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Câmara pode votar hoje projeto que altera regularização de ocupação de terras públicas; veja o que está em jogo

Projeto de lei substituiu a Medida Provisória 910, que perdeu a validade por divergências entre ambientalistas e ruralistas. A Câmara dos Deputados deve votar nesta quarta-feira (20) o projeto de lei 2.633, que trata da regularização de ocupações de terras públicas da União, a chamada regularização fundiária.
O texto substitui a Medida Provisória 910, que perdeu validade na terça-feira (19) por falta de acordo entre ruralistas e ambientalistas.
MP da regularização fundiária entrega 566 títulos de terra
Governo federal e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) alegam que a “MP Fundiária” trouxe mais agilidade no processo de regularização de pequenos agricultores e garante a preservação do meio ambiente ao dar responsabilidades previstas na lei aos ocupantes de terras públicas.
Para ambientalistas, agricultores familiares e pesquisadores, no entanto, ela é a “MP da Grilagem”, porque, segundo eles, facilita a regularização de áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia – região onde há mais terras públicas disponíveis para ocupação.
O impasse
O que impediu a votação da Medida Provisória do presidente Jair Bolsonaro foi o impasse em torno do tamanho das áreas que poderão ser regularizadas sem a vistoria presencial de técnicos do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a chamada autodeclaração.
Segundo ambientalistas, uma ampliação da área já permitida por lei poderia incentivar a grilagem de terras (entenda mais abaixo).
Já governo federal e ruralistas entendem que a medida modernizava a legislação, permitindo maior uso da tecnologia para análise dos dados e ampliando o número de pessoas beneficiadas.
Câmara decide tratar regularização fundiária em projeto preparado pelos parlamentares
Sem acordo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, combinou com os parlamentares para que a proposta seja analisada como projeto de lei, sem haver uma corrida contra o relógio.
Isso porque que a Medida Provisória, lançada em dezembro, precisava ser votada no Congresso até última terça-feira para não perder a validade.
Depois disso, o deputado Zé Silva (SD-MG), que foi o relator da MP na Câmara, apresentou um projeto de lei sobre o tema, o PL 2.366/2020.
O que diz o projeto de lei?
A proposta é, basicamente, o texto da MP 910 com os ajustes que já estavam em discussão no Congresso.
Segundo Zé Silva, o texto tem o mesmo teor do parecer que ele apresentou com mudanças à Medida Provisória original enviada pelo governo Bolsonaro ao Legislativo em dezembro.
As principais mudanças foram no período máximo de ocupação que um agricultor poderia solicitar a regularização, que na MP era até 11 de dezembro de 2018 e que voltou ao prazo original: 22 julho de 2008.
A outra foi o tamanho da área sem vistoria presencial de técnicos do Incra, que a Medida Provisória alterou de 4 módulos fiscais para 15 módulos fiscais.
O projeto de lei prevê que só terão direito a este tipo de regularização áreas com até 6 módulos fiscais.
O Incra informou ao G1 que, desde a publicação da MP em dezembro até o dia 4 deste mês, foram emitidos 566 documentos de posse da terra, beneficiando a mesma quantidade de famílias.
A maioria das propriedades tem menos do que 4 módulos fiscais, segundo o governo. Todas as regularizações até agora ocorreram em estados da Amazônia Legal: Pará, Amazonas e Rondônia lideram a lista de regularizações.
Autodeclaração de posse na MP da regularização fundiária
Rodrigo Sanches/G1
Autodeclaração
O que é?
A dispensa de vistoria presencial do Incra é que, na prática, em vez de uma equipe do governo vistoriar e medir a área, a proposta prevê que caberá ao próprio ocupante da terra informar a extensão e os limites da propriedade.
Para fazer a declaração, o ocupante da área da União deverá apresentar:
Planta e o memorial descritivo do terreno, assinados por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), com as coordenadas do imóvel rural que estão cadastradas no Sistema Geodésico Brasileiro, que faz monitoramento via satélite do país;
E o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
É obrigação de quem fizer o pedido:
Não ser proprietário de outro imóvel rural em qualquer parte do território nacional e não ter sido beneficiado em programa de reforma agrária ou de regularização fundiária rural;
Que exerça ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriormente a 22 de julho de 2008;
Que pratique cultura efetiva na área;
Que não exerça cargo ou emprego público no Ministério da Economia, Ministério da Agricultura, no Incra ou nos órgãos estaduais e distrital de terras;
Que não mantenha em sua propriedade trabalhadores em condições análogas às de escravos;
Que o imóvel não se encontre sob embargo ambiental ou seja objeto de infração do órgão ambiental federal, estadual, distrital ou municipal.
