Deputados não começaram a analisar mérito do texto, que só deve ser votado nesta quarta. Proposta também cria ‘gatilhos’ para ajuste fiscal em cenário de crise financeira. A Câmara dos Deputados deu aval nesta terça-feira (9) à tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que viabiliza retomada do pagamento do auxílio emergencial aos trabalhadores informais. O placar foi de 366 votos a 118 pela tramitação, com duas abstenções.
O texto, conhecido como PEC Emergencial, já foi aprovado na semana passada pelo Senado e depende agora da análise pela Câmara, onde precisará passar por dois turnos de votação. Para ser aprovado, dependerá dos votos de ao menos 308 dos 513 deputados.
Nessa primeira votação, os deputados não analisaram o mérito (conteúdo) do texto, somente os aspectos formais. Ou seja, se a redação está de acordo com a técnica legislativa e se não fere princípios jurídicos ou constitucionais. Para isso, eram necessários votos da maioria simples dos deputados.
Após liberar a tramitação do texto, o plenário começou a discutir o conteúdo da PEC. A votação do mérito em dois turnos, no entanto, está prevista para esta quarta-feira (10).
PEC Emergencial: Câmara dos Deputados começa a analisar a proposta
A proposta não detalha valores, duração ou condições para o novo auxílio emergencial, que terão de ser definidos em outro texto.
Originalmente, a PEC previa apenas a adoção de medidas para conter as despesas públicas, mas os parlamentares resolveram incluir a questão do auxílio emergencial na mesma proposta – que já estava com a tramitação avançada –para agilizar a retomada do benefício.
A PEC flexibiliza regras fiscais para abrir espaço para a retomada do programa. Isso porque, pela proposta, a eventual retomada do auxílio não precisará ser submetida a limitações previstas no teto de gastos.
A proposta prevê protocolos de contenção de despesas públicas e uma série de medidas que podem ser adotadas em caso de descumprimento do teto de gastos, regra que limita o aumento dos gastos da União à inflação do ano anterior.
A PEC concede autorização para descumprimento das limitações somente para a União, tentando evitar maior deterioração das contas de estados e municípios.
O texto aprovado pelo Senado estipula ainda um limite para gastos fora do teto, no valor de R$ 44 bilhões, para custeio do novo auxílio.
Essa trava não é uma estimativa de quanto custará o programa, mas um teto de recursos para bancá-lo. O limite foi definido após parlamentares tentarem estender ao Bolsa Família a possibilidade de extrapolar o teto.
R$ 250 por quatro meses
Em uma transmissão pela internet na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro disse que o auxílio emergencial deverá ser retomado ainda no mês de março, com duração de quatro meses, como mostra o vídeo abaixo.
VÍDEO: Bolsonaro prevê novo auxílio-emergencial ‘a partir de março, por quatro meses’
Inicialmente, a equipe econômica do governo defendia o valor de R$ 200, enquanto congressistas propõem pelo menos R$ 300, ou seja, metade do valor pago no início do programa em 2020.
O governo também quer reduzir a quantidade de beneficiários à metade, portanto, conceder o auxílio a cerca de 32 milhões de brasileiros.
Mecanismos
O objetivo central da PEC é criar mecanismos que estabilizem as contas públicas. Atualmente, esse trabalho é feito por dois dispositivos já em vigor:
a regra de ouro, que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, como salários, benefícios de aposentadoria, contas de luz e outros custeios da máquina pública;
o teto de gastos, que limita os gastos da União à inflação do ano anterior.
Segundo a PEC Emergencial, quando a União estiver prestes a descumprir a regra de ouro ou a romper o teto, medidas de contenção de gastos serão adotadas automaticamente.
Esses “gatilhos” serão acionados no momento em que as despesas atingirem um certo nível de descontrole. Se atingido com despesas obrigatórias o índice de 95% das despesas totais, o governo federal estará proibido de:
conceder aumento de salário a servidores;
contratar novos funcionários;
criar bônus.
Bittar: ‘PEC emergencial é um instrumento que aciona gatilhos, muito séria’
A PEC também prevê exceções. O reajuste das remunerações poderá acontecer se determinado por decisão judicial definitiva (transitada em julgado) ou se estiver previsto antes de a PEC começar a valer, por exemplo.
