Presidente de uma das consultorias mais ouvidas do mundo, Bremmer afirmou que o Brasil vem pagando um preço altíssimo pela politização da pandemia por parte do governo de Jair Bolsonaro. Para consultor Ian Bremmer, cúpula organizada por Joe Biden (acima) pode resultar em acordo em que o Brasil receba fundos para preservar Amazônia
Reuters via BBC
Os Estados Unidos querem um engajamento mais próximo com o governo brasileiro e é possível que a Cúpula de Líderes sobre o Clima, que o governo de Joe Biden organiza nesta semana, termine com um acordo pelo qual o Brasil receba dinheiro para auxiliar na preservação da Amazônia.
A avaliação é do cientista político americano Ian Bremmer, presidente da consultoria de risco político Eurasia e um dos analistas mais ouvidos por investidores internacionais e empresários em todo o mundo.
Para Bremmer, apesar da proximidade de Jair Bolsonaro com o antecessor de Biden, Donald Trump, a Casa Branca está vendo com bons olhos a recente nomeação do chanceler Carlos Alberto Franco França após a demissão de Ernesto Araújo, o que sinaliza a possibilidade de progressos nas relações entre os dois países.
Reconhecendo os recordes de desmatamento registrados no Brasil, no entanto, Bremmer afirma que qualquer liberação de recursos por parte dos EUA seria condicionada a progressos na preservação das florestas, que seriam cuidadosamente monitorados.
Na entrevista com a BBC News Brasil, Bremmer também afirmou que o Brasil vem pagando um preço altíssimo pela politização da pandemia por parte do governo Bolsonaro e salientou que isso também vai impactar a a popularidade do presidente e sua disputa pela reeleição.
O cientista político avalia que, se as eleições fossem hoje, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva provavelmente ganharia o pleito, mas destaca que um arrefecimento da pandemia pode fazer com que Bolsonaro seja competitivo contra Lula em 2022.
Bremmer também avalia que, caso perca as eleições, Bolsonaro pode seguir o exemplo de Trump e não reconhecer o resultado, alertando que um episódio parecido com a invasão do Capitólio – a sede do Congresso dos EUA – em 6 de janeiro de 2021 pode se repetir no Brasil, mas de maneira “mais violenta”.
Ele avalia que, neste caso, Bolsonaro e seus apoiadores podem semear um clima de “insurreição” no país, mas que um movimento em direção a um Estado autoritário “não é um risco sério” no país.
Ian Bremmer é presidente da consultoria Eurasia, que avalia risco político
BBC News Brasil
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – Como o mundo vê o Brasil hoje e como esta imagem é diferente da que o Brasil tinha antes? Qual imagem que o Brasil vende hoje para investidores e políticos ao redor do mundo?
Ian Bremmer – Primeiramente, estamos no meio da pior crise que experimentamos em nossas vidas e o governo brasileiro está sendo visto como tendo administrado mal esta crise, como outros países do G20. Isto foi claramente uma ‘mancha’ importante para o Brasil.
Há outros países que são vistos como tendo ido muito mal, o Reino Unido, os Estados Unidos, mas esses países deram uma reviravolta em termos de vacinas e evitaram uma outra onda do vírus bastante problemática, agora na primavera de 2021 (no hemisfério Norte). No Brasil, claro, as coisas só têm ficado piores.
Além disso, o Brasil é visto como um dos países mais divididos politicamente do mundo. Vocês entraram na pandemia após anos das esmagadoras investigações pela Lava Jato de casos de corrupção sérios, com todos esses ex-ministros, até ex-presidentes sendo pegos, impeachments, todo o resto… E então você teve a eleição de Jair Bolsonaro, uma figura que causa muita divisão, que se referia a si mesmo como “o Trump dos Trópicos”, de modo elogioso.
Tudo isso, claro, foi profundamente problemático para a maior economia da América do Sul.
BBC News Brasil – Nesta semana, Bolsonaro vai participar da Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada pelo governo Biden. O governo brasileiro espera receber recursos e investimentos da ordem de US$ 1 bilhão para preservar a Amazônia, enquanto os EUA estão sendo pressionados por ativistas a não fazer um acordo com o governo Bolsonaro. O senhor acha é possível um acordo pelo qual o Brasil receba recursos para proteger a Amazônia?
Bremmer – Eu acho. Eu penso realmente que está havendo progresso na relação Estados Unidos-Brasil agora. Claro, Bolsonaro era visto como sendo mais alinhado pessoalmente com Trump do que com Biden, mas o novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto Franco França, que acaba de ser nomeado após o ministro anterior ter sido repentinamente demitido, algumas semanas atrás, representa uma virada de 180 graus em sua relação com o governo Biden.
De maneira privada, eles (pessoas do governo Biden) disseram que suas expectativas foram superadas, eles ficaram agradavelmente surpresos com os esforços construtivos do governo brasileiro em trabalhar mais próximo e arrumar as coisas com os Estados Unidos, particularmente nas questões sobre o clima.
