Alíquota extra será definida por meio de uma lei complementar que começa a tramitar em 2024; Brasil já tem impostos seletivos em vigência, por meio do IPI e do ICMS. Cigarro
Geri Tech/Pexels
Além da criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, o projeto da reforma tributária prevê a implementação de um imposto seletivo, de competência federal, sobre bens e serviços que sejam prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
A lista de produtos afetados e a alíquota adicional só serão definidos em lei complementar, que será discutida ao longo de 2024. Mas dois exemplos clássicos que estão na mira da legislação são os cigarros e bebidas alcoólicas — que inclusive inspiram o apelido “imposto do pecado”.
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Vale lembrar que a cobrança de um imposto seletivo não é novidade no país. Mas a leitura de especialistas é que o novo modelo — dependendo de como for desenhado —, pode gerar uma distorção importante de preços nesses itens, além de trazer uma mudança nas fórmulas de produtos da indústria.
Nesta reportagem, você vai entender:
Quais são os impostos seletivos que já existem
O que muda com a reforma tributária
Como é em outros países
Quais devem ser os efeitos práticos dessa nova alíquota
G1 em 1 Minuto: ‘Imposto do pecado’: o que se sabe e o que falta saber sobre tributo
Quais são os impostos seletivos que já existem
O objetivo de um imposto seletivo é desestimular, por meio da cobrança extra, o consumo de um determinado tipo de produto.
Como dito, o novo imposto incidirá sobre bens e serviços que sejam “prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”, ainda que essa lista possa ficar bastante ampla durante as definições da lei complementar.
Além das bebidas e cigarros, especialistas também afirmam que há a possibilidade de o tributo mirar outros itens, como agrotóxicos e produtos açucarados.
Armas e munições também seriam taxados pelo imposto, mas o trecho foi barrado pelos deputados na votação dos destaques (sugestões de alteração do texto) no segundo turno.
Pelo atual texto da reforma tributária, a alíquota extra será cobrada em uma única fase da cadeia e não incidirá sobre exportações, e operações com energia elétrica e telecomunicações. A expectativa é que o “imposto do pecado” só entre em vigor em 2027.
Hoje, um modelo semelhante de arrecadação já acontece por meio do chamado Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O tributo é federal, extrafiscal (que tem por objetivo incentivar ou desincentivar determinado segmento econômico e não apenas arrecadar fundos para os cofres públicos), seletivo e não cumulativo.
Outro exemplo é o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Neste caso, o tributo é estadual, mas também é extrafiscal e pode ser seletivo, de acordo com as regras de cada Unidade da Federação.
Ambos esses impostos estão previstos na Constituição Federal de 1988 e trazem a seletividade “em função da essencialidade do produto” – ou seja, quanto mais essencial é um bem, menor a alíquota que incide sobre ele e vice-versa.
O que muda com a reforma tributária
A principal mudança em relação aos modelos de tributação que já temos, segundo especialistas ouvidos pelo g1, está na aplicação da seletividade.
Se hoje, por exemplo, o Estado tem o poder de determinar o que é supérfluo ou não, e de trazer uma alíquota maior sobre esses bens e serviços, agora essa definição tende a ficar um pouco mais clara — e mais limitada a produtos danosos à saúde e ao meio ambiente.
A dúvida que fica é sobre quais os bens e serviços que devem entrar nessa nova definição de seletividade.
O que justifica esse imposto nacional e internacionalmente é que essa seletividade tem a racionalidade de uma política pública de proteção do indivíduo e de compensação por custos extraordinários na área da saúde.
“Normalmente, essa alíquota incide sobre bebidas alcóolicas e cigarros, e a explicação é que pessoas que fumam ou bebem mais demandam mais do Estado em saúde pública. Na teoria, essa lógica também pode ser aplicada para bebidas açucaradas ou alimentos ultraprocessados, por exemplo. Mas esse é um debate muito mais complexo”, acrescenta a especialista.
Como está hoje, o texto da reforma tributária permite taxar os combustíveis fósseis, como gasolina, óleo diesel e gás de cozinha, com o “imposto do pecado”. Mas o governo afasta a ideia e afirma que deve “manter a tributação atual”.
Novamente: os detalhes de quais serão os itens só serão conhecidos quando for aprovada a lei complementar.
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Como é em outros países?
