Como observou Stephen Johnson, em recentíssimo artigo no New York Times, os seres humanos têm sido protegidos por um escudo invisível, construído peça por peça por cientistas e pesquisadores, que nos tem assegurado a quantidade e a qualidade da nutrição, e a saúde de modo geral, e assim ampliado consideravelmente nossa expectativa de vida.
Enquanto as nações desenvolvidas ocidentais registraram um grande salto na expectativa média de vida durante a primeira metade do século 20, outras – na América Latina, na Ásia e, ainda que com menos intensidade, na África – o fizeram mais recentemente. No Brasil, essa expectativa em 1950 era de apenas 48 anos (é de 77 anos, hoje). Na China, o salto foi de 35 para 78 anos, no mesmo período.
Yuan Longping morreu no sábado, em Changsha, China, aos 90 anos. Não poderá, lamentavelmente, participar da videoconferência que com ele pretendia fazer o ex-ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli, ambos candidatos ao Prêmio Nobel da Paz por razões muito parecidas: um e outro tiveram papel notável em criar condições para erradicar a fome e a escassez de alimentos em seus respectivos países.
Na quinta-feira, Paolinelli, que é presidente do Conselho Consultivo da Campo – empresa fundada em 1978, para coordenar a implantação e gestão do Prodecer (Programa de Cooperação Técnica Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados) – e com grande tecnologia acumulada no desenvolvimento de variedades de soja não-transgênicas, destinadas ao consumo humano, participou de reunião com o presidente da empresa, Emiliano Botelho, para examinar a possibilidade de ampliar a comercialização dessas sementes especiais na China.
Coincidência das coincidências, é que lhes foi sugerido estabelecer contato com a LongPing High-Tech, líder no mercado de sementes (em especial de milho e de arroz) na China, e que chegou ao Brasil em 2017. Embora tenha sua sede brasileira em São Paulo, a empresa chinesa tem unidade de produção de sementes em Paracatu, a mesma cidade mineira onde a Campo tem sua sede e seus laboratórios.
Tendo sido informado que Longping era candidato ao Prêmio Nobel da Paz, Paolinelli, que também o é, decidiu que buscaria fazer contato com o cientista chinês, enquanto Botelho se encarregaria dos contatos de negócio com a empresa chinesa.
Yuan Longping, um engenheiro agrônomo e cientista, é reverenciado na China e em todo o mundo por ter desenvolvido as primeiras variedades de arroz híbrido e, assim, ter evitado a morte de milhões por fome ou desnutrição, como comentou em nota, no domingo, o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas.
O diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), Qu Dongiyu, emitiu também nota de pesar pelo falecimento de seu grande mestre, que “ao dedicar sua vida à pesquisa do arroz híbrido trouxe a segurança alimentar para milhões),
Sempre foi um desafio para a China alimentar sua gigantesca população – que equivale a um quinto da população mundial – dispondo de menos de nove por cento da área agriculturável. Segundo a FAO, é necessária uma área de 2.200 metros quadrados para alimentar uma pessoa por ano. A China só possui 860 metros quadrados de área cultivável por habitante.
Longping começou a produzir sementes híbridas de arroz, com alta produtividade, em 1973, pouco mais de uma década depois de a China ter passado pelos três anos (1959 a 1961) da Grande Fome (mais de 15 milhões de mortos), um dos maiores desastres da história da Humanidade.
Ivo Mello, diretor técnico do Instituto Rio-Grandense o Arroz (IRGA) manifestou também seu pesar pelo falecimento de Yuan, observando que seu legado será lembrado por gerações.
Graças ao trabalho de Yuan, a produção total de arroz na Cina passou de cerca de 57 milhões de toneladas em 1959 para mais de 200 milhões, atualmente.
Como escrevi nesta coluna, em 14 de abril passado, no Brasil, a revolução agrícola tem também um nome a ser homenageado: o do ex-ministro da Agricultura (1974-1979) Alysson Paolinelli. Foi um dos fundadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola) – uma das melhores instituições pública do País – e promotor da revolução que transformou as áreas de Cerrado no celeiro do Brasil.
Nesse mesmo período, o Brasil deixou de ser um país importador de alimentos para tornar-se um grande exportador. No limiar da nova era, a agricultura brasileira era ainda extremamente rudimentar: era absoluta a prevalência do trabalho braçal (apenas 2% das propriedades dispunham de máquinas agrícolas), ausentes a gestão moderna e os insumos para assegurar o aumento da produção. Faltavam no campo tecnologia e informação. Ainda em 1970, a produtividade do setor pecuário brasileiro estava entre as mais baixas do mundo.
Entre 1975 e 2020, a produção de grãos no Brasil cresceu sete vezes, saltando de 38 milhões de toneladas para 270 milhões, enquanto a área plantada apenas dobrou. Obteve-se no período notáveis ganhos de produtividade: 346% para o trigo, 270% para o milho, soja e feijão 100%. Na pecuária os avanços foram também notáveis, com o plantel bovino duplicando no período: hoje somos o segundo principal produtor e o primeiro exportador de carne bovina. Evolução igualmente significativa se observou na avicultura e na suinocultura. (Publicado originalmente no Diário do Poder)
Pedro Luiz Rodrigues, diplomata e jornalista.
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