Dólar a R$ 5,40: por que cotação da moeda americana tem confundido economistas thumbnail
Economia

Dólar a R$ 5,40: por que cotação da moeda americana tem confundido economistas

Para cima ou para baixo? Real dribla estimativas mais otimistas e mantém desvalorização recorde Real dribla estimativas mais otimistas e mantém desvalorização recorde
Getty Images/Via BBC
Em março de 2020, quando o dólar passava de R$ 4,60, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que, “se fizesse muita besteira”, a cotação da moeda americana poderia passar de R$ 5.
Dias depois, em 16 de março, diante do avanço do coronavírus e de turbulências internas no Brasil, esse limite foi ultrapassado pela primeira vez e praticamente não cedeu desde então. Na quinta-feira (19/8), fechou cotado acima da R$ 5,40 pela primeira vez desde o fim de maio.
LEIA TAMBÉM: Como a crise institucional provocada por Bolsonaro impacta a economia
O exercício de tentar prever o comportamento do dólar tem dividido os economistas: a parte otimista acredita que a cotação pode fechar o ano abaixo de R$ 5; os pessimistas apostam que o dólar encerra dezembro ainda mais caro do que está hoje.
Essa divergência fica bem visível na pesquisa Focus do Banco Central. As projeções enviadas por cerca de 100 consultorias e instituições financeiras estão dispersas em um intervalo longo, mais ou menos de R$ 4,60 a R$ 5,30.
Atualmente, pouco menos da metade aposta em um dólar em torno de R$ 5,06 no fim do ano — o patamar que concentra o maior volume de estimativas. Dois meses atrás, em junho, o consenso era maior: quase 70% das projeções giravam por volta de R$ 5,15.
Para cima ou para baixo?
A bússola usada pelos economistas para tentar prever a direção do câmbio por vezes parece descalibrada. Entre maio e junho, pelo menos dois sinais indicavam que o real poderia finalmente ganhar força, depois de meses ocupando as primeiras posições do ranking das moedas mais desvalorizadas do mundo.
A taxa básica de juros entrava em um ciclo de alta. De forma geral, elevação da Selic pelo Banco Central favorece a apreciação do real. A ideia é que os juros mais elevados aumentam a rentabilidade de títulos do governo e de renda fixa e, assim, atraem mais capital estrangeiro.
Em paralelo, os preços de commodities subiam. Minério de ferro, soja, celulose, milho, entre outros produtos que compõem a pauta de exportação do Brasil ficaram mais valorizados. As vendas desses produtos no exterior traz mais dólares ao país, empurrando a cotação da moeda americana para baixo.
“Quando a taxa de câmbio lá em abril chegou a R$ 5,80, com bastante pressão no mercado, a gente ouviu que ‘não, não tem como voltar’. E agora, mais recentemente, em julho, você ouviu o oposto, muita gente falando que o câmbio vai pra baixo de R$ 5,00, R$ 4,50, R$ 4,70”, relembra a economista-chefe do banco J.P. Morgan no Brasil, Cassiana Fernandez.
O dólar a menos de R$ 5, contudo, não durou muito tempo.
Empurrão das commodities
A projeção do J.P. Morgan desde o fim do ano passado apontava para uma cotação mais próxima de R$ 5,40 no fim de 2021.
Dois fundamentos pesaram nessa avaliação: os termos de troca (a relação entre os preços das exportações e importações, onde entram as cotações das commodities) e o diferencial de crescimento entre a economia brasileira e o restante do mundo.
No primeiro caso, a equipe avaliou que o aumento dos preços de matérias-primas observado a partir de março não se sustentaria por tanto tempo quanto alguns especialistas acreditavam.
“Eu diria que as commodities já atingiram o pico, muitas delas já começam a mostrar uma queda”, afirma Fernandez. “Se a gente olhar o minério de ferro, que é uma das mais importantes na nossa pauta de exportação, ele chegou a US$ 200 dois meses atrás, agora já está de novo a US$ 100 — que é um valor muito bom, sim, mas menos do que era lá atrás.”
