Teto de gastos terá alta de R$ 31 bilhões (2,13%) em 2021. Principais despesas obrigatórias, porém, avançarão R$ 60 bilhões, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI). O crescimento dos gastos obrigatórios, principalmente os previdenciários, continuará comprimindo as despesas livres do governo (chamadas de “discricionárias”) e ameaça comprometer parte dos serviços públicos em 2021, segundo números da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal.
Isso porque a regra do teto de gastos, criada em 2016, limita o aumento das despesas do governo à inflação do ano anterior.
Entenda o que está por trás do teto de gastos
Representando cerca de 95% das despesas totais da União, os gastos obrigatórios subirão mais que a inflação — deixando menos recursos para as despesas que podem ser alocadas livremente pelo governo.
De acordo com a IFI, a despesa não obrigatória mínima necessária, no próximo ano, para o funcionamento da máquina pública, é de R$ 89,9 bilhões.
Entretanto, com o forte aumento das despesas obrigatórias no ano que vem, os recursos que sobrarão para o governo realizar esses gastos “discricionários” serão menores do que isso: R$ 72,3 bilhões.
“Se o governo espremer as discricionárias, pode ser que consiga cumprir [o teto de gastos], mas estará operando no ‘fio da navalha’. Se ele mandar o PLOA [Projeto de Lei Orçamentária] cumprindo, mas depois tiver de romper na execução, vai ser algo inusitado”, afirmou o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, ao G1.
Para Salto, será uma “incógnita” o que acontecerá. “Se ele [o governo] cortar o gasto a esse nível, pode-se dizer que há risco de ‘shutdown’ [paralisação da máquina pública], sem forçação de barra e sendo honesto”, declarou.
Entre os gastos não obrigatórios que podem ser afetados estão:
investimentos públicos, incluindo infraestrutura e em universidades e institutos federais;
ações de defesa agropecuária;
bolsas de estudo, de pesquisa e para atletas;
emissão de passaportes;
Farmácia Popular;
fiscalização ambiental;
aquisição e distribuição de alimentos para agricultura familiar;
despesas administrativas do governo (água, energia elétrica, serviços terceirizados).
De acordo com informações oficiais do Tesouro Nacional, a área de saúde deixou de receber, em 2019, R$ 9,05 bilhões em razão da regra de teto de gastos.
Antes dessa regra, que começou a valer em 2017, o piso de despesas na área estava vinculado à receita corrente líquida. Com a mudança, passou a ser corrigido pela inflação do ano anterior (acumulada em 12 meses até junho).
Paulo Guedes fala da importância do respeito ao teto de gastos
Ministério defende o teto
Mesmo após a liberação de gastos extraordinários neste ano devido à pandemia do novo coronavírus, a área econômica tem defendido a manutenção da regra do teto de gastos e informado que o cenário de restrições será retomado em 2021, por meio da compressão de despesas não obrigatórias.
Segundo o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, a regra do teto de gastos é uma forma artificial de se fazer o necessário: “Gastar dentro das nossas possibilidades”.
“Ela [a regra] foi colocada para gerar credibilidade para a sociedade, e o Brasil não vai continuar em trajetória de gastança cada vez maior. A gente comprou um terno e tem e caber lá dentro”, disse.
“Temos que fazer nosso dever de casa. O piso sobe cada vez mais [com expansão dos gastos obrigatórios]. A gente vai engordar e ter de trocar de terno ou começar a malhar para caber dentro do terno”, afirmou nesta semana, durante videoconferência de instituição financeira.
Discussões sobre o orçamento
As limitações orçamentárias já podem ser sentidas nas discussões sobre a proposta de orçamento para 2021, que tem de ser enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional até o final de agosto.
Informações iniciais apontam para uma redução de despesas para educação de R$ 4,2 bilhões no próximo ano. Os números finais, porém, ainda não foram definidos pela equipe econômica.
Ao mesmo tempo, há uma discussão sobre como aumentar investimentos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta semana que o governo vai fazer remanejamento de recursos a fim de criar as condições para que sejam feitos investimentos públicos sem “furar” o teto de gastos.
Alguns dias depois, porém, a secretária especial do PPI do Ministério da Economia, Martha Seillier, declarou que, para crescer, o país precisa de investimentos em infraestrutura e que, estes, “não virão do lado público do orçamento”.
