Estudo do professor e pesquisador da FGV Isaías Coelho mostra que esse tipo de tributo, cogitado pela equipe econômica, é cobrado principalmente na América Latina. A cobrança de um tributo sobre transações financeiras — algo semelhante à proposta de taxação do comércio eletrônico, em cogitação pela equipe econômica do governo — é feita somente em 11 países, a maioria da América Latina, segundo levantamento do professor Isaías Coelho, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas — FGV-Direito SP.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda não explicitou a proposta. Ele defende genericamente a criação de um tributo sobre pagamentos eletrônicos, que seria uma das próximas partes do projeto de reforma tributária que começou a enviar ao Congresso.
Em três dos países relacionados pelo estudo do professor Coelho (México, Paquistão e Sri Lanka), a cobrança ocorre somente sobre saques em dinheiro e tem por objetivo estimular a chamada “bancarização” da população.
Paulo Guedes entrega primeira parte da reforma tributária ao Congresso
Coelho já foi secretário-adjunto da Receita Federal (área de tributação do mercado de capitais) e chefe da Divisão de Política Tributária do Fundo Monetário Internacional (FMI). Também é membro do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), órgão responsável por uma das propostas de reforma tributária em debate no Congresso Nacional.
Segundo o estudo, são os seguintes os países que têm tributo sobre transações financeiras ou sobre saques:
Argentina: tributo sobre transações tanto em crédito (entrada do dinheiro na conta) quanto débito (saída), com validade até dezembro de 2022.
Bolívia: tributo sobre transações tanto em crédito quanto débito, com validade até dezembro de 2023.
Peru: tributo sobre transações tanto em crédito quanto débito, com validade até dezembro de 2021. Nesse caso, a alíquota é de 0,005% e creditável contra imposto de renda. O imposto é usado para controle, ou seja, evitar sonegação e fraudes.
Colômbia: tributo sobre transações, mas somente no débito (quando o dinheiro sai da conta, como a antiga CPMF).
Honduras: tributo sobre transações, mas somente no débito (quando o dinheiro sai da conta, como a antiga CPMF).
República Dominicana: tributo sobre transações, mas somente no débito (quando o dinheiro sai da conta, como a antiga CPMF).
Venezuela: tributo sobre transações, mas somente no débito (quando o dinheiro sai da conta, como a antiga CPMF).
Hungria: tributo sobre transações, mas somente no débito (quando o dinheiro sai da conta, como a antiga CPMF).
México: tributo sobre saques em dinheiro, para induzir bancarização. País também tem uma retenção sobre grandes retiradas em dinheiro, creditável em outros impostos.
Paquistão: tributo sobre saques em dinheiro, para induzir bancarização.
Sri Lanka: tributo sobre saques em dinheiro, para induzir bancarização.
Nova CPMF de Guedes sofre resistência no Congresso
Posição da área econômica
O ministro Guedes afirmou neste mês que o governo pretende incluir na reforma tributária a criação de um imposto de 0,2% sobre pagamentos ou comércio em meio eletrônico.
Segundo ele, a intenção é ampliar a base de cobrança, ou seja, a variedade de locais onde os impostos incidem. Com isso, diz o ministro, seria possível reduzir a cobrança que recai sobre outras bases, como a folha de pagamentos.
Ele tem argumentado que um tributo sobre transações financeiras é de difícil evasão, ou seja, que é paga por todos os contribuintes que utilizam os meios digitais, e que, apesar da forte semelhança, não seria uma nova CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira].
A CPMF foi um imposto que existiu até 2007 para cobrir gastos do governo federal com projetos de saúde – a alíquota máxima foi de 0,38% sobre cada débito. O assunto é polêmico e provocou até a queda, em setembro do ano passado, do então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, que apoiava a volta de um tributo sobre movimentação financeira.
De acordo com o blog do jornalista Valdo Cruz, colunista do G1 e comentarista da GloboNews, em suas conversas para defender o novo tributo sobre pagamentos eletrônicos, o ministro Paulo Guedes tem dito a seus interlocutores que a disputa sobre o tema será entre o “feioso” contra o “cruel”.
Na avaliação do ministro, a criação do tributo “feioso” (sobre transações financeiras) traria competitividade para setor privado na medida em que permitiria a eliminação gradual do imposto “cruel” – a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento.
Guedes não tem citado a possibilidade de aumentar o Imposto de Renda Pessoa Física dos mais ricos — cuja alíquota é bem mais alta em países como Estados Unidos, Alemanha, China, Portugal e Suécia, por exemplo — como forma de aumentar a arrecadação para compensar a desoneração da folha de pagamentos.
No Brasil, a alíquota máxima é de 27,5%. Na Alemanha, de 47,5% (quanto mais alta for a renda, maior será a alíquota de imposto); na China, 45%; na Suécia, 61,85%, a mais elevada; nos Estados Unidos, as alíquotas vão de 10% a 37%, e as faixas variam de acordo com a condição do declarante: solteiro, casados que declaram separadamente ou chefe de família.
CPMF
Para o professor Isaías Coelho, autor do levantamento sobre tributo sobre transações financeiras nos países, a proposta de restaurar um tributo parecido com a antiga CPMF é “difícil de entender”. Para ele, esse seria um tributo “da pior qualidade, pior do que qualquer outro imposto existente no Brasil”.
“A CPMF incide em cascata, é regressiva [penaliza proporcionalmente os mais pobres] e causa desintermediação financeira [pagamentos fora da rede bancária] e informalidade [caixa dois, evasão fiscal]. Há muitos estudos documentando os efeitos nocivos da CPMF”, avaliou em artigo.
Coelho observou que, dos países que atualmente têm impostos sobre transações financeiras, nenhum país é desenvolvido e tem mercado de capitais sofisticado como o Brasil.
“Quando havia CPMF no Brasil, os detentores de elevados recursos financeiros estavam (por lei) livres dela, já que abrigados em ‘contas de investimento’ geridas pelo bancos. Os de menores recursos eram deixados na chuva”, acrescentou.
Questionado recentemente sobre a proposta de um imposto sobre transações digitais, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que o BC não comenta assuntos tributários.
Entretanto, declarou que “sempre preocupa a qualquer banqueiro central qualquer tipo de imposto sobre transação que gere desintermediação financeira”.
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