Especialistas afirmam que exigência favorece infratores ambientais, uma vez que o processo não se inicia sem a realização de uma audiência de conciliação e a multa não é cobrada. Operação da PF e Ibama visa madeireiras irregulares em RO
PF/Divulgação
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) enviou um documento ao Tribunal de Contas da União (TCU) que revela que, nos dois últimos anos, apenas 1,7% das multas aplicadas passaram por audiências de conciliação. A exigência é apontada como entrave o processo de sanções de crimes ambientais.
A conciliação é uma etapa que foi adicionada ao processo sancionador de infrações ambientais por meio do decreto nº 9.760/2019, editado em abril de 2019. Desde então, o processo relativo a uma infração não é iniciado sem a realização de uma audiência de conciliação, e, sem ela, uma eventual multa não pode ser cobrada.
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Embora a conciliação tenha sido idealizada para agilizar o processo, ela surtiu efeito contrário. A conciliação é uma etapa inicial que deve ser feita após os fiscais lavrarem os autos de infração. A princípio, as reuniões deveriam ser presenciais e se tornaram virtuais devido à pandemia.
Faltam servidores para realizar a tarefa diante da alta demanda de multas aplicadas. Desde a vigência do decreto, em abril de 2019, os fiscais do Ibama aplicaram 14,9 mil multas. Entretanto, em 2020, foram realizadas apenas cinco audiências de conciliação em todo o ano, o que representa 1,7% das multas aplicadas.
Especialistas apontam que a exigência das reuniões de conciliação favorece os infratores, uma vez que é obrigatória para o início do processo e, nos modelos atuais, pode demorar anos para ser realizada.
“As multas ficam desmoralizadas. O órgão fiscalizador fica completamente desmoralizado se o processo sancionador não funciona, uma vez que o infrator sabe que pode demorar anos para realizar a reunião de conciliação e posterior processo administrativo”, afirma Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
O Ibama já realizou 247 audiências entre janeiro e abril deste ano, mas não consegue acompanhar o volume de autos de infração lavrados pelos fiscais.
“O processo sancionador ambiental está parado, é isso que está acontecendo. Se isso não funcionar, a multa ambiental não vale nada. Não adianta mandar os fiscais à campo porque não vai valer, vai ficar tudo impune”, comenta Araújo.
De acordo com Araújo, que presidiu o Ibama entre 2016 e 2019, antes desse decreto, os ficais do Ibama lavraram os autos de infração e o infrator tinha até 20 dias para se defender, então era iniciado o processo administrativo de análise e julgamento. “Ainda assim, em dados de 2018, os processos levavam, em média, 3 anos e meio para serem julgados”, comenta.
O documento também apontou queda nos julgamentos. Em 2018 foram realizados 23.836 julgamentos, enquanto que em 2020 foram julgados apenas 5.522 casos, o que representa queda de 76,8%.
Os julgamentos realizados 2020 são referentes aos processos passivos que aguardam a decisão da autarquia. Atualmente, mais de 99 mil processos de crimes ambientais aguardam julgamento no Ibama.
Ação no STF
Em outubro de 2020, quatro partidos políticos, PT, PSB, PSOL e Rede, entraram com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o decreto do presidente Jair Bolsonaro que desmontou o processo de cobrança de multas ambientais.
A ação pede que o decreto 9.760 seja liminarmente suspenso e que os processos de julgamento das multas já aplicadas sejam imediatamente retomados.
O texto da ação entregue à justiça cita o artigo 23 da Constituição Federal, que afirma que é dever do governo federal “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”, e “preservar as florestas, a fauna e a flora” do país.
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