Os Estados Unidos não foram o melhor líder em termos de políticas relacionadas ao clima, com idas e vindas. Você sabe que houve muitos acordos que o governo dos EUA disse que poderiam ir em frente, mas aí o Congresso não ratificava; houve o Acordo do Clima de Paris, do qual Trump saiu. Então, (John) Kerry (enviado especial do governo americano para o clima) e Biden podem dizer que os Estados Unidos estão de volta, mas muitos países do mundo não estão tão convencidos.
Enquanto isso, o Brasil, lidera o mundo em termos de desmatamento, o que é algo horrível. Mas, historicamente, a maior parte das emissões de carbono e a maior parte do desmatamento foi feita pelos países ricos. Então, se você for um país de renda média, como o Brasil, e os países ricos vêm e dizem que você tem que cuidar do clima, é compreensível que você diga, “vocês é que são responsáveis por destruir o clima e vocês têm muito mais dinheiro, o que vão fazer para nos ajudar?”. Eu não acho que isso seja hipócrita.
A Índia está na mesma situação, por exemplo. Eles estão preparados para um acordo agressivo de emissão zero de carbono, mas somente se os países ricos estiverem preparados para dar subsídios significativos. Os países ricos que foram responsáveis pela maior parte das emissões de carbono do mundo e ainda, per capita, são responsáveis por pegadas de carbono muito maiores que o mundo em desenvolvimento.
Então, se nós, nos Estados Unidos, o país mais poderoso e rico do mundo, estamos indo por aí e dizendo que nós agora estamos levando o clima a sério, esta seriedade tem que incluir uma vontade de dividir o fardo.
E eu acho que John Kerry, um membro do ministério em uma nova posição para lidar com a mudança climática nos EUA, naquela que é a mais importante posição que Biden criou desde que assumiu a Presidência, eu acho que ele vai querer se engajar com o Brasil muito de perto.
BBC News Brasil – John Kerry escreveu no Twitter que queria ver ações práticas por parte do Brasil antes de qualquer tipo de ajuda. O senhor acha que os Estados Unidos irão acreditar nas promessas do governo Bolsonaro? Porque, ao mesmo tempo em que Bolsonaro prometeu acabar com o desmatamento ilegal até 2030, seu ministro do Meio Ambiente está sendo acusado de apoiar madeireiros ilegais. Os Estados Unidos e a comunidade internacional vão acreditar nas promessas de Bolsonaro?
Bremmer – Eu acredito em dados e estatísticas do Brasil mais do que eu acredito em dados da China. Eu não acredito em dados do Brasil tanto quanto eu acredito em dados mexicanos ou americanos. Então, esta é uma questão, há muita corrupção no Brasil, houve e ainda há. E não há tanta transparência quanto gostaríamos.
E nós entendemos que o nível extraordinário de desmatamento é algo que tem um componente econômico atrelado. E os criadores de gado e fazendeiros estão muito envolvidos e os militares não foram tão construtivos (em mudar isso) como gostaríamos.
Eu acho que se vier dinheiro significativo por parte dos Estados Unidos, e se este dinheiro for condicionado, isto vai requerer um nível de confirmação (de não desmatamento) em campo e com satélites antes que este dinheiro seja liberado. Eu não acho que será apenas uma questão de confiança cega, eu acho que haverá verificações e acho que os dois lados vão entrar nisso com os olhos abertos.
Esta cúpula é de longe o mais importante esforço multilateral e diplomático até agora do governo Biden, e o Brasil é um componente significativo dele. Se você estava me perguntando se haverá progresso, a resposta é sim, eu acho que haverá progresso. Mas colocar em prática este progresso ainda será uma tarefa complicada.
BBC News Brasil – Voltando à pandemia, o senhor disse que o modo como o governo Bolsonaro está lidando com ela é, no mínimo, problemático. O senhor acha que pode haver consequências internacionais políticas e econômicas por isso? Sanções, proibições de viagens, boicotes?
Bremmer – Não, eu não vejo boicotes.
O fato é que o Brasil é uma destinação turística de nível mundial, qualquer um que tenha ido ao Rio sabe que é um lugar único. E o povo brasileiro é extraordinário, hospitaleiro e cosmopolita. Então, este é um lugar para onde você quer ir. Quando nós abrimos nosso primeiro escritório no Brasil, em São Paulo, não posso lhe dizer como me deixou feliz, por que me dava uma desculpa para viajar.
Mas eu não vou ao Brasil agora. Vocês têm milhares de pessoas morrendo todos os dias. E isto não deve melhorar tão cedo, já que vocês não têm um nível de vacinação como há nos EUA ou em outros países, como o Chile.
Assim, como consequência, isto vai afetar a economia brasileira, afetar o turismo no Brasil. E isto é um problema real.
E isto também está afetando a disputa pela Presidência. Depois que o STF reverteu as decisões que impediam Lula de concorrer, é provável que seja Bolsonaro contra Lula no ano que vem, uma disputa para ser lembrada.
