os pacientes e realizam o tratamento a domicílio. O trabalho remoto também é uma opção.
“Primeiro fizeram a parte das salas e por último conseguimos o galpão e a piscina. Nós trabalhamos em parceria. Levamos cesta básica, levamos o que eles estão precisando, e damos esse suporte. Aqui, os alunos não ficam parados”, explicou a psicopedagoga Rosineis Souza de Oliveira.
CALHA NORTE – APAE de Cruzeiro do Sul.
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Bairro da Várzea
Em meio ao esgoto a céu aberto e aparições de ratos, urubus e cobras, as cerca de 600 famílias que moram no Bairro da Várzea, em Cruzeiro do Sul, no Acre, tentam viver um dia de cada vez.
A região convive com a incidência constante de alagamentos. No inverno amazônico, as passagens feitas de tábuas de madeira entre as casas tornam-se inúteis em razão das fortes cheias. O jeito é passar ou de barco ou até nadando.
CALHA NORTE – Bairro da Várzea recebeu passarela de alvenaria para melhorar acesso, em Cruzeiro do Sul.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
“Tem dia que a gente come por necessidade, pois o cheiro (do esgoto) é terrível. Os de fora sentem. Na alagação as crianças tinham diarreia, gripe, vômito. Nenhuma criança fica sadia. Quando a água cobre, nós só conseguimos passar nadando. Cobre tudo”, contou a dona de casa Marilena Braga da Conceição, de 37 anos.
Para dar o mínimo de alívio no tráfego por dentro do bairro, pouco mais de R$ 500 mil em recursos do Calha Norte foram investidos na construção de uma passarela de alvenaria, concluída em 2019.
A via elevada é o único meio de acesso a outros pontos da região durante o período de cheias. O coordenador de engenharia do Calha Norte, Hibernon Pessoa, concorda que ter uma passarela de alvenaria disponível aos moradores do bairro não resolve o problema de saneamento, mas garante a locomoção.
CALHA NORTE – A dona de casa Marilena Braga da Conceição, de 37 anos, com um dos filhos no colo no bairro da Várzea, em Cruzeiro do Sul.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
Pouco mais de 830 metros de passarela com um metro de largura foram construídos. Segundo a prefeitura da cidade, não existe infraestrutura para esgoto e a passarela funciona como uma alternativa. As casas, por sua vez, não seguem um padrão normal para habitação, já que tratam-se de invasões.
“Eu perdi minhas coisas na alagação. Quando chovia? Meu Deus do céu. É aquele lamaçal. Aqui quando tá alagado piora. Dá tanto peixe, tanto peixe. As crianças pegam virose, dengue. Malária tem sempre. Já precisamos ir para abrigo”, explicou a dona de casa Maria Pereira, de 48 anos.
CALHA NORTE – A família de Antônio Jorge Correia, de 50 anos, e de Maria Pereira, de 48 anos, conhece a realidade do bairro da Várzea, em Cruzeiro do Sul.
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CALHA NORTE – Bairro da Várzea, em Cruzeiro do Sul.
Mayara Subtil/Rede Amazônica
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