Informação é do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, órgão ligado ao Inpe. Entre 2011 e 2020, tarifas de energia tiveram aumento médio de 74,3%, aponta entidade do setor. A chuva nas regiões Sudeste e Centro-Oeste — onde estão as hidrelétricas responsáveis por mais da metade da energia gerada no país — ficou abaixo da média em todos os anos da última década, apontam dados do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), órgão ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A falta de chuva nas duas regiões vem contribuindo para o encarecimento das contas de luz em todo o país.
De acordo com a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), entre 2011 e 2020 as tarifas de energia para consumidores residenciais tiveram aumento médio de 74,3%, passaram de R$ 331 para R$ 577 por megawatt-hora (MWh).
O abastecimento de água nessas duas regiões, que juntas concentram metade da população do país, também vem passando por dificuldades. Algumas cidades de São Paulo, por exemplo, enfrentaram racionamento.
Chuva no Sudeste e Centro-Oeste abaixo da média nos últimos dez anos
Arte/G1
Especialistas ouvidos pelo G1 avaliam que os dados merecem atenção e defendem ações para evitar uma nova crise.
Uma parte deles diz que os números apontam para risco de manutenção dessa tendência de chuvas abaixo da média nas duas regiões pelos próximos anos, mas outra afirma que não é possível fazer essa previsão e lista outros problemas que podem contribuir para o baixo nível dos reservatórios (leia mais abaixo).
Pesquisador do Grupo de Previsão Climática do Cptec, Leydson Galvíncio Dantas informou que a queda no volume de chuvas da última década pode estar relacionada com o aquecimento global, entre outros fatores.
“Na última década, as chuvas nas regiões Centro-Oeste e Sudeste se tornaram menos frequentes, com acumulado abaixo da climatologia [média]. Os possíveis fatores estão associados ao aumento da temperatura e concentração de CO2 na atmosfera, que altera o ciclo hidrológico da região e proporciona a ocorrência de eventos extremos que causam secas e inundações”, afirmou.
Para Dantas, outro fator, é a frequência dos eventos do fenômeno La Niña na última década, por dificultar o avanço das frentes frias nas duas regiões.
Segundo ele, a diferença entre a chuva esperada e a verificada nas duas regiões — que chegou a 591 mm no Centro-Oeste em 2015, e a 539 mm no Sudeste em 2014 – merece atenção do poder público.
“Essa diferença é considerável. E o mais preocupante é que temos anos seguidos com padrão similar, vários anos sem ter recarga das bacias. Dessa maneira, não tem como ter o armazenamento desejável nos reservatórios”, disse Dantas.
Fontes alternativas e térmicas a gás
Em entrevista ao G1, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, afirmou que os dados sobre as chuvas no Sudeste e Centro-Oeste em poder da instituição “são coincidentes” com os apresentados pelo Cptec.
De acordo com Ciocchi, essa queda no volume de chuvas está sendo levada em consideração no planejamento energético.
Ele avalia que, apesar de se manter preponderante no país, a energia hidrelétrica vai parar de crescer nos próximos anos e a expansão da geração se dará por meio de parques eólicos e solares e de termelétricas, especialmente as movidas a gás natural.
“As termelétricas a gás natural, principalmente do pré-sal, são uma grande aposta e uma grande expectativa. Existem vários projetos e programas do governo, a política nacional de gás, e tudo isso me leva a crer que as condições para um aumento significativo desse gás natural como um combustível que vai facilitar a integração dessas energias renováveis [eólica e solar] são também uma grande aposta”, disse.
Nível de reservatórios no Centro-Oeste e no Sudeste é o mais baixo para janeiro em 6 anos
Contas de luz mais caras
Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram como a falta de chuvas afetou os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste.
Entre 2011 e 2020, esses reservatórios registraram armazenamento médio de 54,13% ao final de abril, quando termina o período chuvoso nas duas regiões. Na década anterior, entre 2001 e 2010, essa média foi de 76,83%, mais de 20 pontos percentuais acima.
Se conseguiu atravessar a falta de chuvas da última década sem um novo racionamento de energia, o país viu a crise hídrica se refletir em um forte encarecimento das contas de luz. Isso aconteceu porque, para compensar a queda na produção das hidrelétricas, o país precisou acionar mais termelétricas, que geram energia mais cara.