Pelo texto, as novas contratações só se darão para repor vagas e cargos de chefia, por exemplo, desde que não signifiquem aumento de despesa. A União será obrigada a tomar tais medidas.
Levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado diz que, com esses critérios, os gatilhos só seriam acionados em 2025, no caso da União. Para estados, Distrito Federal e municípios, a adoção das medidas é opcional.
Segundo a proposta, o chefe do Executivo também pode aderir a uma ou mais medidas emergenciais caso a despesa corrente líquida ultrapasse 85% da receita (sem ultrapassar os 95%). Neste caso, porém, o ato deverá ser submetido à apreciação do Legislativo.
Outros pontos
A PEC também prevê que:
Caso as despesas representem 95% das receitas, governos estaduais e municipais poderão optar pelas medidas, mas os gatilhos serão adotados de forma separada pelos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Se os entes não implementarem o pacote de restrições para conter gastos, sofrerão sanções;
A União não poderá servir como fiadora de empréstimo para um estado que se recusar a disparar os gatilhos de austeridade;
Para a União, os gatilhos também serão acionados em caso de decreto de calamidade pública;
No caso de calamidade, os estados e municípios poderão acionar os gatilhos. Caso não adotem as medidas, sofrerão sanções, como a proibição de contratação de empréstimos tendo a União como fiadora.
Incentivos fiscais
O texto diz que, em até seis meses após a entrada da PEC em vigor, o Executivo encaminhará ao Congresso plano de redução gradual de incentivos e benefícios federais de natureza tributária.
Não entrarão nesse plano, segundo a proposta, incentivos a zonas francas, instituições de filantropia, fundos constitucionais, cestas básicas e bolsas de estudos para estudantes de cursos superiores.
A proposta também dá mais cinco anos para estados e municípios pagarem os chamados precatórios. Precatórios são títulos de dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça. Quando alguém ganha um processo na Justiça contra um ente público em razão de dívida, recebe um precatório e entra na fila do pagamento.
Discussões
Nos bastidores, deputados afirmaram que havia uma tentativa de fatiar a PEC, separando as medidas de contenção de gastos dos dispositivos que permitem o pagamento do auxílio emergencial. A tentativa também havia sido ventilada pelo Senado, mas não teve apoio do governo, que conta com os ajustes fiscais.
Durante a discussão da matéria, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), defendeu a vinculação do pagamento do auxílio emergencial a medidas de controle fiscal.
“Todos nós nesta Casa desejaríamos oferecer um auxílio emergencial não só de R$ 600, mas até maior. Mas nós não podemos oferecer um auxílio que não caiba dentro das contas públicas e que comprometa e corroa as finanças do país a médio e a longo prazo.”
VÍDEO: Paulo Guedes diz que novo auxílio emergencial ficará entre R$ 175 e R$ 375
Segundo o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), a proposta “transmite que o governo tem compromisso de ajuste fiscal e com as contas públicas”.
Contrários às medidas de ajuste fiscal e defensores de um valor maior para o auxílio emergencial, a oposição obstruiu a votação.
“O que o Congresso brasileiro está fazendo neste momento, evidentemente atendendo aquilo que é decisão do governo e do ministro [da Economia] Paulo Guedes, é impor ao país, em nome de um auxílio de R$ 250, um profundo arrocho fiscal”, disse o líder da Minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Coordenador da “bancada da bala”, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) tentou apresentar uma emenda que retirava os profissionais de segurança pública da PEC Emergencial – para que, por exemplo, não estivessem sujeitos ao congelamento de reajuste salarial.
Porém, no fim da tarde desta terça-feira, admitiu que não houve apoio suficiente de parlamentares.
“Nós não estamos conseguindo um número suficiente de assinaturas porque, se não houver uma sinalização por parte do governo, o pessoal não vai assinar.”
Após reunião com o presidente Jair Bolsonaro, o relator da PEC afirmou que o presidente era favorável à mudança, mas que seu parecer não faria alterações em relação à proposta aprovada no Senado.
“Bolsonaro naturalmente gostaria de ver, principalmente, a segurança pública [como exceção] nesse momento, mas nós entendemos que agora o plenário da Câmara dos Deputados é soberano e nós vamos levar a apreciação dos deputados”, disse.
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