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Em carta, bilionários exigem impostos mais altos e esforço para acabar com evasão fiscal

Fórum de Davos terminou na quinta-feira (23) na Suíça
Denis Balibouse/Reuters
Uma carta emblemática foi divulgada no Fórum Econômico de Davos que terminou na quinta-feira (23). Cento e vinte milionários e bilionários do mundo endereçaram o texto a seus pares, destacando os efeitos nocivos da desigualdade e exigindo impostos mais altos para os ricos, além de um esforço internacional para acabar com a evasão fiscal.
Sim, caro leitor, você leu certo. Estamos mesmo vivendo, definitivamente, tempos pouco comuns, em que o óbvio deve ser desprezado.
O grupo que assinou a carta inclui atores – como o comediante britânico Simon Pegg – um membro da família Disney, vários executivos, entre eles Paul Polman (ex CEO da Unilever), Michael Nash (Universal). Tem também o empresário britânico Julian Richer, o empresário americano Nick Hanauer, fundador neozelandês do The Warehouse Grupo Sir Stephen Tindall, o fundador britânico de TED Chris Anderson e o roteirista e diretor britânico Richard Curtis, entre outros.
E já nas primeiras linhas do texto, a ideia é diferenciar dois tipos bem distintos de milionários e bilionários: os que preferem pagar impostos e os que preferem não pagar.
“Nós, os abaixo-assinados, preferimos pagar impostos. E acreditamos que, se você refletir, também vai preferir. Por esse motivo, pedimos que você aja agora – antes que seja tarde demais – para exigir impostos mais altos e justos sobre milionários e bilionários em seus próprios países e para ajudar a evitar que impostos individuais e corporativos provoquem evasão. É preciso apoiar esforços internacionais de reforma tributária”, diz a carta.
Fiquei me perguntando o motivo desta atitude tão pouco usual. Tais pessoas estariam interessadas apenas em atrair atenção para si? Não, elas não precisam disso. Talvez o pano de fundo para a atitude dos empoderados seja mesmo o que eles mencionam no texto:
“A desigualdade extrema e desestabilizadora está crescendo em todo o mundo. Hoje, existem mais bilionários na Terra do que antes, e eles controlam mais riqueza do que nunca. Enquanto isso, a renda da metade mais pobre da humanidade permanece praticamente inalterada. Em muitos países, as tensões causadas pela desigualdade atingiram níveis de crise. Baixa confiança social e um senso difuso de injustiça estão diminuindo a coesão social básica. Esse colapso dentro das nações exacerba as tensões entre países. A dinâmica resultante garante que a comunidade global falhe em responder adequadamente à catástrofe climática iminente. Isso será desastroso para todos, inclusive milionários e bilionários”, diz a carta.
Busquei a ajuda de alguém para refletir comigo sobre esta novidade e entrei em contato com Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil, movimento global que luta contra a desigualdade e a pobreza. Há menos de uma semana, a organização lançou um estudo sobre o tema lá mesmo, no Fórum em Davos. Katia Maia considera a carta importante, mas alerta para o fato de ter sido assinada por 120 milionários e bilionários, ou seja, um número ainda pouco representativo, levando-se em conta que, só de bilionários, há no mundo 2.153 pessoas.
Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil
Oxfam Brasil/Divulgação
“Esta carta, em resumo, diz o seguinte: vejam a que ponto chegamos, em termos de desigualdade no mundo. Tem uma parte dessa turma de milionários e bilionários que está mesmo impressionada com o nível de riqueza que está gerando riqueza em cima de riqueza. Essas pessoas estão, realmente, se assustando. Veja o Bill Gates, por exemplo: ele dobrou a fortuna dele desde quando saiu da Microsoft até agora. Isto é resultado de juros sobre juros, lucros, dividendos. Não é produção, não é valor agregado para a sociedade. É só riqueza gerando riqueza!”, disse-me Katia Maia.
A executiva da Oxfam também percebe, neste movimento, o reconhecimento, por parte dos bilionários e milionários, da importância do papel do estado.
“Na carta eles deixam muito claro que a filantropia é importante, mas não substitui a política pública dos estados. Estamos vindo numa onda longa do neoliberalismo, onde se propaga o estado mínimo, e o que isto significou foi uma concentração extrema de riqueza. Esta concentração tem a ver com uma visão de curto prazo de ganho. Como a gente abre uma empresa num paraíso fiscal para pagar menos imposto? É uma visão curta. E essa regulamentação dos paraísos fiscais é muito importante. A Holanda começou uma discussão no Congresso do que eles podem fazer para reduzir o paraíso fiscal.”, explica Katia Maia.
O ideal é que esta carta possa ser replicada, que mais poderosos se sintam com desejo de assiná-la, de cobrar dos governos. A urgência está no ar, as questões climáticas estão também servindo como um alerta vermelho: é preciso mudar paradigmas. Um dos signatários da carta, Djaffar Shalchi, fundador e presidente da Human Act and Move Humanity, corrobora esta ideia. Diz ele: “Estamos em um momento crucial na história do mundo e, se não agirmos, haverá caos. Não quero isso para meus filhos e netos. Não basta entender a desigualdade como um problema, temos que trabalhar para mudá-la. ”
Parte da mudança há de vir de quem acumulou tanta riqueza às custas de tantos que não conseguem chegar aos pés do topo da pirâmide, mesmo com esforço, e muito esforço. As taxas são, segundo os ricos, que sabem do que estão falando, “a melhor e única maneira adequada de garantir um investimento adequado nas coisas de que nossas sociedades precisam”.
E eles vão além, culpando aqueles que, com sonegação de impostos, rejeitam essa ideia. São os que “manipulam governos”. Uma ameaça à democracia.
“São uma dupla ameaça ao clima e à própria democracia. Aqueles que procuram evitar suas responsabilidades tributárias geralmente são os mesmos que manipulam governos e processos democráticos em todo o mundo para seu próprio ganho”.
Está tudo muito bem explicado. A questão, como lembra Katia Maia, é que ainda há uma forte pressão dos poderes econômico e político para manter o status quo, não fazer nenhuma mudança que possa gerar… mudanças.
“No caso do Brasil, por exemplo, a nossa discussão tributária é pela simplificação. Mas, e a taxação das grandes fortunas? E a taxação sobre lucros e dividendos? Essas são coisas que os governos não enfrentaram nas últimas décadas. Tem uma mistura de uma casta de um poder econômico e político que realmente não quer abrir mão, mas eu acredito que esta carta pode ter o efeito de avançar nesse debate. É animador”, conclui Katia Maia.
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