Relatos de quem vive e depende da floresta em pé exaltam a necessidade de garantir o futuro do nosso meio ambiente. Amapá abriga as maiores árvores da Amazônia
Rafael Aleixo/Setec/Divulgação
Celebrado neste sábado (17) o Dia de Proteção às Florestas traz reflexões que deveriam ser diárias: como garantir a preservação dos nossos principais recursos naturais? Como alinhar desenvolvimento e cuidado com o meio ambiente? Perguntas que são respondidas por aqueles que vivem em meio à natureza, onde o impacto é mínimo ou zero e atuam como guardiões, mantendo o equilíbrio entre o que é aproveitado – e principalmente – reaproveitado o que advém dos nossos ecossistemas.
O Amapá tem, segundo o governo, cerca de 95% dos seus ecossistemas naturais intactos e 72% do território fica dentro de Unidades de Conservação federais e estaduais (UCs) ou terras indígenas.
Floresta amazônica já emite mais gás carbônico do que absorve, aponta estudo
O Dia de Proteção às Florestas é lembrado na mesma data que o dia do curupira: ser do folclore brasileiro conhecido por atrair e se livrar de caçadores ou outras pessoas interessadas em destruir a natureza.
Na vida real, assim como o curupira, são muitos os guardiões preocupados com a preservação do território da Amazônia, seja com a relação entre produção e preservação ou a permanência intacta da floresta em pé.
Um “Rio de Janeiro” na Amazônia
Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
Facebook/Reprodução
O Amapá abriga o maior parque nacional do país e também maior parque de floresta tropical do mundo: o Montanhas do Tumucumaque. Com uma área de 39 mil quilômetros quadrados, o gigante de natureza praticamente intacta é quase do tamanho do estado do Rio de Janeiro.
Caracterizado por abrigar espécies únicas de plantas e animais, o Tumucumaque é gerenciado por um alemão naturalizado brasileiro. Christoph Jaster, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio), ocupa o posto desde 2003.
“As pessoas perguntam ‘por que um parque desse tamanho?’. A gente explica sobre os objetivos que ele precisa cumprir, objetivos definidos por lei. Somente um parque desse tamanho tem condições de trazer reais contribuições para a regulação climática, por exemplo”, resumiu.
Christoph Jaster, gerente do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
Arquivo Pessoal
Cuidar de uma área tão grande é um desafio, conta Jaster. A necessidade de preservação se dá pelo impacto do parque em todo o Amapá e na Amazônia.
“Contribui também para a qualidade da água dos rios que nascem dentro dele. Cabe destacar que os principais rios do estado do Amapá nascem dentro do Tumucumaque: Jari, Oiapoque, Araguari e Amapari. Isso é um real benefício para práticas de desenvolvimento econômico e social fora do parque, junto aos centros urbanos na agricultura, pecuária, atividades econômicas”, completou.
Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
Facebook/Reprodução
A área de natureza preservada também contribui, no caso do parque, para pesquisas científicas voltadas para a manutenção da floresta em pé e conservação da biodiversidade, além, claro, do potencial turístico.
“O parque é feito para ser visitado, venham conhecer os ecossistemas naturais, que são as florestas mais exuberantes da América Latina. Fazemos questão de deixar o parque aberto para as pessoas nos visitarem e contemplarem junto com a gente esta fantástica paisagem natural”, ressalta.
Monitores sendo capacitados pelo ICMBio para atuar na floresta
ICMBio/Divulgação
Poder que vem do solo
A natureza preservada é fonte dos mais diversos recursos, inclusive medicamentos. Já ouviu na fitoterapia? Essa é uma técnica que estuda as funções terapêuticas das plantas e vegetais para o tratamento de doenças.
Mas nem sempre os fitoterápicos foram produzidos a partir de laboratórios nas grandes cidades. Raimundo dos Santos Souza, conhecido como Sacaca, foi um amapaense que sabia trabalhar com ervas medicinais, sem mesmo sentar num banco de faculdade.
Chamado de curandeiro, Sacaca aprendeu com o pai e pesquisadores estrangeiros sobre os benefícios das plantas da floresta, extraindo raízes e folhas para o preparo de remédios naturais. Ele atendia pessoas em casa e ensinava “garrafadas”, bebidas usadas para combater diversas doenças. Em vida, ele chegou a publicar três livros sobre o assunto.
Raimundo dos Santos Souza publicou 3 livros em vida, com conhecimento de ervas medicinais
Fabiana Figueiredo/G1
Filho do Sacaca, José Raimundo Souza conta que o pai tinha algo de especial em relação à natureza. Com ele, aprendeu também um pouco mais sobre o poder das plantas.
“Meu pai tinha relação de intimidade com a floresta e ao mesmo tempo de respeito. Eu lembro que quando a gente chegava próximo de alguma mata, ele tinha um ritual, ele dizia que estava pedindo permissão para entrar na floresta. Depois desse ritual, ele se sentia em casa dentro da mata. É coisa que a gente não vê mais acontecer”, comentou.
Sacaca foi um guardião da floresta que soube como aproveitar as ervas medicinais para o bem-estar do seu povo
Blog Porta Retrato-AP
Sacaca morreu aos 73 anos, em 1999. Em 2002, ele deu nome a um museu a céu aberto no meio da cidade, que é ponto turístico da capital mostrando os costumes dos povos da floresta.
O conhecimento popular das plantas para fins medicinais passou a ser fonte de estudo. O Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa) tem a Farmácia da Terra, que alia o saber popular ao conhecimento científico para produzir remédios.
“Pelo que eu aprendi com meu pai, é na natureza que estão todas as soluções para os problemas da humanidade. O homem tem que procurar preservar, entender e aproveitar o que as florestas têm. Mas a gente tem que saber trabalhar isso porque senão as próximas gerações não vão ter esse cuidado. Tem que passar essa intenção de preservar. É urgente!”, ressaltou o filho do Sacaca.
O Assunto #496: nesta edição, foi destaque o estudo que identificou que a Amazônia emite mais CO2 do que absorve, resultado de diversas formas de degradação do meio ambiente. Ouça:
Cultivo sustentável
Devido ao constante convívio do ser humano junto à natureza, com o passar do tempo tornou-se necessário se pensar em práticas de preservação ambiental que harmonizassem essa vivência.
Um das saídas apontadas pelos estudiosos é o manejo florestal. De acordo com o Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC Brasil), é possível sim equilibrar benefícios econômicos e ambientais.
Produção de açaí é um dos exemplos de atividades com manejo florestal
Luis Fernando Iozzi/Divulgação
Segundo a diretora do conselho, Daniela Vilela, manter as florestas produtivas e ao mesmo tempo protegidas é o que vai garantir a sobrevivência de todos os ecossistemas de maneira integrada.
“Nós acreditamos que equilíbrio entre a produção e a proteção, que é o manejo florestal, é o caminho para o combate ao desmatamento e, nesse dia de proteção das florestas, a grande mensagem que nós queremos passar é que é possível, sim, ter as florestas protegidas e produtivas”, afirmou.
Vilela explica ainda que esse cultivo sustentável pode ser feito mantendo-se o respeito aos mecanismos de sustentação do ecossistema, ou seja, existe a retirada das matérias-primas e alimentos, entretanto, ela leva em consideração a proteção da biodiversidade.
Daniela Vilela, diretora executiva do FSC Brasil
Reprodução
Entre as iniciativas reconhecidas, está a produção de açaí da Cooperativa dos Produtores Agroextrativistas do Bailique e do Beira Amazonas (AmazonBai), única no mundo a ter açaizal certificado.
A cooperativa foi certificada pela FSC Brasil, considerada o selo verde mais reconhecido em todo o mundo, com presença em mais de 75 países e em todos os continentes.
Com o reconhecimento, a entidade formada por cerca de 100 extrativistas dá garantias de que os produtos vendidos têm garantias de origem ecologicamente correta, seja no uso do solo, seja no uso dos recursos hídricos.
Produção de açaizal certificado atua sem impacto no ecossistema
Amazonbai/Divulgação
Com valor agregado, eles podem conquistar um público mais exigente e abrir novos mercados, o que contribui com o desenvolvimento social e econômico das comunidades.
“Processo de educação ambiental, conscientização dos jovens da comunidade com objetivo de conservar nossa floresta em pé, nossa fauna, nossa flora. A cooperativa vem fazendo esse trabalho de educação de base, de crianças, jovens dentro da comunidade. O empoderamento local. Isso mostra a importância de manter a floresta em pé, mostrar que é possível fazer o desenvolvimento econômico com a nossa floresta em pé”, ressaltou Amiraldo Picanço, presidente da Amazonbai.
Amiraldo Picanço, presidente da Amazonbai
Amazonbai/Divulgação
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