No grupo dos países mais industrializados, Brasil está entre aqueles cujos hábitos alimentares são menos sustentáveis, com emissão elevada de CO2 sobretudo devido ao consumo excessivo de carne vermelha e laticínios. Pessoas fazem compras de última hora em Bangalore, na Índia, na terça-feira (14), antes de novo lockdown na região para evitar propagação do novo coronavírus
Manjunath Kiran / AFP
Se cada habitante da Terra comesse bifes e derivados do leite como os brasileiros e os americanos, seriam necessários até seis planetas extras para alimentar o mundo, revelou o primeiro relatório comparativo das emissões de carbono provocadas pelo consumo alimentar no G20, grupo que reúne as 19 nações mais industrializadas e a União Europeia.
O estudo Diets for a better future (Dietas para um futuro melhor), publicado nesta quinta-feira (16), indica que o Brasil, Alemanha, Argentina, Canadá e Estados Unidos estão entre os que excedem de longe os níveis sustentáveis de emissões carbônicas, em grande parte devido a seu alto consumo de carne vermelha e laticínios, excedendo até suas próprias diretrizes nutricionais.
“Esse relatório mostra que o consumo de alimento nos países do G20 é insustentável, requerendo [a capacidade de produção de] até 7,4 Terras, se adotado globalmente”, comentou João Campari, diretor global de Prática Alimentar do fundo ecológico WWF.
Apenas a Índia e a Indonésia mantêm uma dieta suficientemente baixa em emissões de CO2 para cumprir a meta do Acordo do Clima de Paris, de restringir o aquecimento global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais. Na China, o crescimento econômico contínuo tem inflado o consumo de carne e alimentos importados: se sua dieta nacional fosse adotada em escala planetária, o aquecimento chegaria a até 3 ºC.
Segundo Corinna Hawkes, diretora do Centre for Food Policy da Universidade de Londres, “o sistema alimentar está muito longe de fornecer dietas que alcancem saúde e bem-estar dentro dos limites planetários”. Por outro lado, “a boa notícia é que há muito que os governos, empresas e cidadãos podem fazer para que isso aconteça, construindo em cima da ação existente”, a fim de trazer benefícios para todos.
Diretrizes dietéticas, desperdício e papel na pandemia
23 de junho – Cruz vermelha faz ação de combate ao coronavírus na Ceasa do Rio de Janeiro (RJ), nesta terça-feira (23)
Silvia Izquierdo/AP
Publicado pela ONG EAT, sediada na Noruega, Diets for a better future focou tanto nas taxas de consumo quanto nas diretivas dietéticas nacionais das 20 principais economias, que concentram 64% da população mundial, mas também 75% do total de dióxido de carbono relacionado à cadeia alimentar humana.
Cerca de 40% das emissões carbônicas da produção global de alimentos vêm da criação de gado e aves para abate, e de lixo alimentar, com o restante gerado principalmente pela produção de arroz, uso de fertilizantes, conversão de terras e desmatamento para acomodar safras comerciais.
Carne vermelha e laticínios estão entre os alimentos menos sustentáveis e mais consumidos em excesso no G20. A Argentina excede em quase cinco vezes os limites da sustentabilidade climática, seguida pelo Canadá, Brasil, Estados Unidos, Rússia e Austrália.
Migrante venezuelano segura um cartaz com a mensagem ‘Estamos com fome’ nas ruas de Guayaquil, no Equador, na quarta-feira (22)
Jose Sanchez / AFP
O relatório também identificou países cujas diretrizes dietéticas para esses dois grupos alimentares excedem as da Planetary Health Diet, desenvolvida pela comissão científica EAT-Lancet.
A Alemanha, por exemplo, recomenda 50 gramas diários de carne vermelha, e o consumo real é de quase 110 gramas, enquanto as diretivas dietéticas globais são de, no máximo, 28 gramas. Quase todos os países examinados consomem menos frutos secos e leguminosas do que seria aconselhável.
“Diretrizes dietéticas nacionais são um fator que os países podem usar para impulsionar a urgentemente necessária transformação para dietas mais saudáveis, sustentáveis, e, em última análise, um sistema alimentar mais resiliente”, frisou o principal autor do relatório, Brent Loken.
Ele apontou o problema do desperdício de comida como especialmente grave nos integrantes do G20, com amplas repercussões até mesmo na saúde global: “A atual pandemia mostrou quão fracassado é o nosso sistema alimentar. A comida que comemos e como a produzimos também são motores-chave da emergência de vírus letais como o Sars-Cov-2. Uma mudança na direção de dietas saudáveis e sustentáveis reduziria o risco de pandemias futuras.”
João Campari, do WWF, reforçou: “A pandemia é uma manifestação de nossa relação deteriorada com a natureza, e como a forma de produzir e consumir comida está no cerne disso.”
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