Moradores passam por uma casa danificada durante o tufão nas Filipinas, em 25 de dezembro de 2019
Bobbie Alota/AFP
O fuso horário de onze horas à frente do nosso fez com que os cidadãos de Filipinas estivessem na noite de Natal quando, para nós, ainda era manhã do dia 24 e muitos estavam às voltas com as últimas compras. Pois lá, naquele arquipélago do Pacífico, cuja maioria da população é católica, milhares de pessoas ficaram sem poder sair às ruas, bloqueadas em estradas e portos na noite de Natal por causa da passagem de mais um tufão em seu território. Por enquanto não se tem notícias de vítimas fatais, até porque mais de dez mil pessoas foram deslocadas de suas casas para abrigos e passaram a noite em escolas, academias e outros prédios públicos. Mas há regiões remotas que ainda não foram acessadas, portanto não se sabe, exatamente, se há mais vítimas.
Tufão é um ciclone tropical e a região do Pacífico onde ficam Filipinas e outros pequenos arquipélagos é considerada uma espécie de bacia de ciclones. As mudanças climáticas, já comprovadamente, vêm aumentando a intensidade e a quantidade desses eventos extremos. Assim como é preciso que alguns países usem tecnologia para enfrentar a seca, é absolutamente necessário que as nações que ficam na reta de tufões e tempestades tropicais, como Filipinas, se organizem para que a passagem deles não cause tantos estragos nem – pior dos mundos – causem mortes. Um estudo do Banco Asiático de Desenvolvimento, com sede em Manila, descobriu que as tempestades mais frequentes cortam 1% da produção econômica das Filipinas e as mais fortes em quase 3%, diz a reportagem do “The Guardian” sobre o assunto.
Notícias sobre tufões, ciclones, tempestades tropicais que arrasam um ou mais territórios têm sido cada vez mais comuns. Na sequência, o que se vê é que, quando o país tem recursos financeiros, ele até se sai bem, consegue reconstruir grande parte do que ficou devastado. Não é o caso quando a região é pobre.
Filipinas, em imagem de arquivo de 2009
Amelia Gonzalez/G1
No Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) lançado em dezembro, Filipinas aparece em 106º , o que quer dizer que os registros o inserem num bom lugar entre os demais 194 países. Como tenho nítido na memória a entrevista que fiz com um dos idealizadores do IDH, Amartya Sen , em que ele criticou sua própria criação, ouso dizer que, mesmo em tão boa colocação nos parâmetros das Nações Unidas, não deve ser fácil para aquele país se reerguer depois de um evento extremo.
Na memória, trago também as imagens de uma visita que fiz a Manila, há uma década, em que fiquei impressionada com a quantidade de favelas, uma após a outra, no Centro da capital. E olhem que moro no Rio de Janeiro, ou seja, não é muito fácil me deixar impactar por favelas. É bem verdade que, naquela época, o IDH do país era considerado baixo, portanto houve um desenvolvimento notável desde então para os dados oficiais. Mas a renda de 45% da população filipina ainda permanece em cerca de dois dólares por dia.
É importante considerar este cenário para quem está submerso nas notícias do clima e nas tentativas, até agora pouco profícuas, de se provocar a solidariedade dos países ricos para ajudar os mais pobres a se livrarem da maior crise que a humanidade jamais enfrentou em todos os tempos. Aqui vale lembrar que os cientistas afirmam, ano a ano, mês a mês, semana a semana, que não há trégua para o aquecimento global. Para citar apenas um dado, em março de 2012, os prognósticos de um estudo assinado pela OCDE, chamado “Panorama Ambiental para 2050” , estimavam um aumento de três graus das temperaturas médias globais já em 2050, ou seja, daqui a três décadas.
“Para as 52 nações localizadas em pequenas ilhas, as chamadas Sids (Small Island Developing States), o colapso ambiental não é uma potencialidade, mas uma realidade em curso, pois os oceanos estão em vias de varrer do mapa esses pequenos paraísos nos quais vivem uma quantidade imensa de biodiversidade e quase 1% da humanidade”, alerta Luiz Marques em seu “Capitalismo e Colapso Ambiental” (Ed. Unicamp).
Mesmo com todas essas informações fazendo parte das melhores cartilhas climáticas dos últimos tempos, os representantes que se reuniram na 25ª Conferência do Clima da ONU em Madri, no início de dezembro, nada fizeram a favor dos mais vulneráveis aos desastres climáticos. Num artigo publicado semana passada no site Climate Home News, o cientista bengali Saleemul Huq conta sobre uma estratégia pouco nobre que vem sendo adotada em tais encontros. As reuniões têm se alongado mais do que o previsto e, como os países mais vulneráveis são aqueles que não podem ficar mais tempo (falta de recursos para pagar mais dias de hotel para a comitiva), eles vão embora antes das decisões finais.
“As decisões tomadas nas últimas horas do prolongamento da reunião são invariavelmente prejudiciais aos seus interesses e, quando chegam em casa e leem o texto final, percebem que suas palavras desapareceram dele. Prolongar o prazo é uma tática bastante deliberada para se livrar dos delegados pobres e vulneráveis do país”, explica Saleemul Huq.
Por essas e por outras, o cientista se desiludiu. Mesmo sendo um dos que colabora para os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês), ele resolveu mudar. No ano que vem, quando a reunião da ONU sobre o clima vai acontecer em Glasgow, no Reino Unido, Saleemul Huq pretende arregimentar os diversos atores, incluindo sociedade civil, empresas, cidades, universidades, comunidades indígenas, jovens e outros, para mostrar suas ações, “enquanto os negociadores oficiais podiam ficar nas salas menores até altas horas discutindo sobre vírgulas e palavras”. Será uma espécie de “COP das Ações”, diz ele.
Faz sentido. Até porque Huq conta outro bastidor da reunião que não surpreende a ninguém. Segundo ele, enquanto a jovem sueca Greta Thunberg falava em plenária para os membros da COP25 eles a ouviram e depois a aplaudiram. Mas foi uma atitude protocolar, apenas. Passado aquele momento, cada um se voltou a debater o de sempre, sem levar em conta as palavras, os alertas, os pedidos da jovem que estava ali, naquele instante, representando milhões de jovens do mundo todo.
Gosto da proposta do cientista, de buscar holofotes para a sociedade civil que realmente está tentando enfrentar o problema com próprios recursos e tecnologias, numa espécie de COP anexa. Será uma forma de diminuir a distância enorme entre o que é discutido e acordado nas reuniões do clima oficiais da ONU e a realidade do dia a dia de muitos que estão, exatamente neste momento, tentando sobreviver a mais uma devastação causada por eventos que se intensificam por causa das mudanças climáticas.
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