Há 25 anos, nos primórdios da internet, Jeff Greenwald saiu da Califórnia para viajar pelo mundo sem pisar em um avião. Nessa caminhada, ele realizou um pequeno milagre: enviou as primeiras postagens de um blog de viagem já publicadas online. Em 1994, por nove meses, carreguei equipamentos hoje ‘arcaicos’ para registrar as primeiras postagens em um blog de viagens pelo mundo
Jeff Greenwald/BBC
Fora do Hotel Nacional em Havana, a cidade está a mil: este porto fundado por espanhóis comemora neste novembro seu 500º aniversário. Conversíveis Bel-Air e Buick antigos percorrem as ruas. Fogos de artifício preenchem o céu da meia-noite, e a música pulsa nos bares da rua Obispo. Ao longo da Calle Galiano, cercada luzes de LEDs brancas e azuis que evocam constelações estelares, os locais estão dançando e bebendo rum. Na fronteira de Habana Vieja, a cúpula do recém-restaurado Capitólio brilha como um capacete polido.
Alguns andares abaixo, na praça que é possível ver de minha janela, um coreto parece flutuar em uma ilha de luzes. À meia-noite, 100 mil pessoas dançantes vão preencher essa praça em um show gratuito de aniversário do quincentenário.
Também lá embaixo, no mezanino do hotel, está o seu centro de negócios. As portas de vidro fosco dali estampam letras douradas dizendo: INTERNET. E, como seus antigos computadores de mesa me lembram, também estou aqui para comemorar um aniversário.
Há 25 anos, nos primórdios da internet, saí da Califórnia para viajar pelo mundo sem pisar em um avião. Nessa caminhada, realizei um pequeno milagre: enviei as primeiras postagens de um blog de viagem já publicadas online.
Em novembro, Havana comemorou seu 500º aniversário com uma festa explosiva
Yamil Lage/BBC
Cuba parece ser o lugar apropriado para viver esse marco. O país é um dos lugares menos favoráveis à internet do planeta — menos de 40% de seus cidadãos têm acesso a ela, em meio a uma rigorosa censura do governo.
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Mas mesmo este é um contraste dramático com 1994, quando as palavras “World Wide Web” atraíam olhares intrigados de quase todos que conheci na minha volta ao mundo. Ainda assim, o relativo isolamento de Cuba do vício global em internet me lembra daqueles dias pioneiros.
Mas, diferentemente das minhas quatro visitas anteriores à ilha, não preciso dos dinossauros de mesa do hotel hibernando em seu centro de negócios. Como hóspede pagante do Nacional, recebi um nome de usuário e uma senha-de-torcer-a-língua que, quando os astros se alinham, me permitem ficar online no conforto do meu quarto.
Em 1993 e 1994, durante minha odisseia global de nove meses, eu era um homem com uma missão. A O’Reilly Media, uma conhecida editora de guias de ciência de dados, me pediu para enviar histórias em tempo real de várias paradas ao longo da viagem. Assim, carreguei comigo um dos primeiros (talvez o primeiro) laptops ultraportáteis. Feito pela HP, o OmniBook 300 era uma pequena e energética maravilha que funcionava tanto com pilhas AA quanto com AC. Ele tinha um adorável mouse pop-out e um modem embutido.
A O’Reilly (uma das primeiras empresas a ter presença online) criou um site chamado Global Network Navigator. A ideia era publicar minhas postagens em seu site com o nome de Big World (Grande Mundo), vinculando cada história a uma localização no mapa mundial: clique no país e você verá a história. Hoje, um chimpanzé poderia construir uma página dessas, mas em 1994 era algo como um divisor de águas. O Mosaic, o navegador que popularizou a World Wide Web e a tornou fácil de usar, foi lançado apenas alguns meses antes da minha partida.
A internet era como um Velho Oeste. Eu poderia ter comprado o domínio “pizza.com” por US$ 20. Ninguém nunca havia publicado diários de viagens online antes. Naqueles dias, era possível contar o número de sites disponíveis, mas não havia um blog de viagem — o termo weblog só seria cunhado uns quatro anos depois.
Como um dos lugares menos amigáveis à internet no planeta, Cuba foi o lugar certo para minha reflexão sobre início do primeiro blog de viagem online
Yamil Lage/BBC
Então fui para um mundo em que até o email ainda era uma novidade. Escrever no OmniBook foi fácil. A parte difícil vinha quando precisava enviar meus textos a partir de lugares com pouca ou nenhuma conexão, como Dakar (Senegal) e Lhasa (Tibete). Minha primeira história, enviada de Oaxaca (México) em 6 de janeiro de 1994, foi intitulada “Cem Nanossegundos de Solidão”.
