Suspeita dos policiais é que os incêndios tenham sido provocados para transformar vegetação em pastagem. Advogado diz que um dos fazendeiros colabora com as investigações ‘pois é uma das vítimas das queimadas’. Bombeiros e brigadistas combatem fogo no Pantanal de MS
Chico Ribeiro/ Governo de Mato Grosso do Sul
Os incêndios que devastaram 25 mil hectares do Pantanal começaram em quatro fazendas de grande porte em Corumbá (MS), segundo investigação da Polícia Federal (PF) iniciada em junho (veja, abaixo, quais são as propriedades). A suspeita é que produtores rurais tenham colocado fogo na vegetação para transformação em área de pastagem.
O Pantanal registrou o maior número mensal de focos de incêndio desde o início da série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1998: entre 1º de setembro e esta quarta-feira (23), data do dado mais recente, foram 6.048 pontos de queimadas no bioma. Um decreto federal, publicado em julho, proibiu queimadas de qualquer tipo em todo o país por 120 dias.
Conforme a PF, havia gado em duas das quatro fazendas de Corumbá onde os focos teriam começado. As propriedades rurais são as seguintes:
Califórnia, que pertence Hussein Ghandour Neto e tem 1.736 hectares;
Campo Dania, que pertence a Pery Miranda Filho e à mãe dele, Dania Tereza Sulzer Miranda, e tem 3.061,67 hectares;
São Miguel, que pertence a Antônio Carlos Leite de Barros e tem 33.833,32 hectares;
e Bonsucesso, de Ivanildo da Cunha Miranda e tem 32.147,06 hectares.
Todas elas se enquadram no conceito de grandes propriedades, segundo critérios do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), já que têm área superior a 15 módulos fiscais. O módulo fiscal é uma unidade de medida agrária usada no Brasil. Ela é expressa em hectares e varia de cidade para cidade, pois leva em conta o tipo de exploração no município e a renda obtida com essa atividade, entre outros aspectos.
Em Corumbá, o tamanho do módulo fiscal é de 110 hectares. Propriedades acima de 1.650 hectares são enquadradas com grandes.
O que diz um dos citados
O advogado de Ivanildo Miranda, Newley Amarilla, disse que a defesa técnica somente será apresentada quando (e se) houver denúncia pelo Ministério Público Federal (MPF). Falou ainda que Ivanildo já prestou as informações solicitadas pela PF e colabora com as investigações – “que a ele também interessam, pois é uma das vítimas das queimadas”.
O G1 não conseguiu contato com as defesas dos outros investigados até a última atualização desta desta reportagem.
Área queimada em Corumbá, no Pantanal sul-mato-grossense, em julho deste ano
Corpo de Bombeiros/Divulgação
Análise de imagens de satélite e perícia
Por causa do grande aumento de queimadas na região do Pantanal, uma equipe da delegacia da PF em Corumbá começou a monitorar alguns focos. A suspeita é que foram provocados intencionalmente, por pessoas que se aproveitaram da situação climática atípica e da estiagem na área.
Investigadores realizaram análises de imagens de satélite de toda a região. Alguns focos específicos de queimadas chamaram a atenção, porque eram próximos de áreas de preservação e começaram dentro de propriedades particulares.
A PF chegou a descobrir, pelas imagens, quando os incêndios começaram nas fazendas:
Califórnia, em 30 de junho;
Campo Dania, em 1º de julho;
Bonsucesso, em 14 de julho;
e São Miguel, em 16 de julho.
No dia 25 de agosto, para confirmar as informações coletadas dos satélites, uma equipe da PF sobrevoou as regiões das quatro propriedades e fez registros fotográficos.
Os policiais ainda descobriram que, na fazenda São Miguel e Bonsucesso, havia outros focos de queimadas, além dos descobertos pelas imagens de satélite.
Também foi feita uma perícia nos dados, com base em imagens do site do Inpe, que atestou as informações levantadas anteriormente.
