Mudanças aceleradas nas rotinas de trabalho estão levando alguns profissionais a repensarem radicalmente seu conceito de produtividade Os desafios do Home Office
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Os dias de semana de Carol Tompkins costumavam ser muito diferentes. Antes da pandemia, a consultora de desenvolvimento empresarial de 38 anos acordava por volta das 6h30, se deslocava até uma empresa de software de contabilidade em Londres e trabalhava de 10 a 12 horas movida a café antes de ir para a cama depois de 1h da manhã.
“A pandemia me ajudou a perceber que eu não era tão feliz, realizada ou saudável quanto gostaria de ser”, diz ela.
Então, nos últimos nove meses, Tompkins reduziu pela metade suas horas de trabalho, dobrou as horas de sono, viu suas as enxaquecas diminuirem — e até aumentou o quanto realiza por dia.
Muitos dos que estão lendo provavelmente conseguiram se enxergar na vida pré-pandemia de Tompkins. Vivemos em uma sociedade obcecada pela produtividade — potencializando-a ao seu limite máximo.
E, de certa forma, essa pressão pela produtividade piorou ainda mais desde o início da pandemia, à medida que as pessoas agora também se preocupam com a forma como estão “aproveitando ao máximo” o recém-descoberto tempo extra em casa.
Nesse sentido, a pressão para finalmente mudar a forma física ou terminar aquele projeto de reforma da casa tampouco ajuda.
Além disso, à medida que as empresas migraram para o trabalho remoto, registrar cada uma das tarefas cumpridas se tornou uma maneira de os funcionários comprovarem a produtividade aos supervisores que não estão mais ao alcance da vista.
Ao passo que a pandemia continua, não ficaremos menos obcecados com a produtividade. No entanto, temos uma rara oportunidade de reavaliar o que realmente significa o termo.
Tompkins é uma das muitas pessoas que estão redefinindo a produtividade como resultado da pandemia, descobrindo que a velha definição do rolo compressor não serviu para sua saúde, bem-estar ou até mesmo para o sucesso no trabalho.
Agora, alguns profissionais estão analisando suas escolhas de forma crítica e reformulando a produtividade para incluir o cuidado com seu “eu holístico”. Dar um passo atrás não só ajudou a desacelerar esses trabalhadores, como também possibilitou uma melhor qualidade de vida.
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Mudando ‘valores internalizados’
Se nos sentimos programados para sermos produtivos é porque, de certa forma, nós somos. Nossa obsessão cultural com a produtividade tem raízes profundas.
“A importância atribuída a ‘ser produtivo’ remonta a vários séculos”, diz Sally Maitlis, professora de comportamento organizacional e liderança na Saïd Business School da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
“Mas [particularmente] nos últimos 30 anos, [os defensores] nos imploraram implacavelmente para melhorar nossa produtividade pessoal, nos esforçarmos para nos tornarmos mais eficientes e eficazes e fazer mais, mais rápido. Muitas pessoas internalizaram tanto esses valores que mudar não é uma questão simples.”
Isso significa que, mesmo que as conversas sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional tenham aumentado ao longo dos anos — e especialmente em meio à transição para o trabalho remoto — “o discurso da produtividade ainda é fantasticamente dominante em nossa sociedade”, e não é fácil se desvencilhar desta forma de pensar.
“As pessoas resistem a tentar coisas novas porque há conforto no status quo”, diz Grace Marshall, coach de produtividade e autora de um livro sobre produtividade e resultados no trabalho.
“Há uma diferença entre saber que algo é uma boa ideia e vivenciá-la.”
Agora, no entanto, os trabalhadores não precisam “optar” pela mudança. Ela aconteceu.
“Mais gente está, na verdade, vendo como é ter autonomia para escolher onde e quando trabalhar, em vez de ter horários de trabalho e deslocamento arbitrários. Para alguns, o simples fato de sair da rotina e ter tempo para pensar resultou em mudanças de valores”, acrescenta Marshall.
“Antes da pandemia, minha definição de ser produtivo era riscar o máximo possível de coisas da minha lista de tarefas”, conta Steve Waters, 44 anos, empresário de Washington, capital dos EUA.
“Tinha a sensação de que não conseguia me concentrar, mas também [estava] muito ocupado para descobrir como mudar. Se não fosse pela pausa forçada provocada pela pandemia, provavelmente ainda estaria trabalhando dessa maneira.”
Tompkins se viu presa em um ciclo semelhante até o mesmo ser interrompido pela pandemia. Ela percebeu o desequilíbrio em seu foco de produtividade: o trabalho era priorizado em detrimento de outros aspectos da sua vida.
“Antes, apenas meus objetivos profissionais importavam, e tudo o mais, incluindo minha saúde, era colocado de lado”, diz ela.
Tanto Waters quanto Tompkins mudaram sua relação com a definição tradicional de produtividade. Eles estão entre os profissionais que perceberam que a produtividade não é apenas volume de produção, mas também inclui ações que os permitem chegar mais perto de objetivos gerais.