Segundo o texto, o Incra só fará vistoria nos seguintes casos:
Se o imóvel for objeto de termo de embargo ou de infração ambiental, lavrado pelo órgão ambiental federal;
Se o imóvel tiver indícios de fracionamento fraudulento da unidade econômica de exploração;
Se o requerimento de registro for realizado por meio de procuração;
Se existir conflito declarado ou registrado na Ouvidoria Agrária Nacional;
Se houver ausência de indícios de ocupação ou de exploração, anterior a 22 de julho de 2008, verificada por meio de técnicas de sensoriamento remoto.
Essa forma de autodeclaração já existia desde 2009, com a criação do programa Terra Legal, do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
O que mudou?
O que mudou foi o aumento do tamanho das propriedades que podem solicitar esse tipo de verificação.
O texto original da Medida Provisória enviada pelo governo ampliava de 4 módulos fiscais para 15 módulos o tamanho de imóveis que poderiam ser legalizados por meio da autodeclaração.
O módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares, a depender das características de cada município em cada região do país.
A mudança desagradou a ala ambientalista da Câmara, que viu na medida uma forma de estímulo à grilagem. Após negociações, Zé Silva reduziu o tamanho máximo da propriedade para 6 módulos fiscais.
O que diz o governo?
O governo diz que só entregará o título após verificar todos os dados que são enviados pelo proprietários por meio do sistema Sigef Titulação.
Porém, o vencimento da Medida Provisória não agradou ao secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia. Segundo ele, a proposta defendida pelo governo ainda é da dispensa de vistoria até 15 módulos fiscais.
“O objetivo é regularizar aquilo que a Constituição autoriza imóveis até 2.500 hectares. Se nós fomos fazer uma média de módulos fiscais no Brasil, nós temos uma média de 50 módulos (para imóveis até 2.500 hectares)”, disse em audiência pública na Câmara dos Deputados na segunda-feira (18).
O secretário afirma que a ideia do governo era garantir a dispensa vistoria para áreas até 2.500 hectares, que é considerada uma propriedade média no país. Porém, Bolsonaro decidiu diminuir esse limite para garantir a aprovação do texto.
“Acontece que, no dia da assinatura da Medida Provisória, o presidente Jair Bolsonaro, por uma questão de equilíbrio, alterou ela para 15 módulos”, afirma Garcia.
De acordo com Nabhan Garcia, a MP facilitaria a regularização de todos os pequenos médios agricultores do país, um universo estimado em 970 mil famílias. Posição parecida com a de representantes do agronegócio, como a CNA.
“Não adianta resolver o problema da agricultura familiar e deixar (de fora) centenas de milhares de famílias que o Incra que não consegue identificar”, finaliza Nabhan Garcia.
O que dizem pesquisadores?
Para pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a mudança no tamanho da área que dispensa vistoria resolve um dos principais problemas da Medida Provisória 910.
Segundo um estudo, que levou em conta dados do Incra – excluindo assentados da reforma agrária –, mais de 95% da fila de pedidos de regularização poderia ser atendida sem vistoria presencial para até 6 módulos fiscais.
Beneficiados pela dispensa de vistoria presencial do Incra
G1 Agro
“O projeto de lei tem algum espaço para aprimoramento, mas o texto já avança muito em direção de ser (de fato) um PL da regularização, distanciando-se da ‘MP da Grilagem’”, afirma o pesquisador Raoni Rajão.
O que dizem os ambientalistas?
A opinião de entidades ligadas à proteção do meio ambiente é de que a dispensa de vistoria não agilizou a regularização de terras no país, mesma avaliação feita por servidores do Incra.
Portanto, segundo eles, o argumento de que a mudança na lei aceleraria a concessão de títulos para pequenos agricultores não se sustenta.