Na experiência internacional, esse imposto seletivo aparece em dois modelos principais de cobrança.
Além do imposto do pecado — que lá fora é conhecido como “sin tax” e também é cobrado principalmente sobre álcool e tabaco — outro modelo bastante conhecido é o “imposto do açúcar”, ou “sugar tax”, voltado para tributar bebidas e alimentos com alto teor de açúcar.
Um levantamento publicado pela Obesity Evidence Hub em março do ano passado, por exemplo, indicava que mais de 50 países pelo mundo já cobravam impostos sobre bebidas açucaradas.
Ainda de acordo com o estudo, a implementação do tributo em alguns países levou até mesmo à reformulação desses produtos por parte da indústria – que passou a diminuir a quantidade de açúcar em suas fórmulas para não ser sobretaxada.
São temas como esse que serão discutidos na formulação da lei complementar em 2024, depois que a reforma tributária for aprovada.
“Pela complexidade do tema, a opção do Congresso foi por manter a redação ampla e transferir as especificidades para a discussão infraconstitucional”, disse o Ministério da Fazenda em nota. “Dessa forma, os diversos setores terão tempo de esclarecer suas particularidades e a legislação poderá ser alterada de acordo com a evolução do consumo da sociedade.”
A Fazenda disse ainda que não há risco de eventuais conflitos desse tributo com as demais propostas da reforma tributária, uma vez que “o desenho previsto para o imposto está alinhado às melhores práticas internacionais”.
“Ele será cobrado uma única vez, visando corrigir a externalidade negativa associada ao bem ou serviço, e depois disto o IVA pode operar normalmente”, informou a pasta.
Quais devem ser os efeitos práticos dessa nova alíquota?
O principal objetivo do imposto seletivo é desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Assim, na teoria, está aberto o espaço para que alíquotas maiores incidam nesses produtos.
A leitura de especialistas, porém, é que esse conceito ainda é muito amplo e é necessário aguardar os desdobramentos sobre o imposto para entender quais podem ser os impactos dessa nova alíquota na economia. A alíquota extra, por exemplo, ainda é desconhecida.
Para o professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Roque Antônio Carrazza, parte do debate sobre o novo tributo precisa levar em consideração não apenas os exemplos que vemos dessa taxa no exterior, mas também a realidade da população brasileira.
“No Brasil, [esse assunto] é mais delicado porque nós temos uma diferença de renda muito grande, somos um país muito desigual”, afirma o professor.
Para ele, apesar de fazer sentido que haja uma oneração maior de produtos com excesso de açúcar, por exemplo, também é necessário criar política públicas sobre o tema, que eduquem a população e desincentivem o uso de produtos prejudiciais.
“A reforma tributária também precisa servir para criar políticas públicas que incentivem a produção de produtos mais saudáveis de maneira que a população de baixa renda não tenha dificuldade de pagar por esses bens”, completa.
Além disso, os especialistas também alertam para um eventual aumento nos preços de alguns produtos e serviços em meio à mudança de alíquotas, e ponderam a possível adaptação da indústria em suas fórmulas e cadeias de produção para evitar a sobretaxação, destacando que o debate sobre esse tributo também deve levar todo esse cenário em consideração.
Toda tributação precisa de um ‘trade off’ [troca] entre arrecadação e eficiência. Isso porque, dependendo, essa tributação pode ter um impacto negativo na economia, como um eventual estímulo à sonegação e ao contrabando, por exemplo. Mas me parece, por enquanto, que o ideal da reforma é manter a carga tributária que temos hoje.
Sobre esse ponto, o Ministério da Fazenda afirmou que, no caso do imposto seletivo, o “objetivo é justamente que o preço do produto passe a refletir a externalidade negativa que ele gera”.
“Se este for o caso, o reajuste do preço não é um problema em si. Isso não significa necessariamente que haverá aumento da carga tributária sobre produtos como bebidas alcoólicas, pois a tributação desses produtos hoje já é superior à média”, disse a Fazenda em nota.
“O que o imposto seletivo permitirá é que esse adicional de tributação seja calibrado de forma proporcional aos efeitos negativos do produto sobre a saúde e o meio ambiente”, acrescentou.
Já em relação à reforma tributária como um todo, a Fazenda disse que as projeções são de queda geral dos preços no longo prazo, “devido às expectativas de ganhos de produtividade e de eliminação de custos para as empresas”.
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