Simplesmente, o tempo gasto fora de suas carreiras profissionais — e em vez disso, trabalhando em si próprios — também é produtivo.
Para Waters, o fechamento da empresa de inteligência de mercado que ele possuía, provocado pela pandemia, gerou um alerta revigorante e uma nova abordagem à produtividade.
“No início, fiquei chocado com a mudança rápida, mas assim que abracei o desconforto, encontrei uma profunda sensação de clareza”, diz ele.
“Isso me levou a implementar o essencialismo na minha rotina diária: a ideia de fazer menos, mas melhor. Passei de um foco em uma variedade de coisas para um foco direcionado ao mais importante.”
Ele lançou um novo negócio: a Contrace Public Health Corps, a primeira organização americana a recrutar nacionalmente indivíduos para rastreamento de contatos. Agora, Waters acorda duas horas mais cedo do que costumava e trabalha até 14h. Ele reduziu os e-mails, telefonemas, uso de rede social e consumo de notícias, além de passar menos tempo analisando demais suas decisões e de se distanciar de pessoas tóxicas proativamente.
Tompkins reduziu suas horas de trabalho sem diminuir a produtividade, delegando mais e limitando sua disponibilidade para reuniões. Com mais horas de sono, ela chega com energia renovada para trabalhar, o que a ajudou a tomar decisões mais impactantes e atingir suas metas, deixando a chefia feliz também.
Em seu recém-descoberto tempo livre, Tompkins pode estar com a família, sair de casa ou meditar. (Pré-pandemia, ela considerava a última opção “uma completa perda de tempo”.)
“Estou comprometida a manter essas mudanças positivas, mesmo quando a vida voltar a algum tipo de normalidade”, diz ela.
A porta continuará aberta?
Essa nova perspectiva holística da produtividade está melhorando a vida de muitos trabalhadores, proporcionando a eles satisfação, equilíbrio e sucesso ao mesmo tempo. No entanto, mesmo que possam ter encontrado a chave para um lugar melhor, não depende apenas deles manter essa porta aberta.
As companhias que empregam esses funcionários também precisam aderir à nova concepção de produtividade ou as coisas voltarão a ser como antes. Para adotar mudanças de longo prazo, a maioria precisa da aprovação de seus empregadores.
E embora pesquisas mostrem que a produtividade corporativa aumentou, em muitos casos, desde o início da pandemia de covid-19, especialistas concordam que nem mesmo uma pandemia global pode reverter paradigmas de produtividade corporativa profundamente arraigados no espaço de um ano.
“Para que as organizações façam essas mudanças em todo o mundo, precisaríamos ver mudanças nos incentivos, aumento da regulamentação ou líderes e empresas suficientes exercendo pressão social e criando normas”, explica Michael Parke, professor assistente de administração da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, e supervisor de estudo sobre produtividade remota.
“Do contrário, minha preocupação é que, uma vez que as coisas se ‘normalizem’, possamos voltar à era pré-pandemia.”
Se isso acontecer, pode haver conflito entre as empresas contratantes e o banco de talentos.
“A pandemia acelerou uma mudança na crença de que os resultados financeiros ou de produtividade são os únicos resultados que importam”, avalia Shoshana Dobrow, professora assistente de administração da London School of Economics (LSE), no Reino Unido.
“Ainda assim, a mudança precisa acontecer em um nível sistêmico, ou veremos mais incompatibilidades entre o que os indivíduos desejam e o que as organizações estão dispostas a oferecer, e mais pessoas podem optar por deixar [o sistema existente].”
Como proprietário de uma empresa, Waters concorda.
“Haverá uma divergência entre donos de negócios que entendem nossa nova abordagem à produtividade e estão abertos a mudanças, e aqueles que tentam voltar ao status quo pré-pandemia”, diz ele.
“Os líderes empresariais terão de empoderar os funcionários que descobriram novas mentalidades (de trabalho) que funcionam melhor para eles — ou arriscam perdê-los para empresas que fazem isso.”
Por sua vez, Tompkins olha para o futuro com um equilíbrio entre otimismo e realismo. Ela planeja manter sua nova abordagem e espera poder retornar ao escritório com um horário mais flexível.
“Minha chefia está feliz porque o trabalho ainda está sendo feito da maneira certa, as metas estão sendo alcançadas e a produtividade não diminuiu”, diz ela.
“Tenho a sensação de que a gerência está feliz com a forma como as coisas mudaram, mas [nada foi decidido ainda].”
Embora seja impossível saber o que vai acontecer quando o mercado de trabalho entrar na fase pós-pandemia, os funcionários podem sempre escolher sintonizar sua relação com a produtividade.
A pandemia proporcionou uma rara oportunidade de reavaliar o que significa “ser produtivo” e deu aos profissionais a chance de definir uma versão melhor de si mesmos — e, quem sabe, de ambientes de trabalho melhores também.
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