Parques alagáveis, praças-piscina e telhados com jardins estão entre medidas adotadas por cidades chinesas, europeias e americanas. No Brasil, São Paulo e Belo Horizonte tiveram perdas provocadas por chuvas em 2020. Parque dos Manguezais em Sanya, na China, um exemplo de parque alagável
Turenscape/Divulgação
Assim como grandes cidades brasileiras, várias partes do mundo sofreram com enchentes e inundações que causaram tragédias nas últimas décadas. Para enfrentar ou evitar catástrofes, urbanistas têm rejeitado soluções tradicionais – baseadas em bocas de lobo e encanamentos – em favor de novas formas de garantir a drenagem da água: criam, assim, as chamadas cidades-esponja.
O conceito parte da ideia central de que as metrópoles modernas lidam com a água de maneira errada. Em vez de coletar a água das chuvas e jogá-la o mais rápido possível nos rios – como ocorre habitualmente –, as cidades-esponja lançam mão de uma série de recursos que asseguram espaço e tempo para que a água seja absorvida pelo solo (conheça cada um deles mais abaixo).
Essas medidas incluem a criação de:
parques alagáveis
telhados verdes
calçamentos permeáveis
praças-piscina
Cidades-esponja: veja recursos para minimizar o impacto das chuvas em metrópoles pelo mundo
Arte/G1
Inspiração ancestral na China
Em 2012, uma enchente causou a morte de quase 80 pessoas em Pequim, muitas delas afogadas ou eletrocutadas. Casas desabaram e estradas, metrô e até o aeroporto ficaram sob as águas.
No entanto, fotos de turistas tiradas na época mostraram a Cidade Proibida, construída centenas de anos atrás, completamente seca – graças a seu antigo sistema de drenagem.
A tragédia chamou a atenção das autoridades. A China, que viveu intenso processo de urbanização nos últimos anos, passou a ser um dos países que abraçou com mais força o conceito de cidade-esponja. Em Taizhou e Jinhua, por exemplo, muros de concreto que canalizavam rios foram demolidos e substituídos por parques.
Parque alagável Yanweizhou, na cidade de Jinhua, na China
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Propostas semelhantes também têm sido adotadas em outras cidades pelo mundo, como Berlim, Copenhague e Nova York.
O arquiteto chinês Kongjian Yu explica que a proposta da cidade-esponja é preservar ecossistemas naturais, mais capazes de se recuperar das adversidades.
“A sabedoria ancestral de conviver com a água é a maior inspiração para o conceito de cidade-esponja”, explica o arquiteto chinês Kongjian Yu, chefe do escritório que fez alguns dos maiores projetos da área no país asiático.
“Esse conhecimento vem sendo negligenciado há muito tempo. Nós construímos as cidades modernas usando técnicas industriais, dependentes de infraestrutura feita de concreto, canos e bombas.”
O arquiteto defende que construir cidades-esponja ajuda não só a enfrentar, no período das chuvas, a força da água, mas também a mantê-la fluindo pelas torneiras durante os meses mais secos do ano.
Veja, abaixo, algumas das soluções das cidades-esponja pelo mundo:
Parques alagáveis
O Rio Yongningantes da construção de um parque alagável na cidade chinesa de Taizhou…
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…e o mesmo rio depois da criação do parque alagável, que absorve a água das cheias e é aberto à população
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A face mais visível do conceito de cidade-esponja são os parques desenhados especialmente para serem parcialmente alagados durante alguns meses do ano. Diversos locais do tipo foram projetados e inaugurados pelo escritório de Kongjian em cidades chinesas.
Em boa parte dos casos, esses espaços tem passarelas suspensas, com livre acesso o ano todo. A parte térrea, alagável, fica intransitável no período de cheias, mas pode ser usada pelos frequentadores durante a seca.
Um parque alagável geralmente vai muito além da criação de um espaço extra para as águas. Ele também conta com uma vegetação pensada para absorver a água e fomentar a biodiversidade local.
Para o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IAB-SP), Fernando Tulio, esses parques são uma alternativa aos piscinões, uma das soluções comumente adotadas por autoridades brasileiras.
“Piscinões são grandes espaços vazios que passam a ser um grande problema urbano, acumulam lixo, ratos, exigem manutenção”, critica o arquiteto.
Os parques alagáveis são mais comuns nas margens dos rios e nas costas, como no caso de Nova York, onde foi criado o Hunters Point South Park.
Mas também são encontrados em terrenos sem cursos d’água, que concentram água da chuva, como o parque Chulalongkorn, em Bangcoc, na Tailândia, e o parque de Qunli, na própria China.
Parque alagável de Qunli, na China, criado para reter, filtrar e devolver ao solo a água da chuva
Turenscape/Divulgação
Calçamentos permeáveis
Boa parte da água da chuva que cai sobre uma cidade fica retida sobre asfalto ou concreto. De lá, ela é drenada por meio de canos para ser levada a rios e muitas vezes se mistura com esgoto não tratado no caminho — especialmente quando a chuva é tanta, que supera a capacidade do sistema para absorvê-la.
A cidade chinesa de Lingshui, no extremo sul do país, é uma das que trocaram os tradicionais bueiros por estruturas conhecidas como bioswales. São pequenos canais de infiltração natural, com vegetação nativa, que correm paralelamente a ruas, avenidas e calçadas.
