Estudo foi feito durante mestrado do professor. Ideia é unir e matemática convencional com a usada pelos povos indígenas. Pesquisador lança livro de matemática voltado para ajudar na educação de povos indígenas no Acre
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Traduzir e fazer com que os indígenas reconheçam a matemática que usam no dia a dia é o que pretende o pesquisador Morane Oliveira ao propor métodos de ensino da disciplina em aldeias do Acre.
O estudo e propostas estão registrados no livro “Matemática Básica no Sudoeste da Amazônia: Uma Proposta para Escolas Indígenas”, fruto de uma pesquisa de mestrado do professor, que conta com a coautoria de Edcarlos de Souza e Itamar da Silva.
A obra foi lançada em dezembro do ano passado e é o primeiro passo para avanços na educação dos indígenas. Oliveira disse que participou ainda da Comissão Pró-Índio e, por isso, acabou despertando o interesse pelo tema.
Um dos objetivos do livro, segundo o pesquisador, é indicar que a educação indígena passe a ser gerida pelos próprios povos nativos.
“Há uma necessidade de transpor a institucionalização de uma escola indígena, que atualmente é dada para professores brancos para que essa tomada das ideias seja feita 100% por indígenas ou, pelo menos, por uma parcela maior. A ideia é que a gente possa reunir as ideias da filosofia da educação abraçada realmente por eles”, explica.
Oliveira diz que diariamente os indígenas usam muito o recurso da matemática, porém, nem eles mesmos têm noção da ciência que aplicam na construção de alojamentos, medição de território, caça e outras atividades corriqueiras.
Professor conheceu Comissão Pró-Índio e passou a se interessar pela educação dentro das aldeias
Arquivo pessoal
Cultura e educação
O pesquisador disse que teve a oportunidade de passar um tempo em contato com os Yawanawás.
“Foi o primeiro trabalho, onde houve possibilidade de fluir essa matemática construída por eles mesmos. Existe uma influência produzida pela matemática da Europa, que chamamos de matemática eurocentrista, mas, existem alguns aspectos que você percebe a matemática contada pelos mais antigos. O que pode ser percebido, principalmente, na contagem e também geometria, porque eles utilizam muito as ideias geométricas para produzir seus artesanatos. Eles têm essas ideias matemáticas, só que há uma necessidade de reconhecerem que isso é a matemática”, destaca.
Entre os indígenas, nos locais de difícil acesso, os agentes agroflorestais indígenas estão se destacando com o trabalho relacionado ao cuidado, alimentação e território.
“Foi uma nova classe social que surgiu entre os indígenas, onde se percebe que existe um conhecimento muito vasto, com a utilização da matemática na agricultura, que foi um aspecto bastante relevante nessa pesquisa”, pontua.
Obra leva em consideração a cultura indígena para montar obra voltada para as escolas dentro das aldeias
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Linguagem indígena
Usar os agentes agroflorestais indígenas é uma das propostas para se criar uma teoria mais próxima da realidade indígena. Isso, segundo o estudioso, ajuda a retomar a identidade e respeitar a especificidade de cada etnia.
“É olhar o outro de acordo com a sua historicidade, com a preocupação com sua cultura, todos esses aspectos são destacados, tanto no corpo teórico, como no corpo prático que contém no livro”, explica.
Por isso, algumas obras já estão sendo redigidas em algumas línguas nativas. Neste livro específico, Oliveira tentou deixar a parte da contagem na linguagem indígena, como huni kuin e yawanawá. O pesquisador afirma que isso ajuda na absorção do conteúdo no momento em que ele chega até as aldeias.
“Meu livro tem algo de língua [nativa], mas é muito pouco. O livro vai mostrar a questão da contagem na língua, mas outros aspectos estão propostos na língua portuguesa. São cinco capítulos e 295 páginas”, diz.
Agora, a ideia é continuar a pesquisa para uma tese de doutorado. Nesta fase, o professor diz que quer estudar a continuidade da matemática em povos distintos. “É um estudo da etnomatemática, uma parte dentro da etnociência que trabalha com esse aspecto da cultura dentro dessas disciplinas”, explica.
Morane e coautores durante lançamento do livro em dezembro de 2019 no Acre
Asscom Ufac
Avanço
Joaquim Paulo Kaxinawá, mais conhecido como Maná, é indígena e pesquisador. Para ele, a ideia significa um avanço dentro das escolas indígenas do estado. Segundo o indígena, Oliveira, por ter tido contato com a Comissão Pró-Índio, foi sentindo a necessidade de ter materiais embasados específicos para os povos indígenas.
“Já existem as escolas [indígenas], alguns professores se formando, mas a cada ano vai crescendo o número de alunos. Há momentos de chegar no ensino médio e precisa de estrutura e uma delas é a matemática. Espero que esse material chegue a esses locais para que os professores comecem a trabalhar”, diz.
Ideia é fazer com que a educação dos indígenas seja regida por eles mesmos
Joaquim Maná/Arquivo pessoal
Maná destaca ainda que a questão da escrita e leitura ainda é algo novo em algumas etnias, mas que o conhecimento, disperso de forma natural, existe e precisa ser melhor interpretado e registrado em materiais didáticos que devem ser usados pelos próprios indígenas.
“Falta aos professores [indígenas] algumas condições, que é a produção de fora do mundo deles, respeitando a língua. Todos os povos não tem, por exemplo, o curso matemática, mas usam a distância, o volume, a circunferência, a geometria. Eles usam a prática e, aprendendo a matemática, é isso que eles vão aprender a fazer”.
A expectativa dos dois pesquisadores é que o método possa se expandir em outras disciplinas.
Conhecimentos tradicionais são usados como base em livro que leva propostas para educação indígena nas aldeias
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