Conama derrubou resoluções que restringiam o desmatamento em manguezais e restingas, e também aprovou a queima de lixo tóxico em fornos de indústrias de cimento. Especialistas e instituições comentam decisão do Conama e prejuízos para o meio ambiente
Entidades ligadas à preservação do meio ambiente afirmaram que a revogação de resoluções no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) teve como principal objetivo o favorecimento de empresários ligados ao setor imobiliário, ruralista e agrícola.
Resoluções revogadas no Conama: entenda ponto a ponto o que muda e os prejuízos ao meio ambiente
Nesta segunda-feira (28), com o conselho esvaziado após mudanças promovidas pelo ministro Ricardo Salles, o Conama acabou com resoluções que garantiam a preservação de restinga, de manguezais e de entornos de reservatórios d’água. Os conselheiros também eliminaram a exigência de licenciamento ambiental para projetos de irrigação e liberaram a queima de resíduos tóxicos em fornos de indústrias de cimento.
“Estas revogações atingem em cheio a proteção de restingas, zonas de praias e os manguezais, dando espaço para empreendimentos imobiliários nas faixas de praia e cultivo de camarão nos mangues” – Paulo Moutinho, co-fundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Entre as quatro resoluções revogadas na reunião, Moutinho se refere à Resolução 303/2002, que protegia toda a extensão dos manguezais e faixas de restinga do litoral brasileiro, determinando tais como Áreas de Preservação Permanente (APP).
Conama derruba resoluções que restringiam o desmatamento em manguezais e restingas
Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), afirmou que a resolução 303/2002 era o único instrumento jurídico “efetivo” para proteger as restingas de empreendimentos como a construção de resorts no litoral.
“Uma vez revogada essa resolução [303/2002], nós perdemos a proteção da faixa dos 300 metros a partir da praia-mar, e isso significa um grande boom imobiliário de resorts, de empreendimentos em todo o Brasil que seriam beneficiados com esse desguarnecimento de um compartimento ambiental importantíssimo”, afirmou Bocuhy.
A revogação da Resolução 302/2002, que protegia áreas de no mínimo 30 metros no entorno de reservatórios d’água, como a represa Guarapiranga, em São Paulo, impedindo a exploração da área para habitação e usos econômicos, também irá beneficiar o setor imobiliário, segundo Bocuhy.
“Essa perda de critérios favorece o setor imobiliário que especula em áreas de mananciais”, explicou o presidente do Proam.
Já a revogação da Resolução 241/2001, que padronizava o licenciamento ambiental para empreendimentos de irrigação, determinando como a água deveria ser utilizada nas atividades agropecuária e priorizava projetos com “equipamentos e métodos de irrigação mais eficientes, em relação ao menor consumo de água e de energia”, favorecerá de acordo com Bocuhy, o setor ruralista.
O Conama é o principal órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e é responsável por estabelecer critérios para licenciamento ambiental e normas para o controle e a manutenção da qualidade do meio ambiente.
As normas do Conama têm força de lei.
“Não bastasse o descaso atual com [as queimadas e desmatamento na] Amazônia e Pantanal, querem avançar no fim da proteção de zonas costeiras”, afirmou Moutinho por meio de nota.
Queima de lixo tóxico
Durante a reunião do Conama desta segunda, ainda foi revogada a Resolução 264/1999, que vetava a utilização de fornos rotativos de produção de cimento para queima de resíduos domiciliares brutos, resíduos de serviços de saúde e agrotóxicos, entre outros, e no lugar, aprovada a queima de resíduos agrotóxicos e de lixo tóxico neste fornos.
O argumento usado pelo governo federal para defender a nova resolução foi que a queima dessas substâncias vai diminuir a quantidade de resíduos sólidos.
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O representante da Associação Novo Encanto de Desenvolvimento Ecológico, Carlos Teodoro Irigaray, que participou da reunião no Conama, afirmou que apresentou um Parecer Técnico Jurídico com “pontos que suscitam preocupações quanto às consequências socioambientais da resolução em exame”, disse em nota.
“Subsistem incertezas quanto a capacidade de se evitar emissão de poluentes de alto impacto, uma vez que os fornos de cimento e seus sistemas de controle são desenhados para a produção de cimento e não para a queima de resíduos perigosos”, explicou Irigaray.
Organizações de saúde, como a Organização Mundial da Saúde(OMS), recomendam que a queima de lixo tóxico seja feita em ambientes controlados, já que podem causar danos à saúde da população.
“Se os resíduos a serem queimados não são nem substitutos de matéria-prima nem de combustíveis, então não é coprocessamento, e sim incineração, o que é vedado pela Lei nº12.305/10, ou seja, nesse caso, de acordo com a Constituição Federal, estaríamos diante de uma atividade de risco, e significativo impacto ambiental, para a qual deve ser exigida um estudo prévio de impacto ambiental”, afirmou Irigaray.
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Danos ambientais e sociais
Ao revogar a resolução que protegia áreas de restinga e manguezal, Moutinho aponta que milhares de espécies e de famílias que habitam essas faixas litorâneas ficarão em risco.
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“A perda de proteção destas áreas poderá colocar em risco os nichos de reprodução de milhares de espécies ofertadas pelos mangues e restingas. No caso dos mangues, sua destruição terá impacto direto na manutenção de cadeia alimentar, vital para boa parte da produção do pescado do qual incontáveis famílias de pequenos pescadores necessitam para sobreviver”, explicou Moutinho.
O ambientalista Bocuhy lembrou que a restinga caminha para a extinção no Brasil, mas sua função é essencial para se evitar a erosão de praias.
“É inegável a relevância das restingas, ecossistemas que, embora quase extintos, ainda cumprem relevantíssimas funções, destacadamente o de evitar processo erosivo de praias, minimizar impactos de fenômenos climáticos extremos (como as ressacas), cada vez mais frequentes, mitigar efeitos das mudanças climáticas e proteger fauna e flora dele exclusivas”, explicou Bocuhy.
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Sociedade sem participação no Conama
No ano passado, o governo reduziu e alterou a composição do Conama. O colegiado, que contava com 96 conselheiros, entre membros de entidades públicas e de ONGs, passou a ter 23 membros titulares, incluindo seu presidente, o ministro Ricardo Salles (veja o vídeo abaixo).
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