Órgão recebeu outras queixas de profissionais que teriam exigido valor extra na hora da entrega de pedidos pagos online. Governo de SP vai pedir investigação policial. Entregadores são denunciados por consumidores das duas maiores plataformas de entrega de comida
Divulgação/iFood
Usuários do iFood e da Rappi têm acusado entregadores de praticarem golpes financeiros, com prejuízos acima dos R$ 1 mil. Um consumidor ouvido pelo G1 afirma que foi vítima da fraude na compra de um milkshake e perdeu mais de R$ 6 mil.
O Procon de São Paulo já notificou as duas empresas que lideram o segmento de delivery de comida por causa desta e de outras denúncias e promete pedir investigação policial.
Rappi e iFood afirmaram que estão apurando os casos e, em geral, orientam que a devolução dos valores deverá ser feita pela operadora do cartão de crédito ou débito, o que é contestado pelo Procon (leia mais abaixo).
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Golpe da ‘taxa extra’
Segundo a queixas recebidas pelo Procon-SP, o golpe funciona da seguinte forma: depois de o cliente fazer o pedido no aplicativo, uma pessoa telefona para a vítima se identificando como funcionária da empresa, dizendo que houve problema no pagamento do frete e que taxa deverá ser paga pessoalmente.
Quando o entregador chega, ele apresenta uma máquina de cartão com o visor danificado, o que impossibilita checar o valor cobrado. Nisso, é digitado um valor muito maior do que o anunciado e a vitima só descobre quando vê a fatura do cartão.
Rappi e iFood orientam que não entram em contato com os usuários por telefone, que não fazem cobrança extra pessoalmente para pagamentos feitos online.
Eles recomendam que os usuários sempre chequem o valor cobrado na máquina de cartão e que se recusem a pagar, caso não seja possível verificar.
O secretário especial de Defesa do Consumidor de São Paulo, Fernando Capez, afirmou que o Procon pedirá a abertura de inquérito policial no estado para investigar os profissionais denunciados por furto qualificado e organização criminosa.
Além disso, disse ele, as empresas serão alvo de um processo administrativo, que, se comprovar alguma irregularidade, poderá resultar em multas de até R$ 10,6 milhões, a depender do faturamento da companhia.
“Os consumidores lesados teriam entrado em contato com o serviço de atendimento do aplicativo, mas alegam que não tiveram uma solução definitiva”, disse o Procon, que não informou o número de denúncias que recebeu sobre o caso.
Prejuízo de R$ 6 mil
O administrador Giovani de Brito Junior, de 36 anos, afirma que foi vítima do golpe e que o prejuízo dele foi de R$ 6.004,99. O caso ocorreu na noite do último dia 13, quando ele pediu um milkshake em uma lanchonete localizada na Avenida Paulista, em São Paulo.
Após realizar o pedido pelo app do iFood, Giovani afirma que recebeu um telefonema de uma pessoa que se identificava como funcionária da empresa, “dizendo que houve problema com o pagamento online da minha taxa de entrega e que eu teria que pagar mais entrega, mas que teria o reembolso no cartão”.
Giovani checou aplicativo do cartão de crédito após desconfiar da cobrança extra feita pelo entregador
Arquivo Pessoal/Reprodução
Ao receber o pedido, Giovani afirma que colocou o cartão de crédito em uma máquina portátil, de um modelo que sincroniza com o celular, mas no visor dela não aparecia o valor cobrado.
Questionado, o entregador disse que o aparelho estava com problema, mas que o montante poderia ser verificado em outra maquininha, que apresentou para a vítima e que estava com o valor de R$ 4,99.
Minutos depois da entrega, o administrador desconfiou e foi checar a fatura do cartão. Nisso, encontrou o pagamento dos R$ 6 mil, feito em nome de Nikolas, que, segundo a vítima, não era o mesmo nome do entregador que apareceu no app.
Giovani de Brito Junior foi vítima golpe aplicado por um entregador
Arquivo Pessoal
Giovani registrou um Boletim de Ocorrência, cancelou o cartão de crédito, fez queixa ao Procon e procurou o iFood, que, em um primeiro momento, afirmou que não tinha responsabilidade sobre o caso e que a questão deveria ser resolvida pela operadora do cartão.
Após ser procurado pelo G1, na última quinta-feira (23), o iFood entrou em contato com Giovani e o cliente disse que foi reembolsado pela empresa na sexta (24).
Outras denúncias
No portal Reclame Aqui existem outros relatos recentes sobre golpes parecidos com o que Giovani contou à reportagem. Em outro caso também atribuído ao iFood um usuário relatou que, ao pedir em um restaurante de comida australiana de um shopping do ABC Paulista, também teve prejuízo superior a R$ 6 mil.
Usuário reclama de golpe aplicado por entregador do app iFood
Reprodução/Reclame Aqui
Também há relatos de golpes relacionados ao aplicativo Rappi, com valores altos.
Usuário relata tentativa de golpe por um entregador do app Rappi
Reprodução/Reclame Aqui
Como ter o dinheiro de volta?