A única divergência foi em relação à área total afetada. A partir dessa constatação e com a identificação dos proprietários foi deflagrada da operação Matáá.
Operação Matáá
No dia 14 de setembro a PF deflagrou a operação Matáá, que cumpriu dez mandados de busca e apreensão, sendo seis na área rural e os demais na cidade. Na casa de Pery Filho, os policiais encontraram armas e munições, e ele acabou preso em flagrante, sendo solto no dia seguinte por determinação judicial.
Também foram apreendidos celulares, notebooks e outros materiais nas fazendas. “A materialidade tem que ser comprovada além da culpa, além do dolo. Nós temos que ter a intenção. Verificar se houve o ato intencional de destruição da vegetação. Essa que é a questão. Então, nós temos que apurar o ânimo do agente, dos investigados no caso. Se houve intenção de destruição do bioma ou não. Mesmo que seja para renovar pastagem”, disse o delegado de PF Leonardo Raifaini.
Sobre a investigação, o delegado acrescenta que não estão restritos a apenas esse foco dos 25 mil hectares. “A investigação, acho que ela está sendo maturada, tá bem adiantada. Logo nós poderemos ter resultados para esclarecer os fatos”.
O que diz a federação de agricultores e pecuaristas do MS
A Federação dos Agricultores e Pecuaristas de Mato Grosso do Sul (Famasul) informou que os produtores das regiões afetadas pelas queimadas têm “diversas iniciativas para prevenir e controlar a situação, amenizar os prejuízos, proteger a fauna, flora e a integridade física das pessoas”.
“A Famasul defende o lícito, e confia no trabalho das autoridades para a apuração dos fatos”, disse o presidente da entidade, Maurício Saito.
A federação explica que tem alertado produtores e trabalhadores do campo quanto à necessidade de medidas de prevenção e combate aos focos de incêndio em áreas rurais:
“Entre as recomendações estão a confecção de aceiros ao redor das áreas protegidas, estradas, cercas e construções, como casas, galpões e mangueiros; também que os produtores organizem suas equipes e mantenham uma rede de contatos com seus vizinhos, para agilizar o combate aos incêndios, caso necessário, e ainda que disponham de equipamentos como abafadores, tratores, tanques, caminhão pipa, avião agrícola, que possam ser utilizados com segurança e eficácia”.
Maurício Sato falou ainda que essas orientações chegam aos trabalhadores através dos sindicatos rurais dos municípios: “São 69 sindicatos rurais e mais de 200 profissionais que atuam na Assistência Técnica e Gerencial do Senar/MS em cerca de 5 mil propriedades do estado”.
Há ainda ofertas de cursos para brigadistas, concluídos por ao menos 600 pessoas.
A Famasul diz que o produtor rural do Pantanal de Mato Grosso do Sul utiliza pecuária sustentável “garantindo a preservação de 85% do seu território” e que trabalha em parceria com instituições de pesquisa. “Juntos desenvolvem tecnologias que promovem a melhoria da produção e garantem a preservação do meio ambiente.”
Impactos
A pesquisadora da Embrapa Pantanal Sandra Santos, comenta que os impactos que os incêndios causam ao bioma dependem de uma série de fatores, como formação vegetal, localização, tipo de solo, frequência, intensidade e duração do fogo, condições climáticas e suas interações.
Sandra explica que além das plantas e do animais, os incêndios também têm grande impacto no solo, que é a base da sustentabilidade da região, e que isso pode influenciar no conteúdo da umidade, matéria orgânica e até mesmo nas características químicas, físicas e biológicas dos solos atingidos.
Ainda de acordo com a pesquisadora, os incêndios podem devastar a infraestrutura das propriedades, como cercas, construções rurais, redes elétrica e afeta principalmente o solo, “influenciando o conteúdo de umidade, matéria orgânica e características químicas, fiscais e biológica”.
VÍDEOS: incêndio no Pantanal
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