Grupo atacou governos e instituições envolvidos em embates com a Rússia, segundo relatório. Grupo criou conteúdos falsos na internet para atacar opositores da Rússia e aumentar tensões entre rivais políticos de diversos países, como França e Alemanha
Andrew Brookes/Cultura Creative/AFP
Uma empresa norte-americana especializada no rastreamento de conteúdo em redes sociais, a Graphika, publicou um relatório detalhando as operações de um grupo que criou conteúdos falsos para atacar opositores da Rússia e aumentar tensões entre rivais políticos de diversos países, como França e Alemanha.
A Rússia sempre negou envolvimento em campanhas de desinformação.
A campanha analisada no relatório recebeu o nome de “Secondary Infektion”, uma referência à operação Infektion, realizada na década de 1980 pela KGB, da então União Soviética, para espalhar o boato de que os Estados Unidos criaram o vírus da Aids.
O nome foi dado pelo instituto Atlantic Council, que publicou a primeira análise sobre a atuação desse grupo em julho de 2019.
No total, a Graphika identificou mais de 2,5 mil publicações em 300 plataformas e sete idiomas principais: russo, inglês, francês, espanhol, ucraniano, alemão e sueco. Os posts, feitos em blogs e redes sociais, defendem o presidente russo Vladimir Putin e atacam seus opositores dentro e fora da Rússia, além de tentar intensificar debates entre líderes e campos políticos opostos em outros países.
A operação estaria em curso desde 2014, mas foi a atuação das próprias plataformas de redes sociais – Twitter, Facebook e Reddit – que permitiu o mapeamento.
Campanha forjou publicação do senador norte-americano Marco Rubio no Twitter para espalhar boato de que o Reino Unido interferiu nas eleições dos Estoads Unidos
Reprodução/Graphika
O Facebook identificou e suspendeu contas e publicações do grupo em maio de 2019, enquanto o Reddit identificou 61 contas vinculadas à campanha após um usuário publicar documentos vazados para criticar um acordo comercial dos EUA com o Reino Unido.
Embora os documentos sobre o acordo comercial fossem aparentemente legítimos, os operadores da campanha recorreram a provas e documentos forjados na maioria dos casos.
Com um “print” falsificado de um tuíte do senador norte-americano Marco Rubio, por exemplo, as postagens denunciavam uma suposta interferência britânica nas eleições dos Estados Unidos.
Em outros textos, a ex-candidata à presidência dos Estados Unidos Hillary Clinton é chamada de “assassina”, enquanto a chanceler alemã Angela Merkel é retratada como uma alcoólatra em publicações sobre “alcoolismo feminino”.
O presidente da França, Emmanuel Macron, também passou a ser vítimas de ataques e boatos quando despontou como o preferido na eleição de 2017. Líderes poloneses teriam “distúrbios mentais”.
Algumas publicações atingiram países ou povos inteiros. A Ucrânia foi apresentada como uma nação ruim, abandonada até por seus próprios habitantes, enquanto a Turquia e os muçulmanos em geral foram acusados de serem agressivos.
Documentos forjados da agência antidoping e de ONG em defesa dos jornalistas foram usados para justificar acusações de corrupção
Reprodução/Graphika
Agência antidoping na mira
Entre as instituições, o maior alvo foi Agência Mundial Antidoping (Wada). A organização trava uma batalha com a Rússia desde 2015, quando relatórios e denúncias apontaram a existência de um esquema de doping patrocinado pelo governo, levando à suspensão de atletas russos em competições olímpicas.
Nas publicações identificadas pela Graphika, há insinuação de que a Wada é corrupta de que diretores da agência estariam aceitando propina para banir drogas específicas e privilegiar determinados laboratórios. As acusações são fundamentadas em documentos forjados da própria Wada e do Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ), uma ONG sediada em Nova York.
Esta não é a primeira vez que a Rússia é acusada de atacar a Wada. Em 2016, o país foi apontado como responsável por um acesso não autorizado à conta da atleta Yuliya Stepanova, que denunciou o doping à agência. O país ainda deve ficar de fora dos Jogos do Tóquio após a Wada suspeitar que o laboratório russo Rusada estaria novamente manipulando dados.
Rastros e alcance limitados
Os pesquisadores não conseguiram identificar os responsáveis pelas ações. Segundo o relatório, não parece haver interações entre esse grupo e a Internet Research Agency (IRA), a operação que foi apontada como responsável pela interferência nas eleições norte-americanas de 2016. A IRA é sediada em São Petersburgo, na Rússia.
Ao contrário das contas de redes sociais atribuídas à IRA, que construíram sua reputação na internet aos poucos para ampliar o alcance do conteúdo, as publicações da “Secondary Infektion” eram muitas vezes realizadas por contas e personalidades desconhecidas, que eram abandonadas logo após o uso.
Isso dificultou o mapeamento da relação entre esses usuários – o que teve de ser realizado com base nos tipos de conteúdo. Não há informações concretas sobre a autoria das publicações.
Por outro lado, essa dinâmica de operação limitou o alcance e a credibilidade das mensagens. Em alguns casos, os próprios usuários das redes sociais desconfiavam das publicações e reagiam, acusando os autores dos textos de serem “trolls” da Rússia. Quem normalmente replicou o conteúdo, segundo a Graphika, foram os veículos estatais russos e outros sites favoráveis ao Kremlin.
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