Símbolo da Mata Atlântica e da resistência da fauna, pequeno primata viu ao longo das décadas seu habitat natural ser devastado pela ação humana. Obra inaugurada no início de agosto pretende ajudar micos a cruzarem a rodovia sem serem atropelados Há mais ou menos quatro décadas, mico-leão-dourado chegou próximo à extinção
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Quase todos os dias, a bióloga Andréia Martins percorre reservas de Mata Atlântica assobiando um som similar ao do mico-leão-dourado.
O pequeno primata de juba alaranjada esteve bem próximo da extinção há cerca de 40 anos. Hoje, ele prospera em um conjunto de reservas naturais entre os municípios de Silva Jardim e Casimiro de Abreu, no Estado do Rio de Janeiro, região onde a espécie é endêmica.
O assobio de Andréia ajuda a localizar um animal sozinho ou uma família inteira para saber que estão em seu território, um lugar seguro.
Os pequenos primatas também podem ser encontrados com gravações que reproduzem suas vocalizações. Ou ainda pelo sinal transmitido por um colar colocado em um integrante de cada grupo que habita a área e que é captado por uma antena da Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD), na qual Andréia trabalha.
Essas são apenas algumas das iniciativas para preservar o mico-leão-dourado, que pesa, quando adulto, pouco mais de meio quilo e vive até 12 anos na natureza.
Mas a espécie passou por muitos sufocos. Foi importada pelos europeus como animal de estimação, nos anos 1500, e retratada nos quadros da realeza espanhola da época. Também se tornou um alvo frequente de contrabando na história recente.
Originalmente, ela habitava as florestas do interior do Rio, da capital até a divisa com o Espírito Santo. Nativos dessa região de Mata Atlântica, os micos nunca foram encontrados em outras regiões do Brasil ou do mundo.
Mas, com a perda do seu habitat natural, eles foram cada vez mais confinados a “ilhas” de vegetação em áreas públicas e privadas. De acordo com o livro Uma história de conservação: a Mata Atlântica e mico-leão-dourado, de Cristina Serra e Haroldo Palo Jr., antes da devastação da Mata Atlântica, o animal chegou a habitar 24 municípios do Rio de Janeiro, inclusive a região metropolitana da capital. Em 2015, só podia ser encontrado em oito cidades.
Nos anos 1970, havia apenas cerca de 200 micos-leões-dourados espalhados pelas áreas fragmentadas de floresta no interior do Rio de Janeiro. O mico-leão-dourado chegou a ficar “criticamente ameaçado” de extinção, mas os esforços para protegê-lo produziram resultados e fizeram sua população amentar.
Desde 2003, a espécie é classificada como “ameaçada” de extinção, o que significa que o risco de isso acontecer diminuiu, mas ainda é alto. Há dois anos havia 3,7 mil micos, mas um surto de febre amarela os afetou drasticamente. Ainda assim, estima-se que atualmente sejam pelo menos 2,5 mil, diz secretário-executivo da Associação Mico-Leão-Dourado, o geógrafo Luís Paulo Ferraz.
Importado por europeus, usado como animal de estimação e vítima de contrabando: trajetória do mico-leão-dourado tem sido de sufocos
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Agora, por precaução, atividades como o ecoturismo foram suspensas na região, já que não se sabe se o homem pode transmitir o novo coronavírus para o pequeno primata, segundo Ferraz.
“O mico-leão-dourado é uma espécie que se tornou símbolo de resistência e conservação da biodiversidade no mundo. Os esforços de conservação para reverter a ameaça de extinção envolvem muita gente. Começaram há 40 anos e são permanentes”, diz Ferraz.
Viaduto ‘inédito’ para a fauna
No início de agosto, uma iniciativa inédita no país, criada para garantir a sobrevivência do pequeno primata e de outras espécies, como onça-parda, preguiça-de-coleira e tamanduá-mirim, foi inaugurada.
O viaduto coberto por vegetação sobre a estrada BR-101 liga duas áreas de Mata Atlântica na altura do km 218. De um lado, está a Reserva Ecológica de Porto das Antas e, do outro, propriedades rurais que fazem parte da área de proteção ambiental Bacia do rio São João-Mico-Leão-Dourado.
Espera-se que os animais usem a estrutura, que tem pouco mais de 50 metros de comprimento e 20 metros de largura, para cruzar a rodovia sem serem atropelados por um dos cerca de 20 mil veículos que passam por ali todos os dias.
Viaduto tem espécies típicas da Mata Atlântica
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“No caso do mico-leão-dourado, a rodovia era uma barreira, e o bicho não se arriscava a atravessá-la. Os micos vivem em grupos, em família, e precisam da floresta para encontrar alimentos e para que as famílias interajam e garantam a sobrevivência da espécie. O problema é que a Mata Atlântica está dividida em fragmentos. E essa fragmentação é uma grande ameaça”, diz Ferraz.
O procurador da República Fábio Sanches explica que a construção do viaduto já estava prevista para ser feita quando a BR-101 foi duplicada, mas o Ministério Público moveu uma ação porque esta e outras obras em prol da conservação de animais estavam atrasadas.
“Pelo ineditismo e importância para a fauna brasileira, esse viaduto pode ser modelo para outros lugares do Brasil”, diz o procurador.
A empresa Arteris Fluminense, responsável pela obra, diz que está construindo desde o ano passado um conjunto de “dispositivos” para a fauna ao longo de 72 km da BR-101 na região de Casimiro de Abreu e Rio Bonito.
Atualmente, isso inclui quinze passagens subterrâneas, dez estruturas aéreas e mais de trinta quilômetros de cercas “para condução de fauna”, que auxiliam os animais a encontrarem as passagens seguras.
Ferraz diz que o mico teve um papel importante para viabilizar a construção do viaduto. “Por ser uma espécie ameaçada de extinção, o mico-leão-dourado foi fundamental para tirar do papel o viaduto, que servirá também para os outros animais. Não podemos perder o mico. Seria uma prejuízo inestimável para a biodiversidade do nosso país.”
A bióloga Andréia Martins diz que hoje existem mais instrumentos de controle e de fiscalização e uma maior conscientização da sociedade, o que não só contribuiu para melhorar a situação da espécie como será fundamental para garantir que ela siga prosperando.
“Hoje, o mico-leão-dourado está muito mais protegido do que no passado. Quando eram 200 ou 300, eu dizia que chegaríamos aos 3 mil e tinha gente que não acreditava. E foi possível. Agora, acho que podemos chegar aos 5 mil.”
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