Segundo ela, como há “muita demanda” por investimentos em infraestrutura no país, o desafio “gigantesco” é realizar essa substituição por recursos privados.
Além disso, o governo também considera propor um novo adiamento do Censo Demográfico de 2021 para 2022. Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, os recursos previstos para o censo de 2021 seriam redirecionados para o Ministério da Defesa.
Números para 2021
Veja os números estimados pela IFI que influenciarão o gasto público em 2021:
Inflação – A inflação, medida pelo IPCA, somou 2,13% em 12 meses até junho deste ano. Com isso, esse é o percentual que será utilizado para correção do teto de gastos em 2021. O crescimento da inflação nesse período, fruto do baixo nível de atividade decorrente da pandemia do novo coronavírus, gerará a menor correção do teto desde o seu início. Em 2018, 2019 e 2020, o teto subiu, respectivamente, 3,52%, 3,68% e 3,84%.
Teto de gastos – Com o reajuste de 2,13%, o teto passará de R$ 1,455 trilhão para R$ 1,485 trilhão — alta de R$ 30,99 bilhões em 2021.
Benefícios previdenciários – Mesmo com a aprovação da reforma da Previdência, a previsão da IFI do Senado Federal é de que os benefícios previdenciários passarão de R$ 670,9 bilhões, neste ano, para R$ 731,3 bilhões em 2021 — expansão de R$ 60,4 bilhões.
Gasto com pessoal – De acordo com a IFI, os gastos com pessoal da União deverão avançar de R$ 322,3 bilhões para R$ 326,8 bilhões — crescimento de R$ 4,5 bilhões.
Abono salarial e seguro-desemprego – Gastos previstos pela IFI com abono salarial e seguro-desemprego devem recuar de R$ 63,7 bilhões em 2020 para R$ 60,5 bilhões em 2021 — queda de R$ 3,2 bilhões.
Benefício de Prestação Continuada (BPC) – Despesas com o Benefício de Prestação Continuada tem previsão, pela IFI, de subir de R$ 63,1 bilhões neste ano para R$ 66,9 bilhões em 2021 — alta de R$ 3,8 bilhões.
Precatórios – A previsão da IFI para o pagamento de precatórios (sentença judicial), por sua vez, deve somar R$ 15,7 bilhões em 2021, contra R$ 24,1 bilhões em 2020 — queda de R$ 8,4 bilhões.
Grupo de 80 economistas lança manifesto em defesa do teto de gastos
Propostas
Os economistas recomendam as seguintes medidas para permitir novas despesas:
Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente: permitir “gatilhos”, como congelamento de concursos e de salários de servidores, já no envio do orçamento, o que pode abrir cerca de R$ 40 bilhões em gastos, em dois anos. Para o economista, outra opção seria mudar a regra que limita o teto à inflação do ano anterior e fazer isso antes dos 10 anos previstos na emenda constitucional.
Marcelo Guaranys, secretário-executivo do Ministério da Economia: defende a revisão das despesas obrigatórias a fim de destinar mais recursos para programas de transferência de renda e investimentos públicos, por exemplo. O governo propôs no ano passado que os “gatilhos” do teto sejam acionados se a regra de ouro for descumprida, além de cortar jornada e salário de servidores.
Raul Velloso, consultor e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento: Para ele, era preciso ter aprovado também uma emenda que permitisse ao governo cortar gastos obrigatórios. Velloso diz ainda que o “alvo do tiro” precisa ser o salário dos servidores e a contratação de pessoal.
Manifesto divulgado por 96 economistas, entre eles Marcos Mendes, Alexandre Schwartsman, Ana Carla Abrão e Eduardo Guardia defende o teto de gastos. Para os economistas, o melhor caminho seria abrir espaço no teto permitindo redução de salário e jornada de servidor público, como propõe o Ministério da Economia, e permitir o acionamento dos “gatilhos” já em 2021.
José Luis Oreiro, professor adjunto do departamento de Economia da Universidade de Brasilia (UnB): O teto se torna “inviável” no “médio prazo” e é preciso, então, diminuir os gastos discricionários (que o governo pode decidir se executa) se os obrigatórios aumentam. Para ele, é preciso evitar o chamado “shutdown” da máquina público, isto é, a paralisação.
Comentar