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Meio Ambiente

Explosão do garimpo em terra indígena deixa 4 lições sobre como a devastação avança na Amazônia

Apenas na terra Munduruku há 442 garimpos ativos, segundo entidades. Desgoverno transformou território em Jacareacanga em exemplo do que pode dar errado na gestão de terras e povos protegidos. Garimpeiros invadiram aldeia na TI Munduruku e queimaram casas de indígenas contra o garimpo no local, em 26 de maio.
Coletivo de audiovisual do povo Munduruku

A Terra Indígena (TI) Munduruku, no Pará, sofre desde março com invasões, incêndios e ataques praticados por garimpeiros armados. A exploração mineral nessas áreas é crime, mas prospera sem reação efetiva de autoridades, tanto que a tomada de ações contra as ilegalidades precisou ser determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mais de uma vez somente neste ano.
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Abaixo, nesta reportagem, especialistas e órgãos resumem, em 4 pontos, o que torna a ação de criminosos possível, como a realidade da cidade de Jacareacanga (Pará) mostra o retrato do desgoverno ambiental em proteger terras indígenas e quais lições os sucessivos ataques ao povo Munduruku deixam para o combate ao garimpo ilegal no principal bioma do país e do mundo, a Amazônia.
Os pontos destacados pelos especialistas ouvidos pelo G1 são:
Devastação cresce sem operações efetivas contra o garimpo
Organizações criminosas tornam o garimpo uma atividade empresarial
Comércio do ouro ilegal alimenta exploração em terras indígenas
Atuação de líderes políticos ou órgãos de governo gera incentivo direto ou indireto
Além disso, como bônus, saiba como está a escalada da violência na Terra Munduruku, segundo o relato dos próprios indígenas.
Veja em detalhes abaixo:
1. Devastação cresce sem operações efetivas contra o garimpo
A Terra Indígena (TI) Munduruku tem 2,3 milhões de hectares protegidos e homologados por lei. O garimpo não é recente na região, vem de 1970, mas especialistas e o próprio Ministério Público Federal (MPF) alertam os órgãos responsáveis para uma explosão da atividade ilegal seguida por violência desde 2019.
Em maio, a Polícia Federal realizou a Operação Mundurukânia em Jacareacanga para conter o garimpo na terra indígena. Os manifestantes pró-garimpo entraram em conflito com os agentes federais, tentaram invadir a base e depredar patrimônio da União, aeronaves e equipamentos policiais. As aldeias foram cercadas e uma estrada foi interditada, impedindo o andamento da operação, que durou apenas dois dias. (veja no vídeo abaixo)
Garimpeiros, com apoio de políticos, tentam impedir ação da PF em área indígena
“A PF ficou só dois dias, 24 e 25, depois não apareceu mais, infelizmente, deixando uma cidade sem lei, do jeito que é [Jacareacanga], cheio de pariwat [não indígenas] levando droga, levando bebida, levando prostituição para dentro da área (…) Eles [grupo pró-garimpo] têm armas, têm carros, têm helicóptero, tem toda uma estrutura”, denunciou em um vídeo Alessandra Korap, uma das lideranças dos Munduruku que vem sofrendo ameaças.
No mesmo dia em que os policiais federais interromperam a operação, os garimpeiros invadiram e incendiaram uma aldeia.
“A gente foi surpreendido, a gente não esperava que fosse acontecer por conta daquela operação (Mundurukânia). A gente pensava que teria mais segurança. As autoridades já estavam cientes de que a gente estava sendo ameaçados”, disse Maria Leusa, principal liderança Munduruku contra o garimpo. Ela e a família tiveram que sair da TI e buscar abrigo em um lugar não divulgado por segurança.
Em 1º de junho, o STF determinou que a PF adotasse imediatamente todas as medidas necessárias para garantir a vida e segurança das pessoas dentro da terra indígena e deu 48 horas para que a PF no Pará prestasse informações sobre a operação.
Procurada pelo G1, a PF não quis comentar e disse que dará entrevista sobre a operação Mundurukânia 1 e 2 em momento oportuno.
