Sem ter onde deixar os filhos por conta da pandemia, trabalhadoras enfrentam sobrecarga de tarefas domésticas e têm de deixar emprego para cuidar da família. Com a pandemia, creches e escolas infantis foram fechadas
Prefeitura de Balneário Camboriú/Divulgação
A auxiliar administrativa Ana Beatriz Rodrigues, 32 anos, tinha acabado de completar quatro anos em um escritório advocatício paulista em maio quando teve de pedir demissão para cuidar da filha Isabella, de 11 meses. Ela faz parte de um grupo de milhares de mães brasileiras que precisam trabalhar, mas não têm com quem deixar os filhos por conta do fechamento de creches e escolas infantis pela pandemia do novo coronavírus.
“Meu chefe queria que eu trabalhasse das 9h30 às 18h30 porque queria me ver no escritório. Sugeri trabalhar quatro horas por dia presencialmente e o restante em casa para poder deixar minha filha com a minha mãe, mas ele não aceitou”, disse ela, que é diabética e hipertensa.
Sem o salário de R$ 1.200, Ana Beatriz vai investir o seguro-desemprego em cursos de tranças para cabelo e papelaria personalizada para trabalhar como autônoma. “Com as creches fechadas, não adianta eu procurar emprego. Ninguém vai entender que eu tenho que cuidar da minha filha. Só vou colocar a Isabella de volta na creche quando tiver a vacina”, contou ela ao G1.
Ana Beatriz Rodrigues e sua filha Isabella passarão a quarentena juntas
Arquivo Pessoal
A pesquisa “Mercado de Trabalho e Pandemia da Covid-19: Ampliação de Desigualdades já Existentes?” realizada em julho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e atualizada a pedido do G1 aponta que a taxa de participação de mulheres com filhos de até 10 anos no mercado de trabalho caiu de 58,3% no segundo trimestre de 2019 para 50,6% no mesmo período deste ano.
A participação média de mulheres no mercado de trabalho, por sua vez, ficou em 46,3% entre abril e junho de 2020. Essa taxa representa o percentual de mulheres que estão trabalhando ou procurando emprego, dividido pela participação total de profissionais no mercado com 14 anos ou mais.
“Foi um salto para trás na história do mercado de trabalho. O último resultado abaixo de 50% foi registrado em 1990”, calculou Marcos Hecksher, pesquisador do instituto.
Com uma força produtiva menor, o especialista afirma que a capacidade produtiva do país também deve cair. “É uma situação inédita. Muitas dessas mulheres terão dificuldade para voltar ao mercado de trabalho porque o cenário será geração de postos mais lenta do que busca por vagas”, analisou.
A taxa de desemprego divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (28) corrobora a afirmação de Hecksher. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, o percentual de desemprego registrado no segundo trimestre deste ano foi de 12% para os homens e de 14,9% para as mulheres.
Novos arranjos familiares
Na avaliação de Cristina Vieceli, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os arranjos familiares mudaram muito ao longo dos anos, o que externalizou os problemas decorrentes da dupla jornada da mulher — que trabalha e cuida sozinha da casa.
“Muitas delas são chefes de família, não têm marido e, tampouco, ajuda para criar os filhos. O risco é que, pela necessidade, elas acabem deixando as crianças sob perigo”, analisou a técnica.
Em meio a uma pandemia, Cristina acredita que a responsabilidade com os profissionais e seus filhos seja tanto da iniciativa privada quanto do governo. “O Estado precisa criar uma política de escola infantil e de criação de empregos para as mulheres, enquanto as empresa devem ter um olhar mais humano em relação às famílias com filhos. As mães estão desistindo do trabalho formal”, afirmou.
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Jornada reduzida
Sem poder levar o filho Heitor, de dois anos e meio, à creche, a doméstica Damiana Rodrigues da Silva, de 44, ficou dois meses sem trabalhar e, ao voltar, teve de reduzir sua jornada para conciliar os cuidados da criança com a agenda da babá, que cobra R$ 50 por dia.
“Quando a escolinha estava aberta, eu não precisava pagar. Ganho por volta de R$ 120 por dia e gasto quase metade para alguém para cuidar do meu filho”, disse ela, que trabalha registrada na casa de duas famílias.
Com a possível reabertura das escolas infantis e creches em setembro, Damiana afirma que não terá outra escolha a não ser levar Heitor de volta às aulas — mesmo sem a descoberta da vacina. “Vou ter medo da pandemia, mas colocarei ele de volta na escola. Meu marido é ajudante de pedreiro e também ficou parado por causa da pandemia. Damos graças a Deus quando conseguimos um bico.”
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