Especialistas apontam que o melhor é falar diretamente com o gestor ou com o RH da empresa. Mas é preciso medir as palavras para não colocar tudo a perder.
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Levante a mão quem nunca falou mal do chefe. O hábito de expressar insatisfação com o patrão faz parte da rotina de boa parte dos profissionais insatisfeitos em seus empregos. No entanto, é preciso tomar cuidado para que as coisas não saiam do controle. Especialistas apontam que o melhor é falar diretamente com o gestor ou com o RH da empresa. Mas é preciso medir as palavras para não colocar tudo a perder.
Veja abaixo o tira-dúvidas com o especialista em gestão do capital humano Roberto Recinella e com a psicóloga especialista em carreiras Renata Xisto:
É normal falar mal de chefe?
Renata Xisto: Normal falar mal do chefe, é. A maior parte das pessoas o faz. A questão que devemos pensar é: o que se ganha com isso. Ao mesmo tempo em que o indivíduo pode sentir um certo alívio e ganhar “aliados” com esse tipo de comentário, o castigo pode vir rápido. Às vezes, um comentário feito próximo de alguém que não seja confiável vira fofoca e o nome da pessoa corre até chegar aos ouvidos do chefe, o que pode lhe render no mínimo uma retaliação.
Roberto Recinella: Qualquer pessoa em sã consciência sabe que regra de ouro da sobrevivência corporativa é nunca falar mal do chefe, mesmo que ele seja um ogro. Mas somos humanos e falamos mal de todo mundo, principalmente do chefe quando ele nos chama a atenção, recusa um projeto ou ideia, enfim, quando nos sentimos intimidados ou injustiçados.
Por isso, cuidado em dobro quando for dizer alguma coisa de cabeça quente ou chateado, geralmente não saem coisas boas desse tipo de conversa.
Falar mal do chefe e de outros colegas é um “tiro no pé” porque atrapalha a carreira, além de comprometer a imagem do profissional, pois a pessoa que está ouvindo pode pensar: “ Se ele fala isso dos outros e do próprio chefe, o que será que fala de mim?”
Se falar mal do chefe, com quem pode falar e onde falar?
Renata Xisto: Se a língua coçar ao ponto de não conseguir controlar um comentário sobre o chefe, é importante se resguardar para então falar para um amigo muito chegado ou, então, mais certo mesmo é procurar um familiar ou um amigo fora da empresa.
Roberto Recinella: O ideal seria falar diretamente com o seu chefe, se não der certo, com o chefe do chefe, depois o RH.
Mas antes disso você deve montar uma estratégia avaliando qual é a sua relação com o chefe, qual é o perfil dele, o melhor momento para se falar e, principalmente, saber se é realmente possível conversar sem que isso agrave ainda mais a situação.
Claro que não são conversas fáceis, por isso, é preciso ser transparente, honesto e com a argumentação baseada em fatos concretos, por exemplo, “no dia tal durante a reunião você fez um comentário que me incomodou, da próxima vez me fale isso em particular”.
A empresa deve ter um canal de comunicação que permita isso ao colaborador, um sistema de pesos e contrapesos que possibilite a conversa franca entre as pessoas de qualquer nível hierárquico.
É perigoso por exemplo falar mal por meio de mensagens internas da empresa, e-mail ou WhatsApp?
Renata Xisto: Até que ponto você tem certeza de que as mensagens internas de qualquer canal não são abertas? Até que ponto você conhece a personalidade da pessoa para quem você enviou o WhatsApp? Se você se questiona sobre essas perguntas, o melhor mesmo é escrever num caderno seu, em casa, como forma de desabafo.
Roberto Recinella: Perigosíssimo. Isso é suicídio corporativo. Imagine o seu chefe ou colega receber uma mensagem sua falando mal dele reencaminhada por outra pessoa. Com certeza isso vai lhe causar algum transtorno. Nada substitui uma conversa franca e madura diretamente com a pessoa quando temos que resolver algum problema de relacionamento. Quanto mais delicado o problema, maior a importância de se falar cara a cara com essa pessoa.
O velho e bom almoço para desabafar as mágoas é bom para isso? É preciso também tomar cuidado olhando se há pessoas em volta que possam ouvir?
Renata Xisto: Quando for almoçar, dê preferência a restaurantes não muito próximos, pois a possibilidade de encontrar pessoas do seu ambiente de trabalho é alta e, ainda assim, certifique-se de que não tem ninguém próximo. Mas, se você está fugindo de problemas e não quer que um comentário infeliz seu seja usado contra você mesmo, a dica é usar seu almoço para espairecer a cabeça. Use esse horário para falar de outras coisas, justamente para sua mente ter um refresco.
Roberto Recinella: Evite fazer fofocas e espalhar boatos. Não fale sobre o que você não tem certeza ou não lhe diz respeito, pois corre-se o risco de parecer pouco profissional ou até antiético. Cuidado com os almoços e happy hours – geralmente, eles são uma extensão da empresa, mas com um ambiente repleto de armadilhas que nos fazem falar mais do que devemos. Então não se iluda com a falsa segurança que eles proporcionam. Sempre tem alguém que pode ouvir partes da conversa e interpretar tudo errado complicando ainda mais qualquer situação.
Qual o limite para não prejudicar a carreira?
Renata Xisto: É preciso cuidar da própria carreira e não passar o tempo todo reclamando. Não temos o controle da vida do outro. Então que o foco seja mudado e que a energia seja direcionada para o aprimoramento pessoal e profissional. Que possamos refletir sobre as críticas e fazer com que elas se tornem oportunidades de crescimento nesta ou em qualquer empresa.
Roberto Recinella: Isso depende muito da cultura da empresa, principalmente daquelas “regras” que estão fora do manual da empresa, o jeito com que as coisas realmente são feitas.
Mas qualquer que seja o limite, na maioria das vezes, acaba abalando num grau maior ou menor a sua reputação, prejudica a sua imagem diante dos gestores e colegas, já que as pessoas ao seu redor ficarão receosas em se abrir com você, ou seja, você perde credibilidade, um dos valores mais difíceis e importantes a serem conquistados e um dos mais fáceis de serem destruídos.
E se estiver muito difícil a situação no emprego, pode falar com o chefe o que está sentindo? O que pode falar?
Renata Xisto: O que precisa ser levado em consideração neste caso é o seu perfil e o perfil do seu chefe. Você tem tranquilidade para se expressar em situações adversas ou fica incomodado e nervoso? Como seu chefe funciona? É aberto a esse tipo de conversa ou não sabe lidar com essas situações? Uma dica é procurar o RH para mediar esse processo. Eles vão poder orientar a melhor forma para conduzir essa conversa e, quem sabe, ajudar a chefia para este momento.
Roberto Recinella: Primeiramente pense em liderança e não em chefia. Falar sobre seu gestor é muito fácil, mas não basta apenas dizer que está insatisfeito. Você deve ter argumentos e fatos para utilizar nessa conversa, por isso, sugiro que faça uma lista com alguns tópicos e características importantes que você acha que está faltando para o seu chefe se tornar um líder. Faça observações pertinentes e aponte soluções.
Por exemplo, se você acha que ele não está lhe dando oportunidades de crescimento, sugira à empresa um palestrante que aborde sobre o tema ou indique um livro que fale sobre isso. Se o seu chefe é desorganizado, tem problemas com gestão de tempo e não está conseguindo cumprir prazos e metas, ajude-o mostrando uma nova forma de acompanhar os números e tarefas.
Imagine que você está começando a ficar desmotivado com o dia a dia de trabalho, sinalize que está interessado em assumir novas tarefas, que quer enfrentar outros desafios e que deseja se aprimorar. Na maioria das vezes, os gestores enxergam com bons olhos esse tipo de iniciativa, aumentando as chances de novas oportunidades. Apresentar soluções sempre ajuda a mudar o cenário da sua empresa e, com isso, transforma o modo como o seu chefe trabalha.
O funcionário pode falar sobre sua insatisfação durante o feedback ou em pesquisas de satisfação da empresa?
Roberto Recinella: Um bom feedback exige que as pessoas não tenham apenas a capacidade de falar, mas também de ouvir, afinal, o seu objetivo é analisar o trabalho que vem sendo realizado através de medição de resultados e otimizações para melhorias contínuas, ou seja, necessita ser embasado em dados.
Na teoria é maravilhoso, mas na prática não funciona como uma via de mão dupla, já que o gestor muitas vezes não está disposto a ouvir feedback. Por exemplo, se o gestor atrasou para dar uma resposta sobre um projeto, o colaborador pode dizer “não entendi por que você não respondeu mais rápido”, para obter uma explicação. Em seguida, pode dizer: “ok, mas nosso prazo para responder ao cliente expirou e perdemos a venda”.
Ou pode citar determinado comportamento que lhe incomodou: “durante nossa reunião com o departamento de marketing um comentário seu me incomodou, pois deu a entender que não realizei o meu trabalho adequadamente”.
Renata Xisto: As oportunidades de feedback dentro das empresas consistem basicamente nas Avaliações de Desempenho, na qual a 360 graus permite que o funcionário avalie seu gestor, ou então a Pesquisa de Clima Organizacional.
Na maioria dos casos, a Pesquisa de Clima Organizacional, por ser anônima, deixa o funcionário mais à vontade para expor suas dificuldades, tanto relacionadas às atividades técnicas, quanto as de caráter comportamental. Porém, se funcionário se sentir confortável no momento do feedback, é importante, ainda assim, medir as palavras e tentar trabalhar suas colocações sempre de forma positiva, ou seja, se ele se sente sem orientação no trabalho, pode abordar assim: “que tal se estipulássemos prazos para a entrega dos meus trabalhos? Assim conseguiria atender melhor à sua demanda”. Se for uma questão comportamental como: “não gosto da forma como me trata”. Pode ser substituído por: “podemos agendar reuniões fixas na sua sala para que possamos melhor conversar”? Isso dará ao funcionário, de forma particular, a possibilidade de exercitar a conversa direta com sua chefia.
No mais, o exercício é do funcionário. Muitos líderes ainda não estão prontos para exercerem essa função. Portanto, o funcionário pode desenvolver a habilidade de contornar mais momentos, adquirir formas positivas de se expressar e conseguir, com o tempo, se adaptar da melhor forma a cada perfil de chefia que aparecer durante sua jornada profissional.
Pense sempre que sua conduta é seu cartão de visitas e seu currículo. Nunca faça nada de que vá se arrepender depois. Tem chefe mala? Tem! Sem noção? Tem também! Intragável? Aos montes! Mas, lembre-se que essas figuras são oportunidades que temos em nossa vida profissional para melhorar. Quando esses perfis nos incomodarem pouco ou quase nada, é porque vencemos esse desafio. Lidar com pessoas requer talento. Por que não burilar o seu?
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