Além disso, na avaliação do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a decisão do deputado Zé Silva de definir 6 como o número de módulos fiscais que serão dispensados de vistoria poderá abrir brechas na legislação ambiental.
“O problema é que quando se muda uma lei fundiária, há pressão para mudar a lei ambiental. Áreas com até 4 módulos fiscais são consideradas como de agricultura familiar, que têm regras brandas de recuperação do meio ambiente”, afirma a pesquisadora Brenda Brito.
Propriedades da agricultura familiar possuem facilidades para cumprir o Código Florestal, especialmente na recuperação de áreas desmatadas ilegalmente antes de julho de 2008.
Com a aprovação da mudança, o temor é que depois haja pressão para que se mude o tamanho que define uma propriedade de agricultura familiar e mais produtores tenham acesso a regras ambientais mais brandas.
Conflitos e grilagem
Para pesquisadores e agricultores familiares, além do aumento de área permitida para a autodeclaração não ser uma necessidade, ainda pode estimular os conflitos no campo.
O argumento é que, na comparação com outro programa baseado na declaração do dono da terra, o CAR – sistema em que os agricultores registram suas propriedades, para o governo avaliar se estão cumprindo as normas ambientais – já existem muitas sobreposições, especialmente na Amazônia.
Isso seria um indicativo de que mais de uma família reivindica a posse do terreno. Neste cenário, quando se aumenta a área sem vistoria presencial, a avaliação deles é de que se pode criar uma injustiça social.
Porém, a legislação já prevê que, em áreas onde que há conflito por terras, a autodeclaração não será permitida.
O que dizem procuradores?
Uma nota técnica assinada por procuradores da República que integram a Força-Tarefa Amazônia, do Ministério Público Federal (MPF), afirma que a dispensa de vistoria presencial não foi eficaz no combate à grilagem e nem ao desmatamento.
Os procuradores usam como argumento uma análise feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) entre os anos de 2009 e 2017 para avaliar os resultados da regularização fundiária na Amazônia.
“Entre outras conclusões, o TCU apontou que a execução do programa – que seria ampliado pelo PL 2.633/2020 para todo país – funcionou para legitimar posses de quem tinha direito, mas não funcionou para retomar, em favor da União, as posses de quem estava irregular, beneficiando ocupantes ilegais”, diz o MPF.
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Depois de examinar 1.287 lotes de uma área de 1,4 milhão de hectares em toda Amazônia, o TCU chegou à conclusão de que nada foi feito para recuperar mais de R$ 1 bilhão em áreas irregularmente ocupadas identificadas nos sistemas de informação à disposição, ocorrendo a chamada “grilagem eletrônica”.
Também não houve retomada e destinação de 887 mil hectares, no valor de mais de R$ 2,4 bilhões, referente a áreas cujos processos foram negados.
“Como não havia verificação de cumprimento das cláusulas exigidas, o programa acabou se tornando mero ‘carimbador’ de documentos.”
O que dizem ambientalistas?
Para entidades de defesa do meio ambiente, nem a MP e nem o projeto de lei oferecem mecanismos fortes de controle da grilagem e de cumprimento da legislação ambiental.
“A dispensa de vistoria já foi avaliada pelo STF de que só pode acontecer se ela for robusta e avaliar diversos bancos de dados para ter certeza de que não é área de conflito. Nem legislação atual e nem o PL trazem um ganho neste procedimento que faça essa garantia”, diz Brenda Brito, do Imazon.
De acordo com o instituto, uma década de autodeclaração não foi capaz de conter o desmatamento na Amazônia, que foi o maior em 10 anos.
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O que diz o governo?
O governo federal afirma que a mudança na lei não é para beneficiar grileiros, mas sim garantir a posse da terra para produtores rurais que migraram para a Amazônia com a promessa de que teriam áreas para trabalhar.
“Falta de respeito, de consideração com famílias que perderam até entes queridos quando foram enfrentar (desbravar) o Norte do Brasil”, afirma o secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia.
Segundo ele, a medida vai garantir que, com o título de propriedade da terra, esses agricultores consigam acesso a crédito rural e tenham que cumprir a legislação ambiental.
“Nós não estamos aqui para regularizar grileiro de terra. Grileiro está na mente dos bolivarianos, daqueles que perderam a eleição e não souberam perder.”

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