Em Beirute, ex-presidente da Renault-Nissan deu entrevista exclusiva ao jornalista Roberto D’Avila, da GloboNews. Ele se negou a detalhar como escapou porque ‘seria perigoso’. Carlos Ghosn fala sobre fuga e acusação de fraude fiscal
“Eles souberam que eu saí tranquilamente da casa porque eles podiam saber exatamente onde eu fui”, disse o ex-presidente da Renault- Nissan, Carlos Ghosn, sobre a fuga do Japão que até agora não foi completamente esclarecida.
Acusado de irregularidades financeiras, o ex-executivo aguardava julgamento quando escapou da prisão domiciliar em Tóquio, no fim do ano, e foi para o Líbano.
Em Beirute, ele deu uma entrevista exclusiva ao jornalista Roberto D’Avila, da GloboNews, exibida na noite desta quarta-feira (8). “Valeu a pena correr o risco (de fugir) porque não tive nenhuma chance de ter um julgamento com justiça, um julgamento equilibrado”, afirmou.
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Ghosn disse que os planos mais simples são os mais efetivos. “Se você faz uma coisa complicada, alguma coisa vai errar”, afirmou. Perguntado se poderia dar mais detalhes da fuga, o brasileiro disse que isso seria “perigoso para as pessoas”. E que talvez só fale sobre a escapada “daqui a alguns anos”.
Também nesta quarta, Ghosn apareceu publicamente pela primeira vez depois de chegar ao país. Em uma entrevista coletiva, reafirmou inocência, mas também não explicou como deixou o Japão.
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Críticas à Justiça japonesa
A D’Avila, Ghosn afirmou que o fato de ter sido impedido de ver a mulher, Carole, foi uma das razões maiores que o fizeram pensar: “Não dá mais, nunca vou ter um julgamento equilibrado, onde vou poder me defender, se, antes do julgamento, tenho uma decisão arbitrária, contrária aos direitos humanos.”
O ex-executivo também falou em tratamento injusto durante a coletiva desta quarta, quando voltou a dizer que foi alvo de um complô de executivos da Nissan com promotores japoneses. O Ministério da Justiça do Japão repudiou as acusações, classificadas como “‘absolutamente intoleráveis”.
Erros cometidos
Ghosn disse a Roberto D’Avila que cometeu dois erros enquanto estava na Nissan. O primeiro foi ter deixado a diretoria geral da montadora para um japonês (Hiroto Saikawa, em 2017) sem ter saído totalmente (Ghosn continuou como presidente do conselho administrativo).
“Não (se) fica numa situação onde você não tem o poder, mas tem uma responsabilidade. Isso é muito perigoso no Japão”, avaliou.
O segundo erro, de acordo com ele, foi ter aceitado um mandato a mais à frente da Renault. “Eu hesitei muito antes de aceitar, mas o governo francês, os franceses e o conselho de administração da Renault insistiram, porque eles sabiam que eu era a pessoa mais adequada para realmente ir adiante, em termos de fazer da aliança uma empresa mais sólida.”
Veja abaixo outros destaques da entrevista.
Sobre o momento da prisão
“Subitamente, você tem um procurador que vem aqui e diz: nós queremos falar com você, você não pode usar o telefone. E, 3 horas depois, você está numa prisão. O mundo caiu, é como se você falecesse, tudo desapareceu.”
Sobre quando decidiu se arriscar a fugir:
“O momento onde eles se recusaram a marcar uma data precisa para o julgamento, o momento onde o juiz recusou a visita da minha esposa.”
Sobre as acusações:
“Não tem nem sonegação de impostos, nem não declaração de coisas que você já recebeu. Foi não declarar recursos que você vai receber no futuro. Essa foi a acusação. Sacanagem.”
“Nos Estados Unidos, isso não é um problema civil. Na França, no Líbano, isso não existe. Em outros países, esse tipo de coisa não é um problema. No Japão, eles botam você na prisão.”
Sobre se pensou em ir para o Brasil:
“Eu posso ir ao Brasil. A única condição: eu tenho que fazer um voo direto. Você não pode parar em outro país, senão você pode ter problema com a Interpol. Agora, indo para o Brasil, não tenho problema.”
Sobre a expectativa de ajuda do governo brasileiro:
“Eu estava esperando que, a certo momento, talvez uma pressão do governo brasileiro para facilitar um tratamento normal, adequado fosse feita. Infelizmente, não foi feito. Mas tá bom.”
“Estava muito feliz porque o presidente (Bolsonaro) ligou para minha irmã, falou com ela. Estava otimista sobre o fato de que o presidente ia fazer um pouco de pressão sobre os japoneses. Não sozinho, mas como os franceses, igual os outros. Infelizmente, entendo que ele recebeu aviso do ministro das relações externas: não podemos atropelar os japoneses. Acabou não acontecendo.”
Sobre a relação com o Japão:
“Eu fiz muito bem para o país, fiz muito bem para a empresa (Nissan), então, eu não entendo por que o país está me tratando assim.”
“Eu não tenho muita mágoa do povo japonês, acho o povo japonês excelente, são muito gentis. Eu não tenho problema com o Japão, tenho problema com um pequeno grupo, parte da elite japonesa, que são pessoas ‘nacionalísticas’, muito fechadas.”
Sobre um futuro julgamento:
“O que eu quero (é) que tenha um julgamento num país determinado, onde tem defesa possível, para esclarecer meu nome. Eu quero limpar meu nome, quero limpar minha vida. Esse é meu objetivo. Um lugar onde vai ter um julgamento. Vamos botar tudo na mesa. Deixa um juiz que está interessado na verdade, não em ganhar um processo, decidir.
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