Até o momento, nenhuma proteção prevista na Constituição foi o bastante para evitar que território Munduruku concentrasse atualmente 442 pontos de garimpo ativos e mais 31 requerimentos de exploração minerária, segundo dados de maio da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg) e do Sistema de Informação Geográfica de Mineração.
O garimpo na TI Munduruku, PA
G1
Entre janeiro de 2019 e maio de 2021, a área devastada pelo garimpo na TI Munduruku aumentou 363% em relação a 2018, segundo o Instituto Socioambiental (ISA). Uma verdadeira explosão da garimpagem em uma única terra indígena.
“Somente em maio, foram registrados 362 hectares em alertas de garimpo dentro da TI Munduruku. Isso equivale a 362 estádios do Maracanã. Se pensar em dia, foram 10 estádios de futebol destruídos pelo garimpo a cada 24 horas”, diz Antonio Oviedo, cientista ambiental coordenador de monitoramento do ISA.
Apenas em Jacareacanga, cidade que tem 98% do território sobreposto ao da TI, o aumento foi de 269% de áreas degradadas pelo garimpo desde janeiro de 2019. O mais impressionante é que, até 2016, o município não tinha desmatamento, como mostram as imagens de satélite abaixo.
Desmatamento em maio de 2021 em Jacareacanga, município que sobrepõe a TI Munduruku. Em 2016, área não tinha desmatamento.
G1
O G1 questionou o Ministério do Meio Ambiente sobre o aumento do garimpo na TI Munduruku desde 2019 e sobre as ações do STF determinando que o governo tomasse medidas imediatas para conter a garimpagem e a violência na região. A pasta não comentou as questões.
Destruição causada pelo garimpo avança pela Amazônia
O problema não ocorre apenas na Munduruku. Na sexta-feira (18), o STF determinou:
a proteção dos povos indígenas tanto na TI paraense quanto na TI Yanomami, em Roraima, que também passa por conflitos,
a retirada urgente dos invasores, e
a garantia da integridade física das pessoas ameaçadas nesses locais.
“Outras regiões que tinham garimpo em proporções muito pequenas comparadas com as terras dos Munduruku e dos Yanomami também têm percebido um aumento do garimpo. É o caso das TIs de Rondônia, como a Igarapé Lourdes e Sete de Setembro, e as do Maranhão, como a Awá, que até bem pouco tempo não tinha garimpeiros”, alerta Antonio Oviedo, do ISA.
O desmatamento causado pela mineração, tanto a legal quanto o garimpo, registrou recordes ao longo de 2019 e 2020, além de avançar sobre áreas de conservação na Amazônia. A série histórica do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta que o mês com a maior devastação já registrado pelo Deter/Inpe foi maio de 2019, com 34,47 km² desmatados, seguido por julho de 2019, com 23,98 km². Já 2020 teve os piores junho (21,85 km²), agosto (15,93 km²) e setembro (7,2 km²) da história.
Desmatamento causado por mineração no Pará em 2020.
Arte/G1
2. Organizações criminosas tornam o garimpo uma atividade empresarial
Em março, um documento do MPF que pedia atuação urgente de forças federais para conter o avanço da invasão de garimpeiros no igarapé Baunilha, em Jacareacanga, dentro do território Munduruku, fala em crime organizado. Segundo o órgão, os garimpeiros estavam fortemente armados e fotos indicavam a entrada de grande número de pás carregadeiras.
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“O movimento dos garimpeiros está sendo monitorado por helicópteros e indica uma ação orquestrada de grupos criminosos em associação com a pequena parcela de indígenas que atuam a favor do garimpo”, disse o MPF na ocasião.
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O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, um órgão composto por pesquisadores de universidades federais e estaduais de todo o país, publicou em abril o levantamento “O cerco do ouro: garimpo ilegal, destruição e luta em terras Munduruku”.
O documento aponta que um dos garimpos mais antigos na TI Munduruku está em funcionamento desde 1990. Mas a “profissionalização” do crime de garimpo é uma marca sobretudo nos anos recentes, agora apoiada por uma rede de empresários com expressivo poder aquisitivo e influência política.