No auge da crise, em 2014, o governo precisou fazer um empréstimo bancário bilionário para aliviar o peso da disparada no preço da energia sobre as contas de luz e que pago pelos brasileiros em 5 anos.
Além disso, os consumidores passaram a conviver com a bandeira tarifária, criada em 2015, e cuja função é justamente aplicar uma cobrança adicional às contas de luz para pagar pelo aumento do custo de produção de energia no país.
Entre 2015 e 2019, os brasileiros pagaram R$ 35,42 bilhões a mais nas contas de luz devido à cobrança extra da bandeira tarifária.
Na semana passada, reportagem do G1 mostrou que o volume de água nos reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste ao final de janeiro era o mais baixo para o mês desde 2015.
Racionamento
Em 2014, São Paulo viveu uma grave crise hídrica, com queda drástica no nível dos reservatórios e que levou ao racionamento de água em algumas cidades.
No final de 2020, passados seis anos da crise, algumas cidades do interior do estado ainda conviviam com dificuldades no abastecimento. E o sistema Cantareira, principal manancial da região metropolitana de São Paulo e que fornece água para 7,5 milhões de pessoas, operava, em dezembro, em situação de alerta devido ao baixo nível.
Assista abaixo reportagem de outubro de 2020 sobre racionamento de água no interior de São Paulo:
Cidades do interior paulista fazem racionamento de água por causa da seca
Especialistas sugerem atenção
O professor Rafael Rodrigues da Franca, do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB), diz que os dados apontam para “grandes variabilidades de chuva de um ano para o outro”, mas que não é possível afirmar que as duas regiões tenham ficado mais secas na última década.
Segundo ele, é preciso considerar outros fatores na hora de avaliar a queda no nível de armazenamento dos reservatórios vista nos últimos anos.
“A questão é mais complexa, não dá para considerar só chuva, a questão climática. O clima participa, impacta no nível dos reservatórios, mas há muito além disso. Há outras pressões, como a gestão do sistema, a degradação ambiental, a falta de investimentos no aumento da oferta e o aumento da demanda”, apontou.
Professor de Meteorologia e diretor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Leite da Silva Dias avalia que a década passada foi de chuvas abaixo da média nas duas regiões e que há chances de o regime permanecer assim pelos próximos anos. Por isso, defende antecipação de medidas para enfrentar os riscos de falta de energia.
Ele apontou demora para detectar a crise hídrica anterior que atingiu o país, e que levou ao racionamento de energia em 2001.
“O que eu acho mais sensato dizer no momento é que estamos em uma transição induzida pelo aquecimento global. Então, a gente entra num regime que você não encontra análogos no passado”, disse.
“Precisamos de sistemas mais resilientes à variabilidade do clima, diversificar as fontes de energia e fazer a gestão integrada delas. Temos que aprimorar a interligação do sistema, eliminar o desperdício e ampliar os reservatórios”, afirmou.
Estiagem de 2014 fez o Sistema Cantareira, em São Paulo, viver o seu pior momento na história
Adriano Rosa
Meteorologista e chefe do Serviço de Pesquisa Aplicada do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Danielle Barros Ferreira diz que os dados apontam para “uma anomalia” nas chuvas do Sudeste e do Centro-Oeste nos últimos anos, especialmente a partir de 2014.
Ela ressalva, porém, que não é possível projetar queda no volume de chuvas nas duas regiões para os próximos anos com base no que foi registrado na última década.
“Não dá para pegar o retrato do passado para projetar o futuro. Tenho percebido que está chovendo menos, mas com intensidade maior. Isso tende a ocorrer mas, se vai levar a um problema de abastecimento, não dá pra dizer.”
Doutor em Hidrologia, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e diretor da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), Jorge Werneck participou da equipe que buscou soluções para a mais recente crise hídrica que atingiu o Distrito Federal e que levou a quase 1 ano e meio de racionamento.
Além da redução, ele aponta para a intermitência das chuvas registradas na região e defende investimentos, melhoria da gestão e ações de combate ao desperdício.
“O que a gente tem observado é não só a redução do volume de chuva mas uma mudança do comportamento das chuvas. O período chuvoso mais curto e também aquelas chuvas intermitentes, que são muito ruins para a recarga dos aquíferos. O solo precisa estar úmido até o lençol freático. Quando para a chuva, as plantas e o sistema puxam a água e isso gera uma redução na água armazenada no solo”, afirmou.
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