Estudo liderado pelo brasileiro Paulo Brando, do Instituto de Pesquisas da Amazônia, foi publicado na revista “Science Advances” nesta sexta (10). Registro da espécie Angelim Vermelho, a mais alta da Amazônia, na Floresta Estadual do Parú, no Pará
Tobias Jackson/Divulgação
O aumento da temperatura da Terra pode levar a maiores incêndios na Amazônia e, consequentemente, tornar a floresta uma emissora de gases do efeito estufa, de acordo com um estudo publicado na revista “Science Advances”, nesta sexta-feira (10).
Isso poderá ocorrer porque, com um tempo mais seco, as árvores da Amazônia ficam mais vulneráveis ao estresse hídrico, perdem mais folhas (que viram material combustível) e retêm menor umidade na área mais baixa da vegetação (chamado de sub bosque), o que geralmente impediria os focos de incêndio de se alastrarem.
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Os dados apontam que 16% da floresta no Sudeste da Amazônia poderá ser consumida por incêndios até 2050, liberando 17 bilhões de toneladas de CO2 equivalente – medida métrica usada para mensurar os gases do efeito estufa. Assim, ao invés de absorver gases no processo de respiração da floresta, a Amazônia passará a ser emissora de gases poluentes.
A pesquisa, liderada pelo brasileiro Paulo Brando, do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam), aponta que mesmo se o desmatamento diminuir nos próximos trinta anos, a maior floresta tropical úmida do mundo ainda sofrerá com o aumento de queimadas.
“Mesmo sem novos desmatamentos, os regimes simulados de incêndio se intensificaram no sudeste da Amazônia sob cenários de mudança climática”, diz o estudo. “Comparado à década de 2000, os incêndios florestais simulados nas décadas subsequentes queimaram áreas maiores, queimaram mais combustíveis, liberaram mais energia e emitiram mais CO2 equivalente para a atmosfera”, afirma o texto.
De 1º agosto de 2018 a 31 julho de 2019, a Amazônia perdeu 9.762 km² de floresta com o desmatamento – crescimento de 30% em relação ao período anterior, de acordo com a taxa oficial do governo brasileiro. No mesmo período, houve registro de 72.525 focos de incêndio no bioma, mas o auge das queimadas no bioma ocorreu em agosto de 2019, quando atingiu o ápice dos últimos 9 anos.
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“Algumas árvores da Amazônia são mais resistentes que as outras, mas no geral, durante as secas extremas e severas de 2005, 2007 e 2010, vários estudos observaram o aumento na mortalidade de árvores”, afirma Brando, em entrevista ao G1.
Ele cita os anos de registro do fenômeno climático El Niño, que deverá ficar cada vez mais frequente e destruidor, com elevação acentuada da temperatura global, provocando mais furacões, tufões e impactando em ciclos naturais do planeta – de acordo com outra pesquisa divulgada em setembro de 2019.
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Como o aquecimento afeta a Amazônia?
De acordo com Brando, o aumento da temperatura da Terra provocado pelo acúmulo de gases do efeito estufa emitidos pela atividade humana faz com que as árvores da Amazônia precisem de mais água para sobreviverem.
“Junto a isso tem uma mudança na precipitação e no comprimento da estação seca. Esses fatores agregados fazem com que haja uma Amazônia mais inflamável. Ou seja, ela perde a principal arma para lutar contra o fogo, que é uma condição bastante úmida dentro do sub bosque da floresta, ali pertinho do chão”, explica.
Foto feita em 11 de setembro de 2019 ostra tronco de árvore em chamas durante incêndio em Itapua do Oeste, em Rondônia, na Amazônia.
Bruno Kelly/Reuters
“O nosso modelo mostra que isso vai ficando cada vez pior. Então, se a gente tiver um monte de fontes de ignição, ou seja, pessoas queimando áreas fora da floresta, as chances desses incêndios escaparem e invadirem florestas em pé – primárias, florestas saudáveis – vai aumentar cada vez mais. Principalmente, perto de bordas inflamáveis, onde o desmatamento ocorre. Isso é um dos principais fatores pelos quais o modelo prevê uma intensificação do fogo na Amazônia”, afirma.
Redução do desmatamento
Para “salvar” a floresta, Brando sugere que sejam incentivadas políticas de redução do desmatamento. Mesmo que o cenário de seca leve à maior vulnerabilidade da floresta, caso ela permaneça intocada, haverá menos “fragmentos” para a entrada do fogo.
“O desmatamento aumenta a inflamabilidade das florestas, porque essas bordas são mais vulneráveis ao fogo. Imagina um blocão de gelo: se você taca na água, ele demora a derreter. Mas se você quebrar esse blocão de gelo em partes pequenas e jogar na água, tem uma área maior de superfície exposta à água e isso derrete rápido. No caso da Amazônia, conforme tem aumento da fragmentação, tem mais bordas inflamáveis e mais pessoas para colocar fogo na área de floresta”, explica.
Em novembro, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles anunciou a intenção de reduzir o desmatamento ilegal na Amazônia, sem citar prazos e metas. O anúncio ocorreu dias após a divulgação das taxas de devastação indicarem aumento de 30% na derrubada de árvores do bioma. Meses antes, o governo federal desqualificou os dados de alerta de desmatamento, o que levou à demissão de Ricardo Galvão, até então diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão responsável pelos dados de monitoramento.
Galvão foi escolhido pela revista “Nature” um dos 10 cientistas que mais se destacaram em 2019.
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Reuters
Capacidade de absorver CO2
Em setembro, um outro estudo publicado na revista Nature Geoscience apontou que a floresta amazônica tem baixa capacidade de absorver CO2 porque possui pouco fósforo no solo. Na prática, se a mata absorve menos CO2, tende a contribuir também em menor parcela para a redução dos gases de efeito estufa no planeta.
Desde 2014, o projeto Amazon-Face, coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), com apoio de universidades brasileiras, europeias e americanas, tem como objetivo testar como a vegetação da Amazônia responde a altos níveis de CO2.
Por meio de torres de 30 metros de altura em uma área ao norte de Manaus, na Amazônia Central, os cientistas projetam borrifar o gás e, assim, fertilizar as árvores do entorno para avaliar se há aumento de biomassa. Com a nova descoberta relacionada à escassez do fósforo, o experimento também ajudará a identificar o quanto exatamente a carência do mineral no solo local interfere na absorção de CO2.
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