“De empresários locais a deputados federais e senadores, esses atores vêm ganhando espaço na agenda do primeiro escalão do Executivo e do Legislativo federal desde 2019”, destaca o documento.
Na semana passada, a Justiça Federal expediu mandado de prisão preventiva para o vice-prefeito de Jacareacanga, suspeito de dar apoio ao garimpo ilegal nas terras indígenas da região. Ele está foragido.
Em dezembro, um delegado da própria Polícia Federal foi preso temporariamente por suspeita de vender informações a donos de garimpos no Rio Tapajós. De acordo com a PF, um servidor público federal teria recebido ao menos R$ 150 mil de garimpeiros da região de Itaituba, como forma de “blindá-los” de eventuais ações policiais.
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Segundo Antonio Oviedo, cientista ambiental do ISA, os grupos por trás do garimpo estão cada vez mais organizados.
“Tudo indica que estão sendo financiados por organizações poderosas. Não é fácil garimpar nas regiões remotas da Amazônia. Precisa de toda uma logística para levar barco, combustível e alimento para dentro da floresta. Tem garimpos com internet, antena parabólica, rádio. O garimpo de agora não é mais de pá e enxada, é com retroescavadeiras, maquinário caríssimo”, diz Oviedo.
3. Comércio do ouro ilegal alimenta exploração em terras indígenas
Em 8 de junho, o MPF emitiu uma recomendação à Agência Nacional de Mineração (ANM) alertando sobre a escalada do garimpo na Amazônia desde 2019 e o “esquentamento” deste ouro ilegal nos mercados nacional e internacional, prática que acoberta o ouro extraído ilegalmente e o comercializa como produto legal.
O documento afirma que, entre 2019 e 2020, 49 toneladas de ouro ilegal foram retiradas da Amazônia, “esquentadas” e comercializadas dentro e fora do país.
Os dados citados pelo MPF são de um levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que também revelou que o garimpo ilegal na Amazônia desmatou 21 mil hectares de floresta e gerou um prejuízo socioambiental de R$ 9,8 bilhões para a região entre 2019 e 2020.
Enquanto isso, na outra ponta do processo, garimpeiros revelaram em uma audiência pública na Câmara dos Deputados em setembro de 2019 que os garimpos na Amazônia lucram de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões por ano. Na ocasião, políticos e garimpeiros defenderam transformar a atividade ilegal do ouro na região em empresas legalizadas.
“O comércio do ouro ilegal no Brasil é uma cadeia da qual o país não tem controle”, diz Luisa Molina, pesquisadora do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
Um parecer do MPF de 2020 mostra que, para cada quilo de ouro extraído do bioma amazônico, os prejuízos socioambientais podem variar de R$ 1,7 milhão a R$ 3 milhões. O parecer recomendou a urgência da demarcação das terras indígenas – há mais de 300 terras sem homologação – e da digitalização da compra do ouro.
“Vimos que os garimpeiros envolvidos na exploração do ouro dentro das áreas protegidas também têm requerimentos minerários no entorno destas áreas. Envolve terra indígena, floresta nacional e seus entornos. Estamos falando de um cerco”, diz Luisa Molina.
4. Atuação de líderes políticos ou órgãos de governo gera incentivo direto ou indireto
Especialistas no tema apontam que é preciso frear o incentivo direto ou indireto de líderes ou órgãos de governo. Eles apontam como exemplo um projeto de lei assinado em fevereiro do ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro, o PL 191/2020, que regulamenta a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas. O texto ainda precisa ser analisado pelo Congresso Nacional.
De acordo com o atual regime normativo sobre o garimpo, a atividade mineradora nestas áreas não apenas é ilegal, mas configura crime contra o meio ambiente e a ordem econômica, além de ser inconstitucional, já que a Constituição Federal protege especialmente as terras indígenas.
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Outro exemplo de ameaça apontada pelos ambientalistas e indigenistas foi a medida publicada em abril de 2020 justamente pela Fundação Nacional do Índio (Funai) que permite a invasão, exploração e até comercialização de terras indígenas ainda não homologadas pelo presidente da República.
