A crise provocada pelo coronavírus, afirma o economista, deixará como herança um elevado contingente de trabalhadores desempregados e empresas quebradas, o que vai minar a força do setor privado para ajudar na recuperação do país. O economista Nelson Marconi avalia que a retomada da economia vai depender do setor público. A crise provocada pelo coronavírus, afirma ele, deixará como herança um elevado contingente de trabalhadores desempregados e empresas quebradas. Não haverá força, portanto, para o setor privado ajudar na recuperação do país.
“Não será o setor privado que vai conseguir tirar a economia do buraco. Nesse cenário, o único que pode investir é o setor público porque a decisão de investimento independe desse quadro todo, da quebra das empresas e do aumento desemprego”, afirma Marconi, também professor da Fundação Getulio Vargas.
Marconi integra o grupo dos economistas que defende a emissão de moeda para ajudar no combate aos efeitos da pandemia. “A solução de financiar (gastos) com a emissão de moeda é a menos custosa para o país e outras economia estão fazendo a mesma coisa”, afirma.
O G1 entrevistou economistas para saber o que esperar depois da pandemia. Leia as demais entrevistas:
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Economista Nelson Marconi
Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo/Arquivo
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao G1.
Qual é a avaliação do sr. sobre a economia brasileira?
Estamos na maior crise da economia brasileira e há uma conjunção de crise econômica, política e sanitária. As três estão interligadas. O país vai ter uma queda do PIB muito forte este ano porque o governo não está tomando as medidas que precisam ser adotadas. Quanto mais tempo o governo demora para fazer um enfrentamento incisivo da pandemia no país, mais tempo leva para a economia voltar para a normalidade. Do ponto de vista social, a crise vai ser muito maior.
Qual é a avaliação sobre a atuação do governo?
O governo deveria ter sido mais incisivo na questão da renda emergencial. O que faz as pessoas irem para a rua é a necessidade de ter algum recurso. A única forma de segurar esse avanço da doença, fazendo com que as pessoas não fossem para a rua, seria ter um auxilio emergencial maior. A gente defendia um valor do auxílio R$ de 1,2 mil. Numa situação dessa, numa crise dessa, o governo precisa entrar gastando. Esse é o primeiro erro.
O segundo erro é que o governo insiste em tratar a questão fiscal dessa crise da forma tradicional. Na verdade, dado que é uma situação anormal, ele precisaria tratar isso também de forma diferente. Ele precisaria emitir moeda. Há todo um mecanismo de venda de títulos do Tesouro para o Banco Central quer permitiria ao governo emitir moeda e financiar esse gasto adicional de uma forma mais fácil, sem emitir dívida no mercado.
E há algum acerto nas ações do governo?
De positivo, o que posso dizer é que o Banco Central abriu algumas linhas de crédito importantes para as empresas, ainda que elas não estejam conseguindo acessar. E o governo ajudou a votar a PEC do ‘orçamento de guerra’. Foi fundamental, ainda que tenha sido muito mais o Congresso do que o Executivo. De outra forma, o governo estaria totalmente atado.
O debate sobre emissão de moeda para financiar os gastos na pandemia ganhou relevância nas últimas semanas. Poderia detalhar um pouco mais?
Ou você vende título ao mercado e aumenta a dívida pública junto ao mercado – isso é o que o governo está fazendo e vai ter um problema lá na frente – ou pode fazer a emissão de moeda se vender títulos do Tesouro para o Banco Central. Alguns economistas dizem que haverá mais inflação fazendo isso. Não será assim. Vai ter uma taxa de câmbio mais alta e isso é um problema. Mas é mais fácil corrigir a distorção da taxa de câmbio do que o aumento da dívida pública. A solução de financiar (gastos) com a emissão de moeda é a menos custosa para o país e outras economia estão fazendo a mesma coisa.
Como o Brasil vai sair dessa crise?
Eu acredito que não tem essa recuperação em V como os economistas falaram. Vai haver um desemprego muito alto, as famílias vão perder parentes, vão sair com um trauma muito grande. As pessoas vão demorar a sair para rua e consumir. As empresas, por não terem receita, vão quebrar, demitir pessoas. E isso vai virar uma bola de neve indesejável. É uma crise muito forte e não é uma saída rápida.
Economista Nelson Marconi
Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo/Arquivo
E como fica o investimento depois dessa crise?
O setor privado não vai investir num cenário desse. Ele está quebrado. Não vai ter demanda no mercado. Por que um empresário vai investir num cenário desse? Não tem lógica. Não será o setor privado que vai conseguir tirar a economia do buraco. Nesse cenário, o único que pode investir é o setor público porque a decisão de investimento independe desse quadro todo, da quebra das empresas e do aumento do desemprego.
Nesse momento, nós vamos ter de aumentar o gasto do setor público para poder tirar a economia do buraco. Inclusive, se o governo aumentasse o investimento público na área de saúde e saneamento básico, esse investimento público, além de gerar mais renda na economia, ajudaria o país a sair da pandemia porque melhoraria os indicadores de saneamento. Seria a melhor solução, mas o governo parece que não está preocupado em caminhar nesse sentido.
Mas há uma restrição fiscal importante.
Tudo depende da forma como o governo financia os gastos nesse momento. Se ele está financiando da forma como está fazendo, a dívida futura vai aumentar. O investimento público pode ajudar a retomar a atividade econômica e, com isso, aumentar a arrecadação do governo. A relação dívida/PIB também começa a melhorar depois de algum tempo porque vai haver crescimento.
Entre boa parte dos economistas, há um consenso do aumento de gastos para conter a pandemia, mas a necessidade de o país seguir sinalizando uma preocupação com o ajuste fiscal. Qual é a sua avaliação?
Se o país sair dessa situação e for direto para o ajuste fiscal, o tombo da economia vai ser maior. O governo precisa fazer o investimento púbico com seus recursos, buscando recursos junto ao Banco Central, com o BNDES aumentando os seus desembolsos, além de tentar fazer andar uma parte das concessões que estavam muito mal encaminhadas.
Nós estamos numa situação sui generis. Quando foi a última vez que nós tivemos uma crise sanitária como essa? Há 100 anos na gripe espanhola. Quando a gente teve um PIB caindo, como está caindo agora? Na nossa história, talvez, na década de 30, mas nem na época da poupança (confisco) do Collor teve uma queda da economia tão grande como a que vai ter agora.
A pandemia parece ter escancarado a desigualdade do país. Como fica agenda social?
Eu espero que mude um pouco a percepção e a visão do papel social do governo. O nível de desigualdade, a questão do saneamento e a ocupação muito precária das pessoas deixam o quadro na pandemia muito ruim. Está caindo a ficha agora de que você precisa ter políticas sociais mais fortes. Isso no mundo inteiro. Essa pressão vai vir forte. E politicamente o governo vai ter de fazer alguma coisa na área social. É importante que haja uma pressão da sociedade e que o governo atenda a essa pressão porque ela é legítima.
O que esperar do quadro internacional?
Do ponto de vista internacional, vai haver provavelmente uma discussão mais globalizada da agenda ambiental e das grandes diretrizes de políticas sociais e emprego. Ao mesmo tempo, os países vão tentar se proteger mais. Já está acontecendo. Os Estados Unidos e a China estão disputando equipamentos médicos.
O Brasil precisa pensar nisso estrategicamente, em como proceder. A gente ainda não tem estratégia. Nossa estratégia é simplesmente: vamos abrir (a economia) e acabou. E, na verdade, o que vai ocorrer é o contrário.
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