Com Amazônia emitindo mais CO2 do que absorvendo, mundo pode perder o seu 'ar condicionado' thumbnail
Meio Ambiente

Com Amazônia emitindo mais CO2 do que absorvendo, mundo pode perder o seu 'ar condicionado'

Mais um estudo internacional comprova o que os cientistas brasileiros já advertem há alguns anos. Na última década, a floresta amazônica emitiu mais CO2 do que absorveu, uma nova realidade que, se persistir, trará efeitos nefastos não só para o país, como para o planeta. Rio Pedreira, rio, Amapá, Amazônia, floresta Amazônica
John Pacheco/G1
As florestas absorvem cerca de 30% dos gases de efeito estufa despejados na atmosfera. A Amazônia, maior floresta tropical do mundo, representa um ator essencial neste mecanismo.
Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, aponta levantamento
Emissões de gases de efeito estufa caíram 10% em 2020 nos Estados Unidos
Observatório do Clima propõe redução de 81% em emissões de gases de efeito estufa até 2030
“Na bacia como um todo, não só no Brasil, a Amazônia guarda uma década de emissões globais de gases de efeito estufa na sua vegetação. Imagine você emitindo, ao longo dos anos, 10 anos de emissão global”, explica o pesquisador Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “É muita coisa, e isso sem falar na perda da biodiversidade, culturas, e do ar condicionado do planeta, muito relacionado à absorção que a floresta faz do CO2. Ela age como um grande ar condicionado.”
Esse “serviço” é uma consequência do ciclo de precipitações gerado na área pela floresta e sua interação com a atmosfera. A destruição da mata leva a mais emissões de CO2 e diminui a evapotranspiração, que “resfria” o ar.
“Se existe um ponto que podemos chamar de positivo de termos mais CO2 na atmosfera, é que isso estimula a vegetação a fazer mais fotossíntese. Se por um lado, estamos sujando mais a atmosfera, a natureza está tentando compensar o estrago que estamos fazendo retirando esse CO2”, complementa a pesquisadora Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). “O problema é que o estrago que a humanidade está causando é tremendamente maior do que a pobrezinha da natureza está conseguindo compensar da sujeira que nós estamos fazendo no planeta”, resume.
Primeiros alertas já têm 10 anos
O primeiro estudo sinalizando a diminuição da capacidade de absorção de gás carbônico pela Amazônia foi publicado em 2010, baseado em dados das três décadas anteriores. Desde 2014, Luciana alerta sobre o desequilíbrio acelerado do ciclo do carbono na região – causado pela interação entre as mudanças climáticas e a alta das queimadas e o desmatamento.
“Temos essa região do lado leste da Amazônia, que está cerca de 30% desmatada, emitindo 10 vezes mais carbono do que a oeste, que é 11% desmatada. A nossa descoberta é até mais sombria do que a comunidade científica tem ciência. A Amazônia já é fonte de carbono – e eu não sei se isso é reversível”, lamenta a especialista em mudanças climáticas.
“A primeira medida, se quiséssemos resolver o problema, seria proibir totalmente queimada a partir de agosto, quando começa a estação seca. Nós temos leis de proteção ambiental, Código Florestal, que não estão seguidas e estamos vendo as consequências disso. Eu gostaria de ver a CPI do meio ambiente, a CPI da Amazônia, do Pantanal”, completa.
Ambientalistas pedem à Câmara que vote compromisso pela redução de gases do efeito estufa
Veja quais são os compromissos assumidos pelos principais líderes do mundo na cúpula do clima
Paulo Moutinho também insiste neste ponto. Segundo ele, a única esperança para restaurar a capacidade de captação CO2 pela floresta é o fim do desmatamento, legal como ilegal, associado ao reflorestamento nas áreas mais degradadas.
“É preciso entender que isso pode ser o início de uma degradação, que precisa ser alertado. Podemos estar chegando mais rápido a um ponto sem retorno, o tiping point, não só pelo desmatamento, mas por uma degradação muito avançada em que você tem mortalidades de grandes árvores”, observa o ecólogo, um dos fundadores do Ipam. “Elas acabam morrendo emitindo muito, abrindo grandes clareiras, que facilitam a entrada do fogo. Num cenário inflamável e de mudança do clima amazônico, pode gerar, na região, uma situação muito diferente em termos de de vegetação do que a gente tem agora.”
VÍDEO: Mourão afirma que as agências ambientais precisam se colocar ‘efetivamente em campo’ para deter desmatamento
Condições climáticas e região mais inflamável antecipam mortes das árvores
Luciana Gatti e sua equipe têm investigado as causas da morte precoce de grandes árvores amazônicas, que necessitam de solo úmido o ano inteiro para sobreviverem. “A seca está mais seca, mais quente e mais prolongada. A estação chuvosa está sendo empurrada para frente. Estamos tendo os impactos negativos da mudança no clima, que nós estamos promovendo também, com o desmatamento. Jogamos mais CO2 na atmosfera e a condição de estresse da floresta está se intensificando”, frisa a doutora em ciências. “Isso leva a aumento da mortalidade das árvores e, sob estresse, várias árvores paralisam a fotossíntese e continuam respirando. Ou seja, mais emissão de CO2 do que absorção.”
A pesquisadora ressalta que os dados de referência de emissões do Brasil desconsideram o impacto das queimadas e dessas mudanças na Amazônia – tema de um novo artigo que deve ser publicado em breve na revista Nature. “Se incluir isso, a situação será tremendamente pior do que os cálculos e emissões preveem hoje”, destaca.
VÍDEOS: Cúpula de líderes sobre o clima

Tópicos