Segundo Fernando Capez, as empresas de entrega também devem ser responsabilizadas pelo golpe, independentemente se há ou não vínculo trabalhista com esses entregadores.
Para o Procon, de acordo com o Artigo 34 do Código de Defesa do Consumidor, iFood e Rappi precisam responder pelos atos desses entregadores enquanto estes estiverem representando a plataforma.
“Eles são responsáveis pelos atos dos funcionários que os representam, são profissionais que estão com o uniforme da empresa. Eles (empresas) têm culpa por não ter supervisionado, por não ter escolhido direito este entregador. Quem determina a responsabilidade não é a empresa, é a lei”, explica Capez.
A recomendação do secretário é de que as vítimas deste golpe façam uma reclamação ao Procon de seu estado e registrem um Boletim de Ocorrência, seja online ou na delegacia do consumidor. Depois disso, é preciso aguardar o desfecho das investigações.
iFood diz que apura golpes
Em resposta à notificação do Procon, na quarta-feira (22), o iFood disse ter identificado 28 fraudes, optando por desativar os pagamentos offline (dinheiro e máquinas de cartão) para os restaurantes que aceitam receber online e offline na cidade de São Paulo, onde é possível fazer a entrega sem contato.
Em nota, o iFood disse que, quando o consumidor opta pelo pagamento online, em nenhuma hipótese é exigido pagamento adicional na entrega do pedido, e que a empresa não entra em contato por telefone em nenhum momento. Se isso ocorrer, afirma, o usuário deve se negar a fazer qualquer pagamento.
A empresa recomenda aos consumidores, que, em qualquer tipo de transação envolvendo cartão, chequem o valor no visor da máquina e não insiram a senha caso não vejam claramente o valor.
“Caso tenha efetuado qualquer operação sem que haja certeza do valor, recomenda-se que, assim que finalizada a transação,verifique no aplicativo do seu banco o valor debitado e, havendo divergência, solicite o cancelamento imediato.”
Diferente do Procon, a empresa afirmou que a devolução do dinheiro é de responsabilidade da administradora do cartão, já que os pagamentos extras foram feitos na hora da entrega, sem uso do aplicativo.
“Os usuários foram orientados a procurarem às instituições financeiras e administradoras de seus cartões, bem como as autoridades policiais competentes, para reportar o ocorrido”, disse o iFood.
A companhia confirmou que procurou Giovani de Brito Junior para esclarecer o ocorrido e que iria investigar o caso.
“Ao receber relatos como esse, a empresa realiza uma apuração interna e, caso seja comprovada qualquer conduta irregular, desativa os cadastros imediatamente, conforme expresso nos termos e condições”, afirmou o iFood.
Rappi recomenda procurar autoridades
A Rappi também afirmou que não realiza pagamentos com máquinas de cartão e que instrui os entregadores a seguirem integralmente as leis.
Disse ainda que existe um canal de atendimento aos clientes dentro do aplicativo para reportar “qualquer problema na plataforma”.
“A Rappi recomenda que, caso (os usuários se sintam) lesados, façam boletim de ocorrência e registrem pedido de cancelamento na operadora de cartão de crédito.”
O Procon também notificou a Rappi na quarta e a plataforma deverá dar os seguintes esclarecimentos:
Se teve registros de golpe na plataforma e, em caso positivo, quantos?;
Quais as providências adotadas?;
Quais os critérios impostos para aceite do estabelecimento comercial na utilização da plataforma ?
Quais as providências adotadas perante o parceiro, quando da ocorrência de denúncia dessa natureza?
“A empresa informa que sempre analisa os casos reportados, toma as medidas necessárias de acordo com os Termos e Condições do aplicativo e está à disposição dos órgãos competentes para quaisquer necessidades de esclarecimentos”, completou a Rappi em nota ao G1.
Reclamações aumentam no isolamento
A pedido do G1, o Reclame Aqui listou as reclamações gerais feitas contra as duas plataformas desde o começo do ano.
Nos dois casos, houve aumento significativo a partir de março, início do período de isolamento social no país, o que fez aumentar a procura por esse tipo de serviço.
O iFood somou 12.190 reclamações até o dia 21 de abril, índice próximo ao que foi registrado em todo o mês de janeiro e de março.
Reclamações contra o iFood em 2020
Arte G1
Já a Rappi contabilizou nos 21 dias de abril mais reclamações do que foi o registrado em qualquer mês deste ano.
Reclamações contra a Rappi em 2020
Arte G1
No estado de São Paulo, o Procon-SP informou que houve aumento de 109% nas reclamações de consumidores relacionadas a compras pela internet no primeiro trimestre de 2020.
Foram 35.789 casos nos três primeiros meses deste ano, contra 17.108 casos no mesmo período de 2019.
As principais reclamações são:
Demora ou não entrega do produto;
Cobrança indevida ou abusiva;
Produtos com defeito;
Problemas com contrato (rescisão, descumprimento, erro);
Serviço não fornecido;
Cancelamento da compra;
Entrega diferente do pedido.
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