Para analistas, há incertezas sobre a capacidade do governo de superar a crise política, conquistar apoio no Congresso e seguir com a agenda econômica. Bolsonaro fez pronunciamento cercado de ministros no Palácio do Planalto
Cláudio Reis/Framephoto/Estadão Conteúdo
A crise provocada pela saída do ministro Sérgio Moro do governo federal não traz apenas reflexos políticos. Segundo analistas ouvidos pelo G1, ela também coloca incertezas sobre a capacidade da administração Jair Bolsonaro de seguir adiante com a agenda de reformas e adiciona um novo grau de pessimismo econômico em uma atividade já recessiva.
Depois de aprovadas mudanças no regime de Previdência no ano passado, os investidores esperavam que o governo continuasse com reformas nas áreas administrativa e tributária, por exemplo, para ajudar no controle dos gastos públicos e na melhora do ambiente de negócios. Mas, agora, existe uma dúvida sobre a capacidade do governo de sobreviver à crise política, conquistar apoio no Congresso e seguir com a agenda econômica.
“Depois da saída do ministro da Justiça, a capacidade de o governo (Bolsonaro) fazer qualquer coisa é muito baixa. Não consigo imaginar como as coisas vão andar”, afirma Samuel Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Em seu pronunciamento ao deixar o cargo, Moro afirmou que houve interferência política do presidente Bolsonaro na troca de comando da Polícia Federal depois da exoneração de Maurício Valeixo.
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Desde a eleição de 2018, com a escolha de Paulo Guedes para lidar a área econômica do governo, a administração Bolsonaro assumiu um tom reformista e liberal nas suas propostas, o que sempre foi visto como uma das bases da atual administração.
“O mais difícil vem dessa incerteza de que o governo parece estar descontrolado. É a pior das incertezas”, afirma o sócio da consultoria MB Associados e ex-secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros. “É difícil a gente imaginar uma época tão atrapalhada como a atual.”
Ainda que de forma momentânea, a cobrança por medidas reformistas foi interrompida com o agravamento do avanço do coronavírus. Neste momento, em que a pandemia provoca graves prejuízos econômicos no mundo e no Brasil, os economistas concordam que o gasto público tem de ser elevado para mitigar os efeitos da crise. E os impactos têm sido severos. Os analistas consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, esperam uma queda do PIB brasileiro de 3%. Mas a recessão pode ser ainda mais dura. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um tombo de 5,3%.
“Há um anestesiamento com essa ideia de emergência da agenda de reformas. Essa expansão fiscal é percebida como necessária para o enfrentamento da crise”, afirma o analista político da consultoria Tendências, Rafael Cortez. “Mas perguntas de como essa conta vai ser paga vão aparecer no futuro.”
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Todo esse nervosismo com o futuro econômico do país ficou evidente no mercado financeiro, embora, nessa conta, também exista a piora do cenário externo. Na sexta-feira, o dólar renovou o seu recorde nominal (sem considerar a inflação) e encerrou a sessão cotado a R$ 5,65, enquanto a bolsa de valores despencou 5,45%, a 75.330 pontos.
“Esse aperto de condições financeiras é muito ruim para a recuperação da economia. Se isso não passa logo, há mais um efeito negativo se somando à tendência de queda de PIB neste ano”, afirma o diretor do ASA Bank e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall. Por ora, ele trabalha com uma retração da atividade econômica de 6%. “Com o que está acontecendo hoje (sexta-feira), o viés do PIB é para baixo.”
Governo já vinha com dificuldades
A incerteza com o tom do liberal do governo ganhou novos contornos nesta semana depois da apresentação do programa Pró-Brasil – o plano de retomada econômica para superar a crise do coronavírus. A medida prevê a aplicação de R$ 30 bilhões em investimentos em obras públicas de grande porte, e também em concessões, para gerar 1 milhão de empregos.
O plano foi anunciado sem a presença de integrantes do Ministério da Economia e abriu dúvidas no mercado financeiro se o governo Bolsonaro pode aderir a uma política econômica mais intervencionista.
“O plano adicionou uma incerteza gigante na economia, tanto é que no dia seguinte os mercados abriram totalmente estressados. É um plano que, de repente, caiu do céu”, diz Mendonça de Barros. “Ele foi anunciado sem a participação do Paulo Guedes e partindo de uma estratégia que não é defendida pela equipe do ministro.”
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Antes do agravamento da crise política, o governo já vinha com dificuldade para endereçar grandes projetos, mas contou com a ajuda de um Congresso de perfil bastante reformista para ter suas medidas econômicas aprovadas. E é no comportamento dos parlamentares que pode estar a resposta para agenda de reformas do país no futuro, mesmo sem a liderança concreta do Executivo.
“O que tem garantido a aprovação das reformas é a interação entre a equipe econômica e o Congresso, sem que o presidente tenha exercido uma articulação política decisiva para que as medidas fossem aprovadas”, afirma Kawall. “Então, no devido tempo, eu acho que elas voltam.”
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