Se as eleições acontecessem hoje, Lula ganharia, e ganharia relativamente fácil. E a razão para isto seria a pandemia. A propósito, como aconteceu em meu país. Se não fosse pela pandemia e pelo modo como Trump lidou com ela, Trump teria ganhado um segundo mandato.
Então, tudo está em jogo nos próximos meses, incluindo uma nova CPI no Congresso sobre o modo como o presidente e seu governo lidaram com o coronavírus. Este (Bolsonaro) é um presidente que politizou o uso de máscaras, este é um presidente que politizou tratamentos, até mesmo politizou a vacina, no começo. Ainda bem que ele mudou sobre isto e agora está dizendo que todos devem tomar vacina o mais rápido possível.
Quando o presidente do país está fazendo política com a pandemia, esta é a pior coisa que você pode fazer. Todas as histórias de sucesso no mundo em resposta à pandemia têm algo em comum, e é que os líderes levaram a sério, não politizaram, deixaram os cientistas e os economistas liderarem. E os países que não fizeram isso pagaram o preço, e pagaram um preço alto. E o Brasil está pagando um dos preços mais altos.
BBC News Brasil – Voltando às eleições, como o senhor mencionou, o STF abriu caminho para que Lula se candidate. Muitas pessoas no Brasil veem Lula e Bolsonaro como equivalentes, como dois lados de uma mesma moeda, como populistas. O senhor concorda com esta avaliação? Como o senhor avalia um cenário em que Lula ganharia e outro em que Bolsonaro é reeleito?
Bremmer – Eu acho que ele são muito diferentes. Eles são pessoas muito diferentes. Os dois são anti-establishment, mas de modos diferentes.
Bolsonaro é um tipo de ser humano horrível, como Trump. Pelo modo que ele vai contra mulheres, homossexuais… Quem iria querer passar tempo ao lado de alguém assim?
Mas Bolsonaro não tem um partido político forte por trás dele. Ele não é parte desta grande máquina corrupta da política e, como consequência, as reformas econômicas que estão sendo feitas pelo Congresso são em sua maior parte bastante sensatas e tiveram respostas dos investidores internacionais e dos mercados de modo bastante positivo.
Já Lula, como indivíduo, como pessoa, é um cara legal. Você pode gostar dele como indivíduo, mas seu partido político é massivamente corrupto e é parte desta grande máquina política que trouxe dificuldades extraordinárias para o funcionamento da economia brasileira.
Então, são duas direções muito diferentes.
Outra coisa importante é que Bolsonaro tem muito apoio entre os militares, particularmente os militares de baixa patente. Por isto muitos ficaram preocupados quando ele demitiu o ministro da Defesa (Fernando Azevedo e Silva) e depois demitiu os chefes das três forças. Bolsonaro também questionou se as eleições do ano que vem serão feitas de maneira justa e livre, como Trump fez em meu país, quando não aceitou o resultado das eleições.
Há uma possibilidade de que isso possa acontecer no Brasil também se Bolsonaro perder.
Ainda é muito cedo para saber se Bolsonaro vai perder. As vacinas vão começar a ser aplicadas e se no próximo mês, mês e meio, você começar a ver esta onda ser controlada. Há bastante tempo antes da eleição e Bolsonaro pode se tornar bastante competitivo contra Lula antes de chegarmos lá.
Mas, se parecer que ele vai perder, é um homem que está preparado para dizer que a eleição foi roubada e usar mídias sociais e seus apoiadores para isso. Agora, o Brasil tem instituições políticas fortes para um mercado emergente, mas não tão fortes quanto os Estados Unidos.
E, como consequência, o potencial de que você tenha um evento do tipo 6 de janeiro (data da invasão do Capitólio por apoiadores de Trump nos EUA) no Brasil é um risco real e nós temos que ficar atentos. É uma eleição muito importante.
BBC News Brasil – O senhor vê alguma possibilidade de uma movimentação autoritária por parte de Bolsonaro? Como o mundo veria isto?
Bremmer – Claro, eu vejo. Na medida que eu vi uma movimentação autoritária de Trump. Trump quis mudar o resultado da eleição. Ele não conseguiu por que as instituições eram fortes. Eu vejo facilmente Bolsonaro fazendo algo assim, mas ele não tem nem mesmo um partido político.
Trump tinha os republicanos no Congresso e muitos deles estavam preparados para votar com ele para tentar reverter a vontade dos eleitores. Bolsonaro não tem esse nível de influência no Congresso, e o STF não vai simplesmente aceitar o que Bolsonaro quer, como nos EUA, onde o sistema judiciário não aceitou as investidas de Trump.
Você poderia ver membros das forças policiais, militares de baixa patente, você poderia ter defecções (nestas forças) que apoiariam Bolsonaro, o que poderia tornar isso muito mais violento que nos EUA.
No fim, você pode ter um insurreição, mas eu não acho que você teria um movimento na direção de um Estado autoritário. Eu não acho que este seja um risco sério no Brasil do mesmo modo que é em um país como a Turquia, por exemplo.
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