Questionada sobre a explosão do garimpo na TI Munduruku apontada pelo ISA e pela apuração do G1, a Funai informou que “desconhece a metodologia utilizada no levantamento e que não comenta dados extraoficiais”.
“A Funai informa ainda que acompanha a situação de conflito junto à comunidade indígena Munduruku, em Jacareacanga (PA), e que tem atuado em parceria às forças de segurança pública no local”, disse o órgão em nota.
As críticas à atuação de órgãos de governo ou líderes também incluem ao ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, exonerado do cargo na quarta-feira (22).
No ano passado, em meio a uma megaoperação para barrar o avanço do garimpo em terras indígenas, Salles exonerou o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo. A operação coordenada por Azevedo conseguiu, na época, paralisar todas as operações de garimpo e exploração ilegal de madeira em três terras indígenas no Pará.
Desde 2019, o MPF tem atuado em ações que envolvem diretamente a ação do estado em incentivos ao garimpo na TI Munduruku. A mais recente delas envolve Salles: em agosto, o MPF questionou o comando da Aeronáutica sobre um voo realizado pela FAB no dia 6 daquele mês para transportar garimpeiros de Jacareacanga para uma reunião com Salles, em Brasília.
Salles esteve em Jacareacanga um dia antes do episódio para acompanhar uma operação do Ibama contra o garimpo. Lá, ele se encontrou com os alvos da operação e foi cercado por um grupo pró-garimpo (assista no vídeo abaixo). O ministro, então, conversou com o grupo e chegou a defender a extração ilegal em terra indígena.
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Depois da conversa do ex-ministro com os garimpeiros, o Ministério da Defesa suspendeu a operação de fiscalização de combate a garimpos ilegais na terra indígena Munduruku.
O Ministério do Meio Ambiente disse na época, em nota, que não houve “nenhuma reunião com garimpeiros, mas protesto dos indígenas inconformados com a fiscalização sobre o garimpo que eles mesmos realizam.”
A escalada da violência dos garimpeiros contra indígenas
Pelo menos quatro famílias deixaram as aldeias próximas ao município de Jacareacanga após terem suas casas incendiadas em uma invasão ocorrida em maio. Uma aldeia composta por oito casas foi quase que totalmente destruída por garimpeiros na ocasião.
Aldeia na TI Munduruku, Pará, incendiada por garimpeiros em 26 de maio, um dia após operação da PF no local.
Coletivo de audiovisual do povo Munduruku
“Chegaram com combustível, atirando, com criança, as crianças que estavam com nós (…) recebemos muito áudio dizendo que tinham que nos matar”, relata a coordenadora da Associação das Mulheres Wakoborũn, Maria Leusa Kabá, que teve a casa e todos os pertences incendiados em 26 de maio.
Os ataques não pararam por aí. Em março, garimpeiros já haviam destruído a sede Associação das Mulheres Wakoborũn. Em 9 de junho, um ônibus que levava lideranças e caciques até Brasília para protestar contra projeto que dificulta demarcação de terras foi atacado por garimpeiros. O grupo seguiu viagem dias depois, com escolta policial. No dia 14, a aldeia de Maria Leusa foi novamente atacada e animais que eram criados pelos indígenas foram mortos.
No último dia 15, a Justiça Federal determinou o retorno de agentes federais para Jacareacanga para conter os ataques criminosos. O órgão salientou que aquele era o segundo pedido restabelecimento da ordem na região e que o primeiro, do dia 29 de maio, foi desobedecida pelo governo federal, como entendeu a Justiça.
“Verifico que a ausência do Estado na região dá espaço ao fortalecimento vertiginoso da violência e sensação de impunidade pelo grupo que atua na região explorando de forma ilícita o minério de ouro em terra indígena, mediante ameaça a integridade física das lideranças indígenas”, disse a decisão Justiça Federal.
Localizada no alto curso do rio Tapajós, a TI Munduruku é habitada tanto por aldeias como por indígenas em isolamento voluntário.
De acordo com o atual regime normativo sobre o garimpo, a atividade não apenas é ilegal, mas configura crime contra o meio ambiente e a ordem econômica, além de ser inconstitucional, já que a Constituição Federal protege especialmente as terras indígenas.

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