Oceanógrafos de todas as regiões do planeta se uniram para avaliar como a vida marinha respondeu à redução sem precedentes do tráfego de navios. Oceanógrafos querem entender como a vida marinha respondeu à redução sem precedentes do tráfego de embarcações
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A pandemia diminuiu o ritmo frenético da vida humana não apenas em terra.
Os lockdowns e as restrições de deslocamento reduziram o tráfego de navios de carga a uma escala à qual seria “impossível” chegar de outra maneira, como explica Peter Tyack, professor da Universidade de St. Andrews, na Escócia.
Ele é um dos pesquisadores envolvidos em um grande experimento batizado de “o ano dos oceanos silenciosos”.
Oceanógrafos de todas as regiões do planeta se uniram para estudar o impacto do “momento único de silêncio” sobre as espécies marinhas.
O objetivo é investigar a acústica oceânica antes, durante e depois da pandemia.
Para isso, eles identificaram 200 hidrofones — sensores da acústica subaquática — entre aqueles que já estão distribuídos pelo mundo, usados em outras pesquisas.
“A ideia é usá-los para medir as diferenças no ruído e como elas afetam a vida marinha — como o canto das baleias ou os sons emitidos por cardumes”, afirma Tyack.
“Assim como os habitantes de cidades podem ter percebido que, com a redução da circulação de veículos e da atividade humana, é possível ouvir mais o canto dos pássaros ou até ver os animais em seus habitats naturais, nós precisamos de instrumentos para monitorar esse efeito equivalente nos oceanos.”
O propósito não é apenas verificar o efeito breve da pandemia sobre a acústica dos oceanos, mas aproveitar a oportunidade para avaliar como décadas de escalada na poluição sonora impactou o ecossistema marinho.
Combinado com outros métodos, como o monitoramento de animais com sensores, os pesquisadores esperam que o estudo revele até que ponto o ruído nos “mares do Antropoceno” afeta a vida nas profundezas.
“A poluição e a mudança climática tiveram um impacto enorme nos oceanos do planeta — mas a questão do barulho é que é relativamente fácil diminuir o volume”, ressalta o professor.
O pulso do oceano
Jennifer Miksis-Olds, especialista em acústica oceânica da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, acrescenta que o volume de informações coletado no “ano dos oceanos silenciosos” vai permitir análises que vão muito além da poluição sonora.
“Um dos meus objetivos é construir um mapa da acústica oceânica, no qual se poderia identificar o som das rotas dos navios, ver os padrões migratórios das baleias — a partir de seu canto — e até entender melhor a mudança climática a partir das alterações nos sons produzidos pelos icebergs que estão se rompendo.”
Ouvir o oceano, ela diz, pode ajudar a encontrar um ponto de equilíbrio entre a atividade humana e os processos naturais dos oceanos.
As evidências científicas apontam que, ao longo de décadas, o ruído produzido pelo homem vem se sobrepondo cada vez mais ao som marinho natural. De acordo com uma importante estudo de revisão publicado recentemente na revista “Science”, atividades como navegação, construção, atividade militar e pesquisas submarinas nas áreas de petróleo e gás estão “abafando” a acústica natural do oceano.
Larvas de peixes se orientam a partir dos sons emitidos pelos corais quando buscam um local para se fixar
Richard Brooks/Science Photo Library
Os impactos se manifestam em alguns episódios dramáticos, como os encalhes em massa de algumas espécies de baleias, relacionados por alguns estudos aos sonares usados por navios.
“Mas mesmo as larvas dos peixes usam o som dos recifes de coral para escolherem o melhor local para se estabelecer”, destaca Tyack.
“Como primatas, nós, humanos, estamos acostumados com a visão como nosso sentido de distância — é como sabemos onde estamos no mundo. Se você já praticou mergulho com snorkel, entretanto, sabe que só consegue ver alguns metros à frente, mas pode ouvir coisas a quilômetros de distância — até mesmo a centenas de quilômetros de distância.”
“A vida marinha desenvolveu mecanismos incríveis para usar esse recurso para entender onde está no ambiente, encontrar presas e se comunicar.”
“Precisamos então mudar nossa mentalidade — parar de perguntar quanto mais de barulho podemos adicionar ao oceano e passar a buscar meios de reduzi-lo e consertar os danos.”
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