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Meio Ambiente

Pastagens subutilizadas podem ampliar área de soja no Cerrado por mais de 10 anos sem desmatamento, diz estudo

Levantamento feito pela organização TNC Brasil mostra que a necessidade de novas áreas para o grão no bioma é de 73 mil km² em uma década, enquanto a disponibilidade de pastos com aptidão agrícola é de 185 mil km². Plantação de soja no Tocantins, no Cerrado do Brasil
Adapec/Divulgalção
Um estudo mostra que é possível ampliar a área de soja no Cerrado do Brasil por mais de 10 anos sem a necessidade de desmatamento, com a conversão de pastagens subutilizadas em áreas agrícolas.
Área agrícola ocupou 7,6% do território nacional em 2018
O bioma é um dos mais utilizados pela agropecuária e está em cerca de 23% do território do país, passando por 11 estados mais o Distrito Federal.
Entre agosto de 2018 e julho de 2019, foram desmatados mais de 6,4 mil m² (ou 648,4 mil hectares) dentro do bioma. O número representa queda de 2,26% em relação ao período anterior, mas especialistas alertam: a área ainda está em risco, já que resta pouca mata original preservada.
Infográfico mostra a evolução das taxas de desmatamento do Cerrado, de 2001 a 2019
Elida Oliveira/G1
E a solução para o desmatamento está dentro do próprio Cerrado, como mostra o levantamento feito pela organização ambiental The Nature Conservancy (TNC) Brasil. O estudo levou em conta a principal produção agrícola do bioma: a soja.
A partir da análise do uso da terra para a expansão do grão neste bioma, executada em parceria com a consultoria Agroicone, o estudo mostra que há mais de 185 mil km² (18,5 milhões de hectares) de pastagens no Cerrado adequadas à produção de soja.
Este número que corresponde a mais do que o dobro dos 73 mil km² (7,3 milhões de hectares) que serão necessários, nas condições atuais de mercado, para garantir a expansão por pelo menos 10 anos.
“São 3 pontos: é possível e necessário conservar e produzir, dá para aumentar a produtividade e os mecanismos financeiros (créditos e financiamentos) são importantes para a ajudar a expandir a produção que não desmata”, explica José Otávio Passos, especialista em negócios e investimentos da TNC Brasil.
O estudo diz ainda que a expansão da soja em terras de pasto já existentes tem custo menor de implantação e maior produtividade do que desmatar uma área com vegetação nativa. O levantamento diz que é 3 vezes mais rápido atingir rendimentos máximos de colheitas em terras de pastagens já convertidas.
“O produtor precisa considerar que a rentabilidade de uma área leva em conta 3 itens: custo da terra, custo de conversão da terra e a produtividade. Em um primeiro momento, pode parecer vantajoso desmatar, mas as consequências mostram que não”, afirma Passos.
“Estudos mostram que a produtividade pode cair 10% ao redor de áreas desmatadas. Isso causa o que chamamos de ‘mudança das condições climáticas em nível não-local’ em um raio de 50 km ao redor da área desmatada”, completa.
Além da soja
A engenheira agrônoma Leonor Lopes-Assad, especialista em manejo de solos, explica que a sustentabilidade pode ir além da conversão de pastagens. Para ela, não precisa necessariamente trocar a pecuária pelo grão. O principal caminho, diz, é a integração de lavoura com pecuária e floresta.
“Extensas áreas com monocultivo de soja causam impactos no ambiente e torna o sistema de produção cada vez mais frágil. O sojicultor, para ser sustentável no tempo tanto em termos ambientais quanto econômicos, precisa ser menos imediatista”, diz Leonor.
“É mais difícil para quem trabalha com pecuária virar sojicultor da noite para o dia. Para esses, sistemas, como a integração lavoura-pecuária, podem ser uma alternativa. Principalmente se ele entender que soja não é a única cultura com a qual se pode ter renda na agropecuária.”
Apoio financeiro para não desmatar
A TNC estima que são necessários R$ 24 bilhões para converter pastagens degradadas em áreas de lavoura em 10 anos, o que seria apenas uma fração do mercado brasileiro de crédito rural, que passa das centenas de bilhões. Passos afirma que os mecanismos financeiros terão papel importante na preservação do Cerrado.
“O setor financeiro precisa ser mais estratégico, pensar nos produtores que querem produzir de maneira mais sustentável”, diz o especialista da TNC, que criou em agosto uma linha de crédito junto com a Bunge e o Santander de US$ 50 milhões para ajudar os agricultores a comprar áreas de pastagem, com prazos mais longos que os praticados no mercado.
A engenheira agrônoma lembra que existem também programas governamentais, como o Plano ABC (Agricultura de baixo carbono), que são linhas de crédito que estimulam a adoção de sistemas integrados e recuperação de pastagens.
“É preciso estimular a produção de soja em sistemas integrados. Isto é bom para o ambiente e para o sojicultor, que tem alternativas de renda quando preço de soja despenca”, reforça Leonor Lopes-Assad.
O Cerrado e o agronegócio
O Cerrado brasileiro tem área maior que a soma dos territórios da Alemanha, Espanha, Itália, França e Reino Unido. É também uma das principais regiões agrícolas do mundo, considerada o centro da produção de alimentos nas últimas décadas.
Mas, a expansão da pecuária e da agricultura levou ao desmatamento, seja ele legal ou ilegal, de metade da vegetação nativa do bioma. E a perda de vegetação nativa deixa uma grande consequência em termos de emissões de carbono e ameaça a biodiversidade da região, como indica o estudo.
Infográfico mostra a localização dos biomas Amazônia e Cerrado
Rodrigo Cunha/G1
Entre agosto de 2018 e julho de 2019, os estados do Cerrado que lideram o desmatamento no período são Tocantins (1,4 mil km²) e Maranhão (1,3 mil km²), que fazem parte da expansão da nova fronteira agrícola conhecida como “Matopiba” – que une as siglas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Os dois últimos estados estão na 4ª e na 7ª colocação entre os mais desmatadores do bioma.
De acordo com o Código Florestal, a legislação ambiental do país, produtores do Cerrado têm direito a desmatar legalmente 65% da área da propriedade dentro deste bioma nos estados da Amazônia Legal (Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá, Mato Grosso, Tocantins e Goiás) e 80% nos outros estados do Brasil.

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