O processo de transmissão para o Big World levou dois dias, durante os quais eu assombrava o escritório central de telecomunicações da cidade e tagarelava com seus técnicos (apesar de não falar espanhol), finalmente encontrando alguém que descobriu como enviar meu despacho de 2.500 palavras e fotos para a Califórnia através das linhas telefônicas.
O processo de encontrar conexões confiáveis o suficiente para carregar cada uma das minhas 20 postagens foi enlouquecedor, mas também profundamente imersivo. Em 1994, enviar um texto para um blog era uma aventura, algo que essencialmente me forçou a interagir com pessoas que eu não procuraria durante uma viagem normal.
Na minha busca por pontos de internet pelo mundo, fiz amizade com gerentes locais de telecomunicações na Turquia; diplomatas na China; nerds em Catmandu (Nepal); e até capitães de navios em travessia pelo Atlântico. Todos eles se divertiam com o que eu estava fazendo. A ideia de publicar histórias de viagens online era totalmente nova, e poucas pessoas pensavam que isso pudesse vingar – mas todos pareciam ver um potencial ali.
Todo mundo, eu acho, menos eu. Eu mal sabia, enquanto tomava chocolate quente mexicano com o chefe da filial de serviços de dados de Oaxaca enquanto meu primeiro post era carregado, que um quarto de século depois, haveria mais de meio bilhão de blogs na internet — com centenas de milhares deles concentrando-se apenas em viagens.
Ao longo dos anos 90 e início dos 2000, continuei publicando textos em várias revistas online. Mas nunca me ocorreu me apresentar como um blogueiro profissional.
Nunca pensei em “me tornar uma marca” ou até em fazer muito barulho sobre minha pegada eletrônica relativamente pequena, embora pioneira. Quando 2010 chegou, eu raramente escrevia textos sobre viagens. Enquanto isso, as pequenas sementes que joguei na internet viraram uma floresta inteira, com alguns blogueiros de viagens (e seus discípulos móveis, os influenciadores do Instagram) fazendo pequenas fortunas.
Fiz amizade com gerentes locais de telecomunicações na Turquia; diplomatas na China; nerds em Katmandu
Jeff Greenwald/BBC
Em Havana, quando peguei uma Coca-Cola (uma das poucas marcas americanas que você vê em Cuba) no frigobar da minha pequena suíte e a misturei com um Havana Club, me perguntei: por que parei? Eu acho que tem a ver com o motivo pelo qual eu fui inspirado a viajar em primeiro lugar. Não se trata apenas de imersão; também é sobre disrupção.
Há alguns anos, quando eu estava morando parcialmente em Catmandu, embarcar em um avião de São Francisco para o Nepal era uma libertação total. Tudo o que foi deixado para trás agora era parte do passado. Toda viagem era uma chance de me desafiar de novo e enfrentar um desconhecido que abalava e expandia minha visão de mundo. Era uma maneira de reinventar a minha vida e sair da minha zona de conforto.
Em 1994, a busca por conexão à internet e a construção de um diário digital de viagem foi um exercício exótico. Foi uma aventura que me tornou dependente de pessoas locais conhecedoras da tecnologia, seja no Senegal ou em Xangai. Na virada do milênio, porém, os blogs tornaram-se mais sobre isolar-se em um cibercafé e pagar a cada minuto. Fiz isso quando necessário, mas não parecia mais um exercício excitante ou disruptivo. O que antes era uma expedição tornou-se um trajeto.
Não me levem a mal. Não se trata de uma maneira “certa” ou “errada” de viajar. Embora muitas vezes me preocupe com o equilíbrio entre imersão e conectividade pós-anos 2000, sei que elas não são mutuamente excludentes. Como tudo na vida, é uma questão de prioridades.
Quando releio textos meus de Israel a partir de 2004 ou até meus posts sobre Cuba a partir de 2011, eles são tão imersivos quanto qualquer coisa que já escrevi.
Mas de onde estou neste momento — no meu quarto, com vista para o Malécon lotado, com os ritmos latinos de Havana balançando minhas janelas — percebo que escrever esse texto e tentar enviá-lo através do instável wifi do Hotel Nacional não é uma disrupção. É uma distração. O lugar em que eu realmente quero estar, neste momento, é o caos lá fora.
Então, vou sair agora e descer para lá. Porque mais de uma década depois de carregar aquelas postagens antológicas no Big World, estamos vivendo em um planeta muito menor — um lugar onde, pelo menos para mim, a desconexão é a nova disrupção.
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