Com base nos casos do ano passado, a Fiocruz estima que viver em uma cidade próxima a focos de incêndio aumenta em 36% a probabilidade de ser internado por doenças respiratórias. Com o novo coronavírus, o cenário pode ser pior. Incêndio na floresta amazônica se aproxima da casa no interior de Rondônia
Ueslei Marcelino/Reuters
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) iniciou uma pesquisa para estudar a interação entre os efeitos das queimadas na Amazônia sobre a saúde das pessoas e a pandemia da Covid-19 que atinge a região, disse à Reuters um dos coordenadores do projeto, alertando que a combinação pode representar uma “catástrofe”.
Os incêndios na Amazônia, que ocorrem todos os anos na estação seca, atingiram número recorde no ano passado, o que chamou a atenção das autoridades internacionais sobre a destruição de uma floresta crucial na luta contra o aquecimento global. Desta vez, há uma preocupação adicional com as consequências para a saúde dos moradores da região diante da pandemia no novo coronavírus.
As partículas geradas pela queima têm grande capacidade de transporte e dispersão por centenas quilômetros, o que produz uma poluição de larga escala com capacidade de atingir diversas cidades vizinhas.
No ano passado, quando as queimadas na Amazônia chamaram a atenção do mundo, algumas cidades dos estados do Amapá, Pará, Maranhão e Mato Grosso tiveram o pior ano em termos de impactos à saúde por problemas respiratórios, de acordo com dados levantados pela Fiocruz. O cenário pode ser ainda pior com a presença da Covid-19 na região neste ano.
21 de junho: foto mostra vista aérea do cemitério Nossa Senhora Aparecida em Manaus, no Amazonas.
Michael Dantas/AFP
“A exposição à fumaça fragiliza o sistema imunológico, a pessoa fica mais vulnerável às infecções em geral, como a pneumonia. O sistema imunológico fragilizado e com a Covid pode ser uma catástrofe”, disse à Reuters o pesquisador Christovam Barcellos, um dos coordenadores do estudo a ser realizado pelo Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Lis/Icict).
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“A mesma pessoa pode pegar Covid e estar exposta à fumaça, e também tem a questão de os hospitais serem poucos e já estarem lotados”, acrescentou.
De acordo com dados do governo, os primeiros 15 dias de agosto testemunharam uma diminuição de cerca de 17% no número de incêndios em relação ao mesmo período do ano passado, mas mesmo assim foram registrados mais de 15 mil focos de incêndio nesse período. O período seco na região vai de maio a setembro.
A área do chamado “Arco do Desmatamento” – que vai do sudeste do Pará para o oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre – é a que provoca maior preocupação, após ter concentrado a maior parte dos focos de queimadas e também as maiores taxas de internação por doenças respiratórias da região amazônica no ano passado, segundo a Fiocruz.
Somente em maio e junho de 2019, mesmo antes do pico das queimadas no ano, foram registradas nesta área cerca de 5 mil internações de crianças por mês, o dobro do valor esperado, de acordo com o pesquisador.
A expectativa de Barcellos é divulgar nos próximos dias uma nota técnica sobre a interação das queimadas com a Covid-19, mas o estudo só será concluído em outubro, quando forem cruzados os dados das queimadas com informações do Ministério da Saúde sobre internações por doenças respiratórios na Amazônia.
Com base nos casos do ano passado, a Fiocruz estimou que viver em uma cidade próxima a focos de incêndio aumenta em 36% a probabilidade de se internar por doenças respiratórias.
Segundo o mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado na última quarta-feira (12), os estados do “Arco do Desmatamento” registraram na última semana epidemiológica um aumento no número de casos da Covid-19, chegando a incremento de 36% no Pará. Como um todo, a região Norte teve aumento de 14% no número de casos e elevação de 15% no número de óbitos no período.
Há uma preocupação em especial com os povos indígenas, que têm sido duramente atingidos pela pandemia. De acordo com dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 678 índios já morreram de Covid-19 no Brasil, com 25.415 casos confirmados até o momento.
O Ministério da Saúde registra um número menor, de 338 óbitos entre indígenas e 19.573 casos confirmados. Índios que deixaram as aldeias e se mudaram para cidades não são contabilizados separadamente pelo governo.
O Brasil, que tem a segunda pior epidemia de Covid-19 no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, registra no total mais de 3,4 milhões de infecções confirmadas e quase 108 mil óbitos pela doença, de acordo com dados divulgados pelo ministério até esta segunda-feira (17).
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