Outras opções exigem novas tecnologias. Copenhague, na Dinamarca, e cidades chinesas têm aberto novos espaços públicos usando um tipo de “concreto” permeável.
Praça Langelands, em Frederiksberg, na Dinamarca, recebeu tecnologia que funciona como uma esponja para absorver a água da chuva
Divulgação/ Rockwool
A cidade dinamarquesa de Frederiksberg, perto da capital do país, sofreu com os estragos de uma chuva de 100 mm que caiu em duas horas em julho de 2011. Desde então, o município focou em desenvolver a capacidade de “amortecer” grandes volumes de água para, em seguida, dispersá-los de maneira segura.
Uma das iniciativas foi colocada em prática na praça Langelands (veja a foto acima), ponto alto mais alto de Frederiksberg e o local a partir de onde a água da chuva corre para Copenhague.
Nessa praça de 3 mil metros quadrados, foi concluída em 2019 a instalação de um material fibroso (stone wool) que funciona como uma esponja e libera a água de maneira lenta. A cada litro de água despejado, o material pode absorver até 950 ml, de acordo com o fabricante.
Concreto permeável usado na construção do Parque Yanweizhou, em Jinhua, na China
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Apesar dessas iniciativas, a ideia de que a permeabilização por si só é a chave para evitar alagamentos não é unanimidade.
O arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) Milton Braga defende que a discussão deve privilegiar a preservação do verde nas grandes cidades, e não a permeabilização do solo.
A vegetação é que “segura” a água e dá tempo para que o solo consiga absorver todo o volume de chuva.
“Tanto a vegetação rasteira, como gramados e arbustos, quanto as árvores contribuem [para evitar alagamentos]”, diz o arquiteto. “Muitas vezes, o solo já é naturalmente impermeável. O grave é a supressão dos elementos que ‘seguram’ a água.”
Telhados verdes
Telhado verde implantado sobre prédio da Escola de Finanças e Administração de Frankfurt
Frank Rumpenhorst/dpa/Picture-Alliance/AFP/Arquivo
A ideia de fazer jardins em tetos ou telhados não é nova – vem da Antiguidade, passando pela Itália renascentista. Telhados verdes existem em diversas partes do mundo, e não é difícil encontrá-los no Brasil.
A novidade é incentivar a construção desses espaços de forma ampla, para resolver problemas das cidades. Em número suficiente, a vegetação em cima dos prédios pode reter boa parte da chuva e diminuir o fluxo de água que vai parar nos bueiros e nos rios durante uma tempestade.
“Os benefícios desses jardins vão muito além de ajudar a mitigar as enchentes”, diz o arquiteto e professor FAU-USP Milton Braga. “Eles ajudam a regular a temperatura dentro dos centros urbanos, a filtrar o ar, a filtrar a própria água.”
Braga pondera, no entanto, que criar um jardim sobre um prédio já existente significa colocar um peso muito maior sobre a estrutura, e isso exige cuidados.
“Não é fácil fazer um jardim no topo de um prédio já existente. É impossível fazer um jardim no telhado de uma casa sem um reforço na estrutura.”
Já abrir um quintal em um espaço impermeabilizado no térreo é bem mais fácil, diz o arquiteto.
A ideia, como política pública, ainda engatinha – mas algumas cidades já buscam meios de incentivar a implantação de telhados verdes em prédios privados. É o caso de Copenhague, que já em 2011 colocou a medida em seu Plano de Adaptação Climática.
Praças-piscina
Quadra da praça Benthemplein, em Roterdã, na Holanda, em um dia sem chuva
Divulgação: Jeroen Musch, Ossip van Duivenbode, pallesh azarfane, Jurgen Bals and De Urbanisten (Florian Boer & Eduardo Marin)
Em Roterdã, na Holanda, a praça Benthemplein foi construída em 2013 adaptada para armazenar água nos dias de chuva.
O complexo, desenvolvido pelo escritório de arquitetura De Urbanisten, é composto por três bacias. Duas delas são subterrâneas e armazenam a água sempre que chove. A terceira é uma quadra de esportes abaixo do nível da rua que enche quando a chuva persiste (veja acima).
Na praça, a água da chuva é transportada até as bacias por grandes calhas de aço inoxidável. Essas calhas são projetadas para serem utilizadas por skatistas quando não está chovendo.
Quadra na Praça Benthemplein, em Roterdã, na Holanda, estava com água nesta quinta-feira (13)
Reprodução/fotopaulmartens.netcam.nl
O armazenamento da água pode durar até 36 horas depois da chuva. Um sistema deixa a água fluir gradualmente, o que permite que ela volte para as reservas subterrâneas e nunca seja canalizada para o esgoto.
O equilíbrio das águas subterrâneas é especialmente importante durante os períodos de seca para manter as árvores e plantas da cidade em boas condições. A iniciativa acaba por reduzir o efeito da ilha de calor urbano. Parte a água, devidamente filtrada, é distribuída em bebedouros.
Uma câmera mostra ao vivo o movimento na praça de estudantes, frequentadores de uma igreja e visitantes de um teatro que fica na região.
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