Em relação ao crescimento, a economista destaca que, apesar de os indicadores econômicos do Brasil terem surpreendido positivamente no primeiro semestre — o que também ajudou a alimentar as estimativas mais otimistas —, outros países têm apresentado desempenho melhor, como os Estados Unidos.
A projeção do FMI (Fundo Monetário Internacional) é de alta de 7% no PIB (Produto Interno Bruto) do país, enquanto para o Brasil é de 5,3%.
O dólar, aliás, vem em uma tendência de fortalecimento não apenas por conta da expectativa de crescimento, lembra a economista sênior da LCA Consultores Thais Zara.
O Federal Reserve, Banco Central americano, tem sinalizado que vai começar a retirar no fim do ano os estímulos monetários, reduzindo seu programa de compra de títulos. À medida que deixa de injetar dólares no mercado, o “tapering”, no jargão do mercado, ajuda a empurrar a cotação da moeda para cima.
A esse movimento se junta ainda a expectativa de aumento dos juros no país, que costuma desviar o fluxo de investimentos de mercados considerados mais arriscados, como o Brasil, para os EUA. Todos esses fatores jogam a favor do dólar e, por consequência, contra o real.
Disparada do dólar e piora da bolsa de valores evidenciam problemas na retomada do Brasil
Zara mantém a estimativa de dólar a R$ 5,10 no fim do ano, mas com viés de alta. “O risco fiscal vai dizer pra que lado a balança vai pender”, ressalta a economista, referindo-se à situação das contas públicas.
Desde o início da gestão Bolsonaro, o mercado em geral reage mal às sucessivas queda de braço protagonizadas pela equipe de Paulo Guedes, que defende um controle maior de despesas, e setores do governo que querem expandir os gastos.
A nova onda de alta do dólar nos últimos dias reflete mais um episódio da novela: as notícias sobre a PEC dos precatórios enviada pelo governo ao Congresso (que posterga o pagamento de dívidas da União) e as discussões sobre a criação de despesas fora do teto de gastos.
“A questão fiscal é o elo fraco do Brasil”, diz Martin Castellano, chefe para a América Latina do Institute of International Finance (IIF), associação que reúne mais de 400 bancos no mundo.
Para o economista, a fragilidade fiscal do Brasil e o “ruído político” estão entre os principais fatores que explicam porque o dólar não cede. Tomando a desvalorização acumulada desde 2013, o real hoje só perde para a lira turca: é a segunda moeda que mais perdeu valor, levando em consideração a taxa de câmbio de equilíbrio.
O cálculo desse parâmetro varia entre os economistas, mas, de forma geral, ele indica a taxa de câmbio que manteria o equilíbrio da conta de transações correntes (que engloba a balança comercial, de serviços e as transferências unilaterais). Conforme os cálculos do IIF, a taxa de câmbio de equilíbrio estaria por volta de R$ 4,50.
O J.P. Morgan estima algo mais perto de R$ 5 e a LCA Consultores, um intervalo entre R$ 4,70 e R$ 4,80.
Diante das incertezas domésticas, o real, que já é uma moeda que costuma oscilar mais do que as de mercados mais maduros, fica ainda mais volátil. O resultado é o sobe e desce dos últimos meses. Nesse sentido, as incertezas em relação às eleições de 2022 também já começam a entrar na conta.
“Você tem um governo acuado, que está buscando confronto com outras esferas do poder. Tudo isso gera instabilidade política, o que tende a afugentar os investidores”, pontua Rafael Leão, economista-chefe da consultoria Parallaxis.
O impacto do real desvalorizado, ele lembra, vai muito além de quem precisa de dólares para viajar ou comprar bens importados.
O real desvalorizado encarece insumos importados e promove um aumento generalizado de preços, pressionando a inflação e reduzindo o poder de compra dos salários. Nos 12 meses até julho, o IGP-M, índice de inflação que leva em consideração os preços pagos por consumidores e produtores, acumula alta impressionante de 33,83%.
O índice oficial, o IPCA, que capta apenas a inflação ao consumidor, chegou a 8,99% na mesma comparação, maior alta desde maio de 2016.

Tópicos