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Meio Ambiente

Lições que se aprende com o fracasso de Kyoto e outros tratados do clima

Delegados participam da conferência das Nações Unidas sobre mudança climática em Kyoto, no Japão, em 1997. Foi lá que nasceu o protocolo que vigora até hoje.
Toru Yamanaka/AFP
“Uma ponte só se torna uma ponte quando liga as duas margens de um rio. Tem sentido falar em 10% de uma ponte?”
O pensamento acima é de Ignacy Sachs, ecossocioeconomista polonês que morou no Brasil e hoje é professor emérito da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris. E eu o tirei do livro “A Terceira Margem – em busca do Ecodesenvolvimento” (Ed. Companhia das Letras), onde busquei ajuda para refletir sobre os 15 anos do Protocolo de Kyoto, comemorados ontem. Sachs esteve presente, como membro efetivo, de todas as primeiras delicadas reuniões de cúpula convocadas pela ONU para debater sobre as mudanças necessárias para se enfrentar o aquecimento global.
Que não deu certo o tratado de Kyoto, está claro. Seria um acordo em que ambas as margens (para usar a expressão de Sachs) do rio estariam irmanadas no propósito de não deixar a ponte cair. Baixar as emissões de gases do efeito estufa para que o planeta continue acolhendo a vida humana não é, como se sabe hoje, uma meta aceita democraticamente por todos os países.
As controvérsias foram sendo criadas a partir de premissas que não existem, na realidade. São proposições feitas por líderes nacionalistas, que imaginam uma perseguição implacável contra o “desenvolvimento” (sim, entre aspas) por um exército de cientistas que estariam formulando pesquisas falsas com o objetivo de aniquilar as nações. É, como diz Sachs, um “sim incondicional à economia de mercado”. Deixamos de lado, por vezes, nossa ética, em função do consumo de coisas que, somente em tese, nos dariam mais prazer. E há o acúmulo de capital, tão somente, o que cria um fosse de desigualdade social jamais visto.
Fazer contato com outros valores é a proposta que me parece mais alinhada ao cenário que, há 15 anos, na assinatura de Kyoto (os Estados Unidos se retiraram do acordo em 2011), os países imaginaram. Diante dos acontecimentos recorrentes, trágicos, de incêndios, secas e tempestades que, segundo as Nações Unidas, “entre 2030 e 2050 causarão 250 mil mortes adicionais por ano, por desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico”, é impossível não se sentir minimamente contagiado a realizar mudanças.
“Não é possível um colapso ambiental desvinculado de um colapso social”, escreve Luiz Marques em seu “Capitalismo e colapso ambiental” (Ed. Unicamp).
Christiana Figueres e Tom Rivett-Carnac, ambos diplomatas, são considerados arquitetos das reuniões globais do clima convocadas pela ONU. Ela é antropóloga e foi Secretária Executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2010 a 2016. Os dois acabam de lançar um livro, ainda sem tradução no Brasil, chamado “The Future we Choose” (“O Futuro que Escolhemos”, em tradução livre), onde descrevem dois cenários bem distintos.
No primeiro deles, pessimista, imaginam tudo o que pode acontecer caso não se consiga um acordo para baixar as emissões de carbono.
“A primeira coisa que mudará é o ar. Em muitos lugares do mundo o ar se tornou quente, pesado e, dependendo do dia, obstruído pela poluição por partículas. Seus olhos costumam lacrimejar e você passa a ser vítima de uma tosse constante, que nunca vai embora. Você pensa em alguns países da Ásia onde, por consideração, as pessoas doentes costumavam usar máscaras brancas para proteger outras contra infecções transmitidas pelo ar. Agora você costuma usar uma máscara para se proteger da poluição do ar. Não há mais ar fresco. Em vez disso, antes de abrir portas ou janelas pela manhã, será conveniente verificar, no telefone, qual será a qualidade do ar”.
Mas há a visão otimista. Neste mundo idealizado pelos dois autores, em que se conseguiu reduzir pela metade as emissões a cada década desde 2020, caminha-se para um aquecimento que não será mais do que 1,5 ° C mais quente até 2100.
“Na maioria dos lugares do mundo, o ar é úmido e fresco, mesmo nas cidades. Parece muito como caminhar por uma floresta e, muito provavelmente, é exatamente isso que você está fazendo. O ar está mais limpo do que antes desde a Revolução Industrial. Temos árvores para agradecer por isso. Eles estão em todo lugar. Reimaginar e reestruturar cidades foi crucial para resolver o quebra-cabeça do desafio climático”.
Sim, são cenários imaginados. Mas quem os descreve – ambos podem ser lidos na reportagem do site do britânico “The Guardian” – são pessoas que estão envolvidas com estudos, que analisam dados históricos, que ouvem a Ciência com ouvidos atentos e dão a ela a importância que é preciso dar nesse caso. Em mais um trecho otimista do livro, Figueres e Rivett-Carnac imaginam o que pode ter acontecido para começar a mudança em 2020.
“Quando os alarmes tocaram em 2020, graças em grande parte ao movimento juvenil, percebemos que sofríamos com muito consumo, competição e interesse próprio ganancioso. Nosso compromisso com esses valores e nossa busca por lucro e status nos levaram a turbinar nosso ambiente. Como espécie, estávamos fora de controle e o resultado foi o quase colapso do nosso mundo. Emergimos da crise climática como membros mais maduros da comunidade da vida, capazes não apenas de restaurar ecossistemas, mas também de desenvolver nossos potenciais adormecidos de força e discernimento humanos. A humanidade acreditava estar condenada. Derrubar essa crença era o nosso verdadeiro legado”.
Tudo pode começar com mudanças tão pequenas quanto possíveis. A atriz Jane Fonda, quando ousou repetir um vestido que havia usado em 2014 na mesma cerimônia de entrega do Oscar estava, de verdade, se valendo de sua condição de celebridade para dar um recado. O consumo irrefreado não está mais na moda, digamos assim.
Quinze anos depois do Protocolo de Kyoto, quarenta e oito anos depois da Conferência Mundial de Meio Ambiente, em Estocolmo – que pôs holofotes na preocupação com o avanço dos humanos sobre os bens naturais – cá estamos. Com medo do fim do mundo? Quem explica esta sensação de forma simples e real é Aylton Krenak em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo” (Ed. Companhia das Letras):
“O fim do mundo talvez seja uma breve interrupoção de um estado de prazer extasiante que a gente não quer perder. Parece que todos os artifícios que foram buscados pelos nossos ancestrais e por nós têm a ver com essa sensação. Quando se transfere isso para a mercadoria, para os objetos, para as coisas exteriores, se materializa no que a técnica desenvolveu, no aparato todo que se foi sobrepondo ao corpo da mãe Terra”, escreve ele.
Krenak, que pertence a uma tribo de Minas Gerais que sofreu barbaramente com as recentes tragédias causadas pelo vazamento de resíduos de mineradoras em Mariana e Brumadinho, sugere que se ache um paraquedas para nos livrar da queda no fim do mundo. Não será difícil imaginar, com base em tudo aquilo que já vivemos, que o paraquedas está bem ali, à nossa frente, e se chama “mudança de hábitos”. Num primeiro momento pode parecer difícil, por exemplo, deixar o carro em casa; ler mais livros do que notícias no zap; nutrir-se com alimentos que se descasca mais do que se desembala; fazer contato com o lixo que se descarrega, e aonde; comprar somente coisas úteis. Mas tudo isso pode ser muito mais rico e saudável, no fim das contas. Vale tentar.
Conferência do Clima da ONU estende Protocolo de Kyoto até 2020

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