'Devemos mudar a forma como medimos o que fazemos e dar menos importância ao que dizem os economistas', diz Joan Martínez Alier, economista ecológico thumbnail
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'Devemos mudar a forma como medimos o que fazemos e dar menos importância ao que dizem os economistas', diz Joan Martínez Alier, economista ecológico

Catalão vencedor do Prêmio Balzan conversou com a BBC News Mundo sobre este ramo da economia, considerado uma crítica à ciência econômica tradicional. Martínez Alier recebeu o Prêmio Balzan pela ‘excepcional qualidade de suas contribuições para a criação da economia ecológica’, entre outras razões
ICTA-UAB
Existem muitos ceconomistas no mundo, mas são raros os economistas ecológicos — o catalão Joan Martínez Alier é um deles.
Um dos fundadores da Sociedade Internacional de Economia Ecológica e seu ex-presidente, ele é um dos mais conceituados especialistas da área. Dedicou toda sua vida acadêmica ao estudo da relação entre os desafios ambientais e a economia, contribuindo ativamente para a promoção do conceito de justiça ambiental.
Professor emérito e pesquisador do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade Autônoma de Barcelona (ICTA-UAB) desde 2010, Martínez Alier teve seu trabalho aclamado recentemente ao conquistar o Prêmio Balzan.
A honraria, concedida desde 1961, é considerada por muitos como o primeiro passo para obter na sequência o reconhecimento da Academia Sueca. A prova disso é que vários vencedores do Prêmio Balzan posteriormente ganharam o Nobel.
Martínez Alier conquistou o Balzan pela “excepcional qualidade das suas contribuições para a criação da economia ecológica”, entre outras razões.
Leia a seguir a entrevista realizada pela BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, feita com ele.
BBC News Mundo – O que é exatamente economia ecológica?
Joan Martínez Alier – É uma crítica à ciência econômica tradicional. Há dois pontos principais: você precisa olhar a economia fisicamente, contar os fluxos de energia e matéria-prima (em calorias, joules e toneladas) e não dar importância ao Produto Interno Bruto (PIB), que mistura o que é produção com o que é destruição. O PIB cresce, mas destrói a biodiversidade. Usa carvão, petróleo e gás que produzem excesso de dióxido de carbono e, consequentemente, as mudanças climáticas. Os danos não são subtraídos do PIB.
BBC News Mundo – Por que a economia e a ecologia tradicionalmente se dão tão mal?
Alier – Porque, quando a economia industrial cresce, os ecossistemas são destruídos.
BBC News Mundo – Você se considera mais economista ou ecologista?
Alier – Sou um economista ecológico, um dos fundadores da Sociedade Internacional de Economia Ecológica em 1990, autor já em 1987 do livro Economia Ecológica (em inglês, espanhol, japonês etc.) e cofundador das revistas Ecological Economics e Ecología Política em 1990.
BBC News Mundo – O atual modelo econômico está claramente exacerbando o problema das mudanças climáticas e da deterioração do meio ambiente. Como a economia ecológica pode ajudar nesse sentido?
Alier – Mudando a forma como medimos o que fazemos e diminuindo a importância do que dizem os economistas, que mandam demais na política.
Quando a economia industrial cresce, os ecossistemas são destruídos, diz o economista ecológico
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BBC News Mundo – Desde 2012, você lidera o projeto Atlas da Justiça Ambiental, um levantamento que reúne os conflitos ambientais que existem no mundo e que somam atualmente 3.310. O que gera esses conflitos?
Alier – Precisamente o fato de que a economia industrial não é, e tampouco pode ser, circular, mas sim entrópica. Ela busca continuamente novas matérias-primas nas fronteiras de extração, da Amazônia ao Ártico. Seja petróleo, carvão, gás natural, minério de ferro, cobre, soja, eucalipto para celulose, o que for…
Como se sabe, se você queimar carvão ou óleo, não pode queimar duas vezes, não é reciclável. Isso é o que queremos dizer com a expressão mais fundamental da economia ecológica: a economia industrial não é circular, mas entrópica. A entropia é uma palavra de origem grega que os físicos começaram a usar por volta de 1870 para provar que a energia não se recicla.
Quando a economia industrial está em curso, ela inevitavelmente perde energia e matéria-prima. E isso acontece porque a energia que usamos há 200 anos — petróleo, carvão e gás natural — só pode ser usada uma vez.
Vou te dar um exemplo: se você esquentar água na sua cozinha e deixar ferver, pouco tempo depois de desligar o fogão, a água esfria, e para requentá-la, é preciso ligar o fogão novamente. Isso acontece porque a energia se dissipa. E o mesmo acontece com as matérias-primas.
O alumínio, por exemplo, é obtido por meio de uma rocha chamada bauxita, que é bombardeada com muita eletricidade. O alumínio é usado, entre outras coisas, em latas de conserva, das quais apenas 10% a 20% são recicladas, e no caso de outras matérias-primas, o percentual é bem menor. Os materiais de construção usados em obras quase não são reciclados.
Além disso, deve-se ter em mente que, ao queimar combustíveis fósseis como carvão, gás ou petróleo, produzimos dióxido de carbono. E estamos colocando tanto CO2 na atmosfera que ele está se acumulando e produzindo o chamado efeito estufa.
O embate entre economistas ecológicos e economistas acontece porque os economistas agem como se não soubessem de nada disso. Eles falam, por exemplo, de crescimento econômico, quando as reservas de petróleo e gás diminuem, o efeito estufa aumenta e a biodiversidade desaparece.
‘Os materiais de construção usados ​​em obras quase não são reciclados’, explica Martínez Alier
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BBC News Mundo – Quais são os conflitos ambientais mais urgentes?
Alier – Acredito que são aqueles que acontecem onde há população mais vulnerável, população indígena, gente pobre que não tem poder político para se defender das empresas extrativistas. O pior que eu vi foi a exploração de petróleo da Chevron-Texaco no Equador e da Shell no Delta do Níger, na Nigéria. Mas há centenas de casos semelhantes.
BBC News Mundo – Você prevê que os conflitos ambientais vão continuar crescendo nos próximos anos? Quais serão os mais relevantes?
Alier – Acho que vão seguir aumentando. As fronteiras da extração e da poluição continuam avançando. Chegam a territórios onde há pessoas, que protestam. Em 22 de outubro, mataram uma senhora ecologista, Fikile Ntshangase, em Somkhele, na região sul-africana de KwaZulu-Natal.
Centenas de ambientalistas são vítimas todos os anos, não acho que o número vai diminuir. Mas, se tornarmos esses conflitos mais visíveis, talvez possamos ajudar a reduzir a repressão contra ambientalistas em alguns países.
Para ele, a exploração de petróleo da Shell no Delta do Níger, na Nigéria, é um dos conflitos ambientais mais prementes
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BBC News Mundo – Nos últimos 120 anos, a população humana quintuplicou, enquanto a quantidade de produtos usados ​​por ano pela economia global no processo de produção (da biomassa aos combustíveis fósseis, passando por materiais de construção e metais) aumentou quase 13 vezes. O que isso significa e quais são as consequências?
Alier – Obviamente, a economia não se “desmaterializa”, muito pelo contrário. É um bom sinal que o crescimento da população se freie por conta própria— a população humana atingirá um pico de cerca de 9,5 bilhões de pessoas até 2060 e, então, diminuirá um pouco, me parece. Mas o consumo está crescendo muito mais do que a população, pelo menos até este ano pandêmico de 2020.
BBC News Mundo – Cada vez se recicla mais, há mais economia verde, mais economia circular, mais energias alternativas. Isso significa que estamos no caminho certo?
Alier – É que não há mais do que isso, palavras. Há mais energia eólica e fotovoltaica, sem dúvida, mas globalmente elas se somam às fontes anteriores, carvão, petróleo, gás. O uso do carvão aumentou sete vezes no século 20 e continuou a crescer até 2020. Petróleo e gás, muito mais. A nível mundial.
BBC News Mundo – A epidemia de gripe espanhola de 1918 e 1919 deu lugar aos ‘anos loucos’ de 1920. Será que devemos esperar um consumo desenfreado e selvagem depois que o coronavírus for derrotado? E, caso sim, que consequências isso teria do ponto de vista da economia ecológica?
Alier – Acredito que a pandemia colocou a renda básica universal na mesa do debate político. Porque se a economia não cresce (e acredito que não deva crescer mesmo nos países ricos, porque é um crescimento falso), aumenta o desemprego. As pessoas não têm a renda dos salários. Portanto, você deve dar a elas uma renda que não seja proveniente de salários. Isso deve ser garantido pelos governos federais ou regionais, uma Renda Básica Universal.
BBC News Mundo – O confinamento mostrou que podemos viver consumindo muito menos e também resultou em melhorias para o meio ambiente, ao reduzir a produção e o impacto do homem na natureza. Devemos continuar nessa linha ou o consumo é necessário para sustentar o atual modelo econômico?
Martínez Alier – É preciso aumentar o “consumo” social de assistência médica, de habitação popular. O consumo da moradia social deveria crescer, sem endividar as pessoas e sem despejos criminosos, não acha? O consumo de viagens de avião deve diminuir. A agroecologia deve crescer em detrimento das monoculturas que usam agrotóxicos.
BBC News Mundo – Você argumenta que a pandemia revelou que o PIB é um índice de medida com muitas deficiências. Que deficiências são essas na sua opinião?
Martínez Alier – O PIB se esquece de contabilizar o trabalho gratuito de cuidar das pessoas, o afeto gratuito e as obrigações familiares e sociais gratuitas, isso não entra no somatório porque não se paga no mercado; tampouco o tomate ou o feijão que cultivo na minha horta, caso eu tenha uma, para consumo da minha família e amigos, isso não é somado. O PIB não adiciona atividades que são realizadas fora do mercado e não subtrai os danos ambientais. As empresas quase nunca pagam seus passivos ambientais, é óbvio.
BBC News Mundo – E se o PIB não é um bom indicador, que índice deveria ser usado para avaliar a riqueza gerada por um país?
Martínez Alier – Esta é fácil: devemos usar vários indicadores físicos e sociais. Não apenas um único índice. E não usar a expressão “riqueza gerada”, porque colocar mais CO² na atmosfera e destruir a biodiversidade não é exatamente